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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

OS PODEROSOS CHEFÕES

 



OS PODEROSOS CHEFÕES

(Por Alves Andrade)

Há uns anos, trabalhava numa escola, quando fui surpreendido por seu Zé. Era assim que chamávamos aquele pequeno homem de bata azul que andava daqui pra li com uma celeridade que impressionava. Fui surpreendido quando precisei utilizar uma salinha que ficava no fundo do corredor e ele me apresentou uma quantidade infinita de chaves. Ali, naquele molho, estavam todas as chaves da escola, da sala da direção àquela salinha insignificante a qual precisei adentrar. Ante minha surpresa, ele me segredou: “quem tem as chaves tem o poder”. Era assim , portanto, que seu Zé usufruía da maior atenção que se pode dedicar a uma pessoa dentro de um ambiente corporativo. Depois de conhecido o santo, passei a ouvir as preces: “seu Zé, cadê a chave do almoxarifado?”, “Seu Zé, abra a dispensa pra mim.”, Seu Zé, em que sala o senhor guardou as bolas de vôlei?”. O poder de seu Zé foi realmente comprovado quando o espaço entre a caixa d’água e o chão, onde se guardavam todos os papéis imprestáveis, pegou fogo. Seu Zé não estava na escola para abrir a sala onde se guardavam os extintores.. Foi um deus nos acuda!

Em uma outra escola, a diretora vivia pondo seu cargo em xeque. “Não quero mais, quando terminar meu mandato, não quero mais”. Dizia ela sempre e sempre. Mas, eu, conhecendo a volúpia pelo poder que rege a humanidade, me ria por dentro, esperando a próxima eleição. Dito e feito. Começaram as inscrições para a disputa do cargo, ela foi a primeira a se candidatar. Aí, o mundo quase caiu sobre mim, quando publiquei o cordel “CÃO QUE TEM NUNCA QUER LARGAR O OSSO”, que se diz

Por favor, amada gente,

não me venha convencer

com palavras ou sem elas

que gente que tem poder,

não me venha com balelas,

(desculpe até se sou grosso)

Mas cachorro que o tem

Nunca quer largar o osso

(…)

Já vi muitos proclamarem,

Dizendo em alto e bom som:

ISSO PRA MIM NUNCA MAIS”

Dizem aumentando o tom,

Mas quando sozinho estão,

Vão com ele até o pescoço,

Provando que cão que tem

Nunca quer largar o osso.

(…)

Criou-se pelos bajuladores até uma restegue #somos todos cachorros. Acho isso uma grande cachorrada mesmo. Todo mundo quer mandar no seu pedaço, até os cachorros. E os gatos também. Aqui no condomínio onde moro, cada gato tem seu espaço, debaixo de um carro. Ali está seu escritório, seu ponto de poder, seu birô. O gato daqui de casa, o Músi, quando consegue escapar, não quer mais voltar para casa. Vou atrás dele e me surpreendo quando o vejo debaixo de um carro cujo dono, outro gato, se ausentou. Fica uma fera, porque perdeu a oportunidade de mandar, de reinar sobre algo. Sobe nos meus braços, dando-me dentadas e unhadas. É o poder que, mesmo momentaneamente, embriaga a todos.

No romance Dom Casmurro, uma das maiores críticas feitas pelo Bruxo do Come Velho é sobre o poder. O pai de Capitu esteve nele por curto período, era administrador interino. Quase se matou quando perdeu o cargo. Passada a dor maior, aquele tempo em que esteve no poder passou a ser “a hégira, donde ele contava para diante e para trás. --No tempo em que eu era administrador…”.

No romance O Pequeno Príncipe, temos o rei que, não tem regência sobre nada, mas possui sabedoria para reinar sobre tudo. Quando o pequenino lhe pede um pôr-do-sol, ele promete que terá o seu pôr-do-sol, mas somente quando o sol puder se pôr. Mas sabemos que nem todos aqueles que detêm o poder são sábios para reger, por isso ou usam de violência ou de velhaquice para ali se perpetuar.

Entretanto nem todo poder emana do ato de se dirigir um grupo. Ele pode muito bem estar apenas na ideia de mando, sobre um filho, esposa, marido etc. Imagino o que passava na cabeça de Paulo Honório, personagem do romance São Bernardo de Graciliano Ramos, quando subjugava seus empregados, sem subjugar sua esposa. Imagino o que lhe carcomia por dentro quando Madalena, com sua gentileza e bondade, tinha mais poder sobre aquelas pobres pessoas do que ele. Quem tem poder não quer ser temido, mas ser amado, mesmo que esse amor seja imposto. Imagino ainda sem atinar de verdade, o quanto sofreu aquele tirano quando viu a mulher morta, pois ela, mulher empoderada pelo saber, não se acanharia diante dos desmandos de seu algoz.

E para encerrar essa crônica, que já está muito empoderada…

Despeço-me por aqui,

Pois já tô tomando gosto,

Me apossando do fazer,

De querer tomar o posto

De diretor da poesia

Tornando o viver insosso,

É a sina do cão que tem

E não quer largar o osso.



quarta-feira, 14 de maio de 2014

NUNCA É CEDO, NUNCA É TARDE



Tem tempo
que o tempo  dá
Tem tempo
que o tempo tira
Tem tempo
Que o tempo encolhe
Tem tempo
Que o tempo estira
Tem tempo
Que o tempo dá tempo
Que o próprio tempo
Se admira
(Salvador Bonfim,
in Carisma de um Provinciano)

Aos dezesseis anos, Álvares de Azevedo iniciou uma profícua obra literária que lhe renderia o posto de principal poeta ultrarromântico. Mas sua produção não se reduziu apenas a poesia. O bardo era bom em tudo o que fazia, desde traduções de Lord Byron a criar peças à Shakespeare.  Sua obra mais importante, Noite na Taverna, demonstra toda a evolução de uma mente jovem e brilhante. Faleceu aos vinte anos incompletos, mas nos deixou vasta obra e como maior legado a ideia de que nunca e cedo para se fazer aquilo a que nos propusemos.
Aos vinte e sete anos idade, muita gente olha para trás e, se ainda não fez nada de extraordinário, pensa que tudo está acabado. Entretanto, aos vinte e sete anos, Van Gogh, sem nunca ter dado uma pincelada, entrou para um curso de desenho, para se tornar o maior pintor impressionista holandês. Apesar de uma vida frustrada, sem realizações pessoais, Van Gogh é um bom exemplo de que a qualquer momento podemos  reescrever  nossa realidade.
Em 1934, com quarenta anos de idade, portanto além da curva citada por Dante, Graciliano Ramos, alterando o rumo de sua comédia,  escreveu seu primeiro romance, São Bernardo, para não mais largar a pena e construir uma das mais ricas obras da literatura brasileira e da mundial. Seu legado maior: nunca é tarde para se iniciar aquilo para que fomos enviados ao mundo.
Com setenta e cinco anos, Salvador Bonfim, agricultor na cidade de Independência no  Ceará, matriculou-se no Mobral a fim de aprender escrever, pois tinha um sonho: publicar um livro. Aos 84 anos, nos convidou para o lançamento de seu terceiro livro de poesia, Carisma de um Provinciano, de onde retiramos a epígrafe desta crônica.
Álvares de Azevedo escreveu toda sua obra em apenas quatro anos, começando-a, pois, precocemente! Van Gogh, com suas incertezas, suas angústias, buscou no desenho, na pintura sua realização pessoal, aos vinte e sete anos, tornando-se ícone de toda uma geração e referência para as demais! Graciliano Ramos despertou para o cenário literário apenas aos quarenta anos, produzindo uma obra que inspirou grandes nomes, como José Saramago! Salvador Bonfim, aos setenta e cinco, iniciou seu aprendizado escolar para escrever livros também de poesia e o fez com grande maestria. O que então dizer de Oscar Niemeyer que, aos cem anos, depois de ter realizado tudo que uma pessoa pode pensar em fazer, resolveu se matricular na academia para aprender física e filosofia! Queria ele apenas deixar mais um presente para nós. Queria nos dizer nunca é tarde para aprender, para produzir, para viver.

(Francisco Alves, maio de 2014)