segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ELOGIO DA PREGUIÇA



ELOGIO DA PREGUIÇA
Poema de Juvenal Antunes (1883-1941)

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!
Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!
Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em na paz, preparar a luta, a guerra!
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!
Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas…
Cresce o teu filho? É belo? É forte? É louro?
– Mais uma rês votada ao matadouro!…
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,
Que arda, depressa, a colossal fogueira
E morra assada a humanidade inteira!
Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?
Queres riquezas, glórias e poder?…
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,
Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?
Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!
Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!
Ó Laura, tu te queixas que eu, farsista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,
E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor – por outro amor…
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.
Que me não faças mais essa injustiça!…
Se ontem não fui te ver – foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir… sonhar…

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

MINHA VIDA POR UMA NOITE





Jó não cria em fantasia,
Tampouco em  assombração,
Não via mistérios na vida,
Medo ele não tinha não.

Sua vida assim declinava,
Sem grande sustos ou medo,
De uma coisa  não refugava
Mulher, bebida, folguedo.

Mulher ver não podia,
Bebida em copo, nem olhar:
Esta logo ele bebia,
Aquela já ia  namorar.

Mesmo  sendo  quarentão,
Ele solteiro  ainda era:
“Eu num caso nunca não
Isso é coisa de outra era.”

Era assim como ninguém,
Seu lema era um só tom:
Todo e qualquer alguém
Viver acha muito bom,

Mesmo no maior sofrimento,
Não há quem deseje a morte,
Ninguém visa o passamento,
Só querem saúde e sorte!

***
No entretanto, certo dia,
Pruma festa o convidaram,
O lugar  desconhecia,
A data não  revelaram.

Chegou-se a ele um cavaleiro:
“Vamos que a festa é agora,
Se apronte meu companheiro
Que chegou a sua hora,

Vai ter bebida de monte,
Mulherada a dar com pau,
Você vai é beber na fonte
Namorar e passar mal!”

“Vamos logo, minha gente,
Já tô sentindo é os cheiros
Espero vê muita gente,
Espero encontrar  parceiros”

Assim foi dizendo Jó,
Já no lombo do jumento,
O parceiro disse “só
Vamos nas asas do vento!”

Chegado ao lugar da festa,
Jó ficou impressionado,
Botou então a mão na testa
Disse “saio é realizado!”

Havia ali muita fartura,
Comida e bebida a farta,
Mulheres lindas figuras,
A mais formosa era Marta!

Sua sensualidade
De moça ali transbordava,
Eram só pura maldade
Os rodopios que ela dava.

Seu vestido escarlate
Deixava transparecer
Seus seios de abacate
E as curvas de endoidecer;

Seu perfume natural
Embriagava os presentes,
Sua essência sensual
Deixava os homens dementes.

Jó então por ela ficou
Que parecia obsessão
Seu coração quase parou
Ela era sim um mulherão;

Ao dela se aproximar,
O moço se enamorou,
Queria ela abraçar,
E aos  pés dela  se atirou;

Logo o mundo escureceu
Ninguém mais ele viu
Só quando amanheceu
Na real ele caiu.

Estava em sua casa
Entre lençóis dormindo
“Os sonhos me deram asa”,
Pensou se descobrindo.


Nesse instante até sorriu
Pensando ser ilusão
Quando na rua surgiu
A mulher do coração.

Pasmado assim perguntou:
“Mas... Você existe de fato,
Não é visão de quem sonhou?
Quero você aqui no ato!

Não importa o que aconteça
Dou meu corpo para o açoite,
Que minha alma aqui feneça,
Dou-te a vida por uma noite.”

Pra sua grande surpresa,
A  diva então  o enlaçou,
Com um olhar de tigresa,
A boca dele beijou.

“Se me deres tua alma
Amar-te-ei loucamente
Te darei tudo com calma
Serei tua fatalmente!”

Saindo ainda sorriu,
Beijo da mão lhe mandou.
Num átimo assim partiu
Mas a voz ‘inda ecoou:

“Se me quiseres amar,
Me chama que a ti virei,
Amaremos ao luar
E comigo te levarei”

***

Daquele dia em diante,
Jó desligou-se do mundo,
Só pensava em tal amante,
Não parava um só segundo.

Então gritou certa noite:
“Venha-me logo me amar,
Vamos viver esse pernoite
Venha de amor me matar.”

Surge, então, da noite escura
O ente mais belo do mundo,
Mirando-o com ternura
Tascou-lhe um beijo profundo.



Fizeram amor ao luar,
Estrelas  iluminando,
Mas antes do sol raiar
Foram assim se esfumando,

Só restou, na relva fria,
Um corpo nu e já sem vida,
Nosso herói morto jazia
Sem sequer uma ferida,

Mas em seus lábios havia
Riso de felicidade
Morria enquanto sorria
Descobriu enfim a verdade.
 

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...