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domingo, 2 de outubro de 2016

SUICÍDIOS E ASSASSINATOS DE SONHOS


Todos os anos morrem no estado do Ceará cerca de 600 pessoas vítimas de suicídio, segundo dados do Jornal O Estado, de 5 de setembro deste ano. E na maioria dos casos as pessoas que tiram a própria vida são jovens. Esses números elevam nosso estado ao terceiro lugar no ranking do país. Em contrapartida, o número de assassinatos de jovens e adolescentes eleva o estado do Ceará ao primeiro lugar do país. Mas o que me trouxe às teclas foi a preocupação com outro tipo de suicídio e de assassinato: a destruição do que deveria ter sido e não é; e do que deveria ser e não foi.
                Explico. Imaginemos que o nosso estado possui uma quantidade muito grande de sonhos destruídos pela infeliz falta de coragem e/ou falta de empenho dos pais para que pudessem ser concretizados.  Os shoppings estão repletos de jovens trabalhando em lojas, lanchonetes; as ruas estão cheias de jovens carregando carrinhos de reciclagens; os sinais abarrotados de jovens vendedores de água, laranja ou coisa que o valha. Todos mortos! Um funeral de sonhos imensurável! Quantos médicos, engenheiros, juízes, jornalistas, inventores que deveriam ser e não foram. Mortos todos ainda na juventude, pela falta de empenho individual, ou pela falta de empenho dos pais. Quantos pais colocam seus filhos em grandes escolas, com mensalidades exorbitantes, certos de que a escola irá transformá-los em grandes homens e grandes mulheres. Como estão enganados. Quem transforma os filhos em engenheiros, advogados, jornalistas, escritores, inventores não são as escolas, mas os pais, com sua doação, dia após dia, incomodando e incomodados.
Aí quando chegamos à escola pública, os suicídios e assassinatos se multiplicam, pela lerda ilusão de que a escola é responsável pelos filhos. Não, a escola é responsável por desenvolver projetos pedagógicos. Quem transforma os sonhos dos filhos em realidade é a família. Quando perguntamos aos garotinhos e às garotinhas o que vão ser quando crescerem, ouvimos palavras bonitas projetadas em sonhos profissionais, todos imbuídos no desejo de crescerem e verem seus castelos grandes e fortes, sonhos realizados, mudando a família, a comunidade, a sociedade. Aí eles crescem e não dão em nada. Praticaram o suicídio do que deveriam ser, e para auxiliá-los contaram, na maioria esmagadora dos casos com o concurso dos pais e/ou dos responsáveis, homicidas de destinos!
Certa vez vi uma criança deixar uma repórter da Tevê Verdes Mares muda. A mesma fazia uma matéria sobre uma escolinha de futebol numa comunidade. O garotinho, bom de bola, foi interrogado pela repórter sobre o que queria ser quando crescesse. A repórter esperava que o garotinho dissesse que queria ser jogador de futebol, mas o mesmo respondeu-lhe peremptório: “médico”. A moça ficou sem saber o que dizer e encerou a matéria. Será que esse garoto, dentre tantos que querem ser jogador, que sonhava ser médico realizou seu sonho e se transformou em um grande doutor? Essa resposta não tenho. Mas tenho a certeza de que, como ele, muitos outros sonham com o jaleco branco e o estetoscópio, ou com a régua do engenheiro, ou com os papeis da jurisprudência, ou com o microfone da repórter.
E onde vão para todos esses profissionais? No cemitério, na vala comum dos sonhos destruídos suicidados ou assassinados. Na lápide de cada um está escrito: “aqui jaz doutor fulano de tal, morto aos 13 anos e substituído por um funcionário no balcão da exploração trabalhista, ou pela calçada da comunidade onde foi criado, latente em memórias úmidas descansando em um copo de cachaça”.
O grande estudioso do destino dos jovens brasileiros, Darcy Ribeiro, disse certa vez que a crise da educação brasileira não é uma crise, mas um projeto. Tudo muito bem urdido pelas elites e pelos governos, de esquerda ou de direita. Tudo muito bem planejado para manter a elite no poder e os pobres cada vez mais pobres, submissos aos salários irrisórios que são pagos, para que se paguem contas e nunca se abandone o destino que lhes foi traçado nas maternidades das periferias. É o eterno retorno contínuo. Filho de pedreiro pedreiro deverá ser; filho de arquiteto, sê-lo-á sempre. É que me lembrei de um episódio interessante. Enquanto aqui no Ceará, na construção do Castelão, em 1971, um filho trabalhava com o pai, este pedreiro, aquele, servente, e quarenta anos depois a mesma história se repetia; o pai pedreiro, e a filha, também. Em Belo horizonte, na reconstrução do Mineirão para a copa de 2014, um arquiteto trabalhava com o pai, que em 1971, na construção do mesmo estádio, era um dos engenheiros. Coincidência? Duvido. Nada é por acaso, tudo é planejado.
Sabemos que Darcy Ribeiro está correto quanto ao projeto urdido pelas elites de gerar  a crise na Educação. Sabemos também que os recursos destinados à Educação neste país são frágeis e podem ser retirados a qualquer instante, como o fez a ex-presidenta Dilma, ao reduzir em 8 bilhões o orçamento da Educação para 2016, inviabilizando qualquer projeto realmente social, como o Mais Educação. Mas também é verdade que os pais precisamos doar nosso tempo aos nossos filhos, incomodando-os e sendo incomodados por isso, para que seus sonhos não afundem, não sejam sepultados sob sete palmos memória abaixo, e que não se tornem, num futuro bem próximo, uma lembrança distante  e uma angústia a mais.

(Francisco Alves de Andrade, 09/16)