quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O SAL DA TERRA


O SAL DA TERRA

“Vós sois o sal da terra. E se o sal é insípido, com que se há de salgar? Servirá apenas para ser jogado fora e ser pisado pelos homens.”

Voltando para casa, sete e meia da noite, mais ou menos, vejo um furdunço urbano. Uma turba jazia ante um cadáver, sobre o qual profissionalmente já se debruçava o fotógrafo da “perícia”. Ladeando a cena, dois carros do já famigerado “Ronda do quarteirão”. Passando lentamente, mais por curiosidade que por impedimento, pude vislumbrar o pé do ex-vivente. Era um pé pequeno, desses que ainda não trilharam muitos caminhos nem o farão por já não terem futuro. Era uma criança. Quantos anos? Não importa. Era uma criança. Causa mortis? Bala. Motivo: tentativa de assalto. Não, ele não foi assaltado. Tentou fazê-lo e o resultado foi esse.

Infelizmente, não se trata de um fato isolado. Acontecimentos como esse ocorrem todos os dias numa cidade como Fortaleza. O que me leva a narrá-lo aqui, a dedos frios e coração palpitante foi o fato de me virem à mente naquele momento as palavras do mestre: “Vós sois o sal da terra...” E se o sal não tem sabor? Na verdade, quando Jesus disse isso não estava pensando em salvar almas, mas estava dizendo para todos os jovens, que são o sal da terra, a luz da vida. Mas infelizmente cada vez mais o sal está perdendo o sabor, e a luz, o brilho. Sem educação, sem orientação, o sal já não serve para dar sabor à vida, somente para ser pisado, humilhado, manipulado pelos outros.

Minha ignorância diante de algumas coisas me constrange às vezes. Uma vez, ante uma prateleira de supermercado, ainda lembrando as palavras do sábio filho de José, fiquei impressionado com a variação de preço do sal. Ao que um senhor me acorreu explicando que o valor do sal oscilava de acordo com o grau de pureza, ou com a procedência. Quanto mais refinado, mais caro se torna. Pensei assim que mesmo aqueles jovens que ainda têm algum sabor precisam ser refinados, pois mesmo que não sejam jogados fora, serão mal aproveitados, serão discriminados na prateleira do mercado de trabalho. Não sei como um país quer alcançar o topo onde se encontram os países de primeiro mundo sem refinar seu sal, sem lhe tirar as impurezas, sem lhe acrescentar a quantidade de iodo necessária!

Infelizmente, enquanto não houver vergonha na cara das autoridades, nossa juventude será sal grosseiro, daquele manipulado por mãos rudes, molhado no sal das lágrimas e suor. A falta de iodo no refino levará ao bócio social. Um grande número, crescente a cada dia, sem gosto, será jogado fora, pisado pelos homens; alguns servirão para enrijecer a argamassa que se multiplicará em prédios país a fora; e só alguns poucos servirão para a mesa do “chef” francês.

(Professor Alves)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A FLOR E A DOR




A FLOR E A DOR
OU A ETERNA LUTA DO BEM CONTRA O MAL
(para Dra. Karol, uma flor vestida de anjo)

A dor surgiu sub-repticiamente,
De leve, cansada, espaçosa,
Logo foi tomando espaço na mente,
Em breve, era toda vitoriosa,
Impedindo os atos comumente.

Até que de triunfo deu seu grito,
Quedou-me com violência no chão.
O doutor mandou-me seguir o rito,
Ressonância era o exame padrão.
Saiu então o diagnóstico maldito.

“Exuberante protrusão discal
Póstero-mediana” – disse o médico
Descrevendo qual era o meu mal –
“Contraindo” – continuou sádico –
“A margem ventral do saco dural”.

Sentia-me como se fosse fuzilado,
Estava perplexo diante daquilo,
Ele ria por ter-me humilhado,
Recompus-me e perguntei tranqüilo:
– Há vida pra mim depois desse laudo?

Não é nada para desesperar,
Vamos fazer forte medicação,
Fisioterapia muita se fará,
Após dez meses de dedicação,
Bom de novo você estará.

Triste, macambúzio e desolado,
Voltei então dessa forma para casa,
Sem contar com a dor física do lado.
No tratamento, logo mandei brasa,
Pior, juro, nunca havia estado.

Em poucos dias estava arrasado.
Os comprimidos e as injeções
Deixaram-me o corpo debilitado,
Fui afastado, pois, das diversões
E do trabalho fui logo sacado.

A angústia e a má solidão
Tornaram-se assim minhas companheiras,
Fui presa fácil da televisão,
Nem em sonhos ia a brincadeiras,
Mas pensava: “dias melhores virão”.

Meu consolo era o computador,
Do orkut, os amigos e amigas,
Xadrez, música, e, como leitor,
Jornais e até revistas antigas,
Eram os lenitivos para a dor.

Bons dias vieram antes que eu pensava!
“Há malas as quais vem para o trem”
Há pouco um amigo, brincando, falava,
– Há males os quais vêm para o bem –
Esse provérbio ele parodiava.

E foi no momento em que adentrei
A sala de fisioterapia:
Um ente celeste encarnado encontrei!
A tal dor de repente não sentia,
De pronto, logo, logo melhorei.

Era um anjo meigo e lindo, Meu Deus!
Desses os quais pouco vêm à terra –
Que encanto para os olhos meus –
Quando vêm, numa redoma se encerram.
Inacessível a um coração ateu!

Era um ser feito de luz e harmonia,
Era um manto de pura perfeição,
O jaleco branco e o que dele fluía!
Tomou a minha dor em sua mão,
Senti-me conduzido à sacristia.

Mas passado o primeiro momento,
A dor voltou, plena, aguda, fria.
Era para mim deveras tormento
Quando vinha então a analgesia,
Só seus olhos me traziam lenimento.

Ela era assim como uma flor,
Cujos espinhos do conhecimento
Combatiam naquele vale de dor,
Impondo-nos severo tratamento,
Severamente, entanto com amor.

Era bastante um discreto sorriso,
Mostrando duas ebúrneas fileiras,
Para o mal se abater ante esse viso,
Pois sabia que não era brincadeira,
Recuava, mostrando ter bom siso.


Era a luta dos seres antitéticos:
Quando a dor sorria cinicamente,
Utilizando seus meios ecléticos;
A flor agia pacientemente,
Utilizando expedientes éticos!

Até que do bem começou a vitória.
A dor tentou, ainda em desespero,
Ostentar uma enganosa glória,
Mas a bela flor tinha o dom do esmero
E mudou por completo a história.

As noites, torturadas pela dor,
Ganharam agora uma nova feição,
São embaladas pela voz da flor,
Que, palpitante tal qual coração,
Abre os lábios, pétalas de olor.

O mal, vendo-se por fim derrotado,
Saiu deixando o campo da batalha.
Era o disco, que antes protrusado,
Pedia desculpas por sua falha;
Vitória do bem, em anjo encarnado.

Quando voltei então ao ortopedista,
Ele ficou assim sobressaltado,
Vendo-me andar como um nacionalista,
Senti-o um pouco decepcionado,
Pois, passou de leve a mão na vista.

O que vejo, amigo, um sério colosso!
Que fizeste, pois o que miro é raro,
Andas forte como se fosse um moço,
Encontraste algum santo, meu caro!?
Respondi-lhe – Uma, de carne e osso”

(Porofessor Alves)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O CIRCO DA MINHA INFÂNCIA


Muitas coisas da nossa infância nos assaltam de vez em quando. O interessante é que existem modelos, criam-se em nossas mentes paradigmas para o que acontece mais de uma vez. Os circos da minha infância foram inúmeros, de diversas cores e nomes, com artistas dos mais diferentes matizes. Entretanto aquele que meu inconsciente elegeu para repetir através das gerações foi um só.


      Em épocas determinadas do ano aparecia o circo. Estava brincando no quintal quando ouvia a algazarra, gritos da molecada a que eu deveria me juntar, se mamãe deixasse, é claro. Do quintal ainda ouvia os primeiros gritos: “Hoje tem espetáculo, tem sim, senhor... O palhaço o que é? É ladrão de mulher...” Corria para a calçada a fim de ver passar o cortejo liderado pelo palhaço da perna de pau, e sorriso largo, e roupa colorida. Depois de passada a parada, restava-nos saber onde estava sendo armada a enorme tenda. Que alegria! Desta feita era lá no campo, bem próximo à nossa casa.



       À tarde, depois de voltar da escola, fomos para lá, ver a armação do circo. E lá estavam todos os artistas uniformizados de operários. A gente os reconhecia porque eram diferentes de pele e cabelo. As moças eram todas loiras e brancas, os homens delgados ou fortes ao extremo. O mastro central subia e com ele o pano que obstruiria de nossas famintas mentes o mistério do circo, apesar da infinidade de buracos.

        No dia, seguinte já armado, o circo se preparava para a estréia. Minha cabeça era repleta daquele mistério. Ai que vontade de ser invisível para ir lá, saber o que estava se passando, sobre o que conversavam. O pior é que logo vinham as histórias, criadas pelas mentes ou vistas de fato, pelas frestas impenetráveis da estrutura circense: “Quem tiver gato que esconda porque o domador está comprando gato para dar de comer aos leões.” “Dizem que o filho de dona sicrana sumiu, que foi pisoteado pelo elefante e enterrado numa das barracas”...

      À noite estávamos lá, ávidos pela magia do circo, sentados nas arquibancadas de madeira, que tremiam e beliscavam nossas bundas, mas nem sentíamos. Sob a má iluminação, vinha o equilibrista, andando no arame, de vez em quando desequilibrava, tirando um “UUU” da garganta da plateia, cujos olhos não desgrudavam um décimo da cena. Em seguida era a vez do atirador de facas, que maestria, que segurança; a moça, pregada na tábua, ria desafiando as pontiagudas lâminas que cortavam o ar e se colavam a milímetros do seu corpo! Diante de uma salva de palmas, entrava o homem mais forte do mundo, que antes se apresentara como equilibrista e atirador de faca. Como era forte, segurava dois carros de motor ligado e acelerador pisado! O mágico e o palhaço encerravam a noite. E íamos dormir com as mentes repletas de sonhos. Embalado por Morfeu, ainda tinha tempo de sonhar com a bela loira das facas, que era também ajudante de mágico e a trapezista.

     Quando começava a perder a graça, quando os truques do mágico já eram abertamente desvendados nos balcões dos bares, quando já se punha em xeque a força do homem mais forte do mundo, o circo levantava pano, ia embora para bem longe. Ia despertar a imaginação, alimentar os sonhos de outras crianças. Apenas uma história era verdade: Depois da partida, uma mãe aparecia chorando, sua filha fora roubada pelo desalmado do palhaço. E a velha chorava até que alguns meses depois a filha pródiga voltava à casa materna, e trazia consigo uma criança, Talvez fosse o pagamento do palhaço à mãe entristecida.

(Professor Alves)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

EM BUSCA DA FELICIDADE


A BUSCA DA FELICIDADE

Quando era criança, não entendia direito por que as pessoas eram tão infelizes. Por que passavam mais tempo sisudas do que sorrindo. Depois compreendi que elas sorriam quando eram felizes, mas, como passavam a maior parte do tempo infelizes, passavam mais tempo casmurras. Só os loucos eram sempre felizes ou sempre resmungões.
Eu próprio me testava, e quando estava triste me perguntava por quê, na medida em que não havia acontecido nada de entristecedor. Quando era feliz sabia exatamente o motivo. Algo de bom havia ocorrido. Depois compreendi que não precisa haver motivos para a infelicidade, só o fato de não acontecer nada de novo e de bom já é motivo para sermos infelizes.
Depois li a célebre frase de Freud: “A felicidade é como uma borboleta. Se a perseguimos desenfreadamente, ela foge de nós, mas se a esperamos no cumprimento do dever, logo ela vem pousar em nosso ombro.” Mas compreendia também que borboletas voam, mudam de pouso a todo instante. Talvez por isso a felicidade é tão efêmera.
Mas foi depois de assistir ao filme À procura da Felicidade que compreendi mais ainda a estranha mania das pessoas de estarem ao lado da infelicidade. Nele a personagem Cris vive um casamento infeliz devido à falta de dinheiro. Logo a felicidade, isso ele compreende sempre, está onde se encontra a estabilidade financeira. Até que, passando em frente a uma corretora de seguros, ele vê que as pessoas saem de lá sorrindo. Ele descobre que lá reside a felicidade. E resolve trabalhar lá para também ser feliz. É de seu conhecimento também, devido ao conhecimento da Carta da Independência dos Estados Unidos, escrita por Tomas Jéferson, que a felicidade é efêmera. Jéferson diz na referida carta que, entre os direitos dos americanos, há o direito à busca da felicidade. Não o direito à Felicidade, mas à prerrogativa de procurá-la. Quando finalmente consegue entrar para o quadro efetivo da seguradora, Cris diz “essa parte da minha vida chama-se felicidade”. Ele sabia que não seria eternamente feliz a partir daquele momento. Estava feliz e isso é diferente.
O que quero dizer é que a nossa missão aqui na terra é buscar a felicidade e sabermos aproveitá-la sempre que ela surgir. Por isso é preciso entender que logo após o primeiro momento, o da euforia que se segue a uma conquista, precisamos ir em busca de novas realizações. Precisamos compreender que não podemos passar a vida toda “curtindo” um momento, pois logo o sabor irá saturar, e o gosto que nos ficará será um leve amargo. A angústia logo será nossa vizinha. É preciso comemorar sorrir, mas logo levantarmos a cabeça e seguirmos nossa eterna busca da FELICIDADE.
(Professor Alves)

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...