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terça-feira, 15 de junho de 2010

DONA VERA E SUAS IDIOSSINCRASIAS

 DONA VERA E SUAS IDIOSSINCRASIA
Recém-chegada do interior, que dizer neófita na capital, veio trabalhar em minha casa, digo apartamento, como secretária do lar, terminologia utilizada como eufemismo para empregada doméstica. Não sei porque alguns termos não combinam com aquilo que tentam representar, são termos cunhados por infelizes que não atinaram para a dinamicidade da língua. Deve ter sido isso que aconteceu com o desfamigerado termo “ludopédio”, inventado pelos xenófobos da língua para substituir o insubstituível futebol.
Pois bem. Então veio trabalhar de empregada doméstica, com todo orgulho. Mas tinha suas idiossincrasias, para não dizer particularidades. Não me perguntem por que preferi a primeira a esta, talvez por fome de vocábulos. Dona Vera, como dei de chamar, por respeito, não tinha afeição por nenhum objeto que viesse substituir os que já conhecia. Vassoura para ela tinha de ser de palha, se eu comprava panos de chão no supermercado, ela os guardava carinhosamente na gaveta do armário e os engomava sempre. E buscava entre as roupas velhas sobremaneira camisetas, também conhecidas por camisas de malha, não sei por quê, e ia passar o pano, ou melhor, a camisa no chão. Se reclamava, como muito jeito, ela redarguia de pronto: “seu Alves parece que é doido, usar pano bem novim no chão. Quando ficarem velhos eu passo.” Embasbacava-me sem ter o que dizer , pois apesar da voz mansa quase cantada, ela era peremptória. Esta última veio-me de um saudoso professor de latim. Apaixonei-me por ela, pela palavra, não por dona Vera, e nem procurei-lhe o sentido. Afinal peremptório só pode significar peremptório, ora essa. As palavras são aquilo que são, não adianta querer lhe emprestar outro sentido. Até hoje só fui traído por uma palavra: BRANDO. Toda vez que lia numa receita, “deixar coser em fogo brando”, minha voz forçava a leitura e eu não pensava duas vezes, aumentava o fogo para seu limite máximo, se é que existe limite mínimo. Para minha desfeita o prato nunca saía conforme o esperado. Até que compreendi o significado de “brando”, sem ir ao dicionário, mas depois de muitas receitas perdidas.
Pois bem, para finalizar esta crônica, pois crônica, para parafrasear Mário de Andrade, é aquilo que escrevemos e dizemos que é uma crônica, vamos voltar à Dona Vera. Estava eu na escola em que trabalho quando apareceu um desses vendedores de tudo. Esses caras são mais psicólogos do que vendedores. Colocou os olhos nos meus e os dele brilharam. Devo concordar: sou presa fácil. Ele nos apresentava um produto que seria o sonho de qualquer empregada doméstica: um rodo com um cabo longo para que o usuário ou a usuária, para evitar sexismo de linguagem, não forçasse a coluna e um absorvedor de água fabuloso. Tinha um dispositivo com o qual você espreme a esponja absorvedora da extremidade para secá-la e depois tornar a passá-la no chão deixando-o incrivelmente seco. Qualquer um ou qualquer uma levaria menos da metade do tempo normal para deixar uma casa limpa com aquele instrumento. Qualquer um ou qualquer uma, mas não Dona Vera, que foi logo pegando o objeto e guardando no mais recôndito lugar da despensa, dizendo “Seu Alves parece que num tem juízo, de querer que eu passe um negócio desse bem novim no chão”. E foi se curvando com o velho rodo e seu cabo roído para limpar o hall. E eu a partir desse dia, desisti do propósito de comprar uma linda cafeteira que vira numa loja de eletrodomésticos.
(13/06/2010, Professor Alves)

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