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segunda-feira, 23 de maio de 2016

O VAQUEIRO NA PELEJA, NAS MEMÓRIAS DA CULTURA SERTANEJA


Peço licença aos senhores
Pras coisas que vou narrar,
Peço desculpas também
Se, este, talento não tem.
Mas creio na providência
Que vou fazer algum verso
Mesmo de pouca ciência.

Para integrar o certame
Pedi a Luiz Gonzaga
O nosso rei do baião
Que me desse inspiração
Para o que quero dizer
Seguindo métrica e rima
Assim pretendo fazer.

***
Vou então aproveitando
Para aqui homenagear
Mestre Raimundo Jacó,
Que foi o vaqueiro maior,
Que até hoje existiu,
Pelo sertão brasileiro,
Outro igual nunca se viu.

Sem porquê havia inveja
No sertão em que vivia,
Foi por tipo enciumado
Cruelmente assassinado!
Mas justiça não se fez
E o povo lembra o herói
Todo ano no mesmo mês.

É  em todo mês de julho,
Na cidade de  Serrita,
O povo lembra essa morte,
Reza muito e pede sorte
Pr’os vaqueiros de agora,
Proteção de toda parte
Nessa missa a gente chora!

Senti toda essa emoção
Quando vi a grande missa
No sertão de Pernambuco,
Terra de Joaquim Nabuco,
E do vaqueiro citado
Sertanejo original
Homem mui equilibrado.

Tinha gente a dar com  pau
Da Bahia e Ceará,
Rio Grande,  e Piauí,
De Mossoró a Aracati
Toda gente aconchegada
Sob o sol da caatinga
Contrita, emocionada.

***
Naquele instante lembrei
Do meu velho e amigo avô,
Há muito tempo  morrido,
Mas não por nós esquecido,
Que foi vaqueiro e do bom
Amado e querendo a todos,
Falando sempre em bom tom.

Acordava bem disposto
Com os galos a cantar,
Já desperto  ajoelhava,
Muito contrito rezava
Agradecendo,  com amor,
O dia que recebia
Das mãos de Nosso Senhor.

Já o dia estava em festa
Com cantiga de mulher,
Cheiro de café gritando
Animais se barulhando,
E o cachorro Vamo-ver,
Correndo atrás dos gatos
E as arv’re sem se mover!
  
Ficava eu espiando
Meu avô se arrumar,
Guarda peito, gibão
Perneiras, luvas pras mão,
Com couro calçava os pés,
Punha então chapéu de couro,
Pra se livrar de revés.

Formava junto com ele,
Filho, irmãos, primos, colegas,
Um grupo muito valente,
Sempre  aboiando contente,
Da caatinga no seio
Levando e trazendo o gado,
‘Pesar de agruras no meio.

Havia dias de festa,
De muito forró do bom,
Havia à farta comida,
Pra todo canto bebida,
Namoro sincero havia,
Pedido de casamento
E choro de quem nascia.

Mas nem tudo eram flores
Nas trilhas do meu avô,
Tinha muito sofrimento
Reza muita e lamento,
Quando era a seca que vinha
A morte levava tudo
Homem, gado e criancinha.

Era tristeza demais
Naquele mato sem flor,
Naquela terra sem vida,
Naqueles braços sem lida,
Naquele chão esturricado,
Naquelas veias abertas,
Naquele campo queimado.

Era quando então se via,
Nos olhos da vaqueirama
Lágrima seca a correr,
A pele negra a  tremer
E o músculo retesado
Mirando o horizonte limpo,
E o sertão todo abrasado.

Até que Deus se condoía
Daquele imenso sofrer,
Mandava chuva bendita,
Era assim a grande visita
Da vida que então chegava
E os olhos de toda gente
Logo então se alumiava.

O gado sorria a mugir
Risadas se ouviam sempre
Agradecia-se assim ao céu
A chuva que sabia a mel
O verde que florescia
A vida que de repente
Do inferno renascia.

***
Mas hoje, daquele tempo,
Só trago muita lembrança,
Longe do amigo vaqueiro
Do autêntico, verdadeiro.
Morando hoje na cidade
Pra ver pega de boi brabo
Só na tela da saudade.

Tem alguns broxotezinhos
Na capital onde moro
Com roupinhas apertadas
Limpinhas e perfumadas
Todos cheirando à lavanda
Contando muita lorota
Mas fugindo se há demanda.

Mesmo em sertão de verdade
Já trocaram o seu cavalo
Por um bicho de barulho
Que tropeça em pedregulho
O tal bicho tem motor
Não serve pra chão incerto
Faz zoada e faz  terror.

Não existe mais amor
Nessa amada profissão!
O que tem de verdadeiro
Nesta vida de vaqueiro
É o vaqueiro na peleja
Para manter a memória
Da cultura sertaneja.
 (Professor Alves)


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DOM QUIXOTE: UMA REFLEXÃO



E assim se deu lá na Mancha
Alejandro e seu amigo
Que chamava Sancho Pança
Sem temer mesmo o perigo
Saíram sem rumo certo
É, pois, isso que aqui digo.

De tanto  ele ler história
De tanto ver moça donzela
Dom Alejandro Quijano
Defensor de muita querela
Entrou, logo, em parafuso,
Foi, pois, numa tarde bela.

Imaginava- se ele
Destemido cavaleiro
O qual enfrentasse os monstro,
Que salvasse o mundo inteiro,
Era assim que tinha que ser
Decidiu-se o mancheiro.

Vestiu-se então a caráter
Pra com o mundo duelar
Arranjou pobre cavalo
Mas gostoso de montar
E sorrindo ele saiu
Foi o mundo desbravar.

Mas antes foi lá na vila
E lá buscou um escudeiro
Disse: vamos meu amigo
Correr os campos, ligeiro
Proteger moça donzela,
E salvar o mundo inteiro.

E Sancho deixou família
Duas vezes não pensou
Seguiu então o companheiro
Tudo para trás deixou
Com esperança nos olhos
Com o companheiro assim rumou.

Dom Quijano era fidalgo
Por isso o nome mudou
Pensou num belo pseudônimo
Não foi difícil e ele achou
Um singelo nome falso
Dom Quixote se chamou .

Precisava nosso amigo
De uma musa inspiradora,
Assim como os poetas,
De uma mola propulsora
Para os versos encantar
Encontrou em Dulcinéia
Uma dama sonhadora.

E logo ele encontrou
Pra dos seus olhos o gozo
Uma bela senhorita
Pro esp'rito belicoso
Pra sua musa escolheu
Dulcinéia del Toboso.

Perdoe-me caro leitor
Não é pensamento meu
Lhe contar essa história
Que há tempos Miguel contou
Noutra coisa meu amigo
Pensando aqui estou.

O que eu quero é refletir
Nesse mundo em que vivemos
Nos conflitos que enfrentamos
Nos problemas que aqui temos
Enfrentamos todo dia
São muitos, não são amenos.


Por nós é também sabido
Que Dom Quixote passou
Por muita humilhação
Muita gente o humilhou
Mesmo assim o cavaleiro
Sua cabeça não baixou.

E nós vivemos também
Tal qual esse cavaleiro
Passando por privações
Driblando o mundo inteiro
E em casa é que estamos
Duelando por primeiro.

Somos Quixote e Sancho
Sempre incompreendidos
Vítimas do preconceito
A que Miguel tem aludido
Defendendo a minoria
Na sua história defendida.

Somos também como ele
Andantes e cavaleiros
Em busca de um sonho
Somos todos brasileiros,
Criando casca dia-a-dia,
Valentes, fortes, inteiros.

Não importa que lhe digam
Palavras bem insinceras
Erga a lança de Quixote,
Construa suas quimeras
À revelia dos outros
Seja mui feliz deveras.

 (Professor Alves Andrade)