DONA VERA E SUAS IDIOSSINCRASIA
Recém-chegada do interior, que dizer neófita na capital, veio trabalhar em minha casa, digo apartamento, como secretária do lar, terminologia utilizada como eufemismo para empregada doméstica. Não sei porque alguns termos não combinam com aquilo que tentam representar, são termos cunhados por infelizes que não atinaram para a dinamicidade da língua. Deve ter sido isso que aconteceu com o desfamigerado termo “ludopédio”, inventado pelos xenófobos da língua para substituir o insubstituível futebol.

Pois bem, para finalizar esta crônica, pois crônica, para parafrasear Mário de Andrade, é aquilo que escrevemos e dizemos que é uma crônica, vamos voltar à Dona Vera. Estava eu na escola em que trabalho quando apareceu um desses vendedores de tudo. Esses caras são mais psicólogos do que vendedores. Colocou os olhos nos meus e os dele brilharam. Devo concordar: sou presa fácil. Ele nos apresentava um produto que seria o sonho de qualquer empregada doméstica: um rodo com um cabo longo para que o usuário ou a usuária, para evitar sexismo de linguagem, não forçasse a coluna e um absorvedor de água fabuloso. Tinha um dispositivo com o qual você espreme a esponja absorvedora da extremidade para secá-la e depois tornar a passá-la no chão deixando-o incrivelmente seco. Qualquer um ou qualquer uma levaria menos da metade do tempo normal para deixar uma casa limpa com aquele instrumento. Qualquer um ou qualquer uma, mas não Dona Vera, que foi logo pegando o objeto e guardando no mais recôndito lugar da despensa, dizendo “Seu Alves parece que num tem juízo, de querer que eu passe um negócio desse bem novim no chão”. E foi se curvando com o velho rodo e seu cabo roído para limpar o hall. E eu a partir desse dia, desisti do propósito de comprar uma linda cafeteira que vira numa loja de eletrodomésticos.
(13/06/2010, Professor Alves)