Mostrando postagens com marcador Vida na cidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vida na cidade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de novembro de 2021

 

A VERDADEIRA MORADA

Por Alves Andrade


Na cidade, no conturbado mundo urbano, todos desejam uma casa no campo, onde possam compor alguns rocks rurais, onde possam descansar numa rede branca, tomar café com cuscuz de ralo ao leite de coco, e almoçar uma gorda galinha de capoeira. Vislumbra-se uma montanha por trás da qual se esconde um imenso mar azul, de águas cristalinas de preferência, onde se possam ver peixinhos a nadar em pequenos bandos. Respira-se o ar pesado da capital e imagina-se quão puro deve ser o ar do sertão, do litoral distante. Não precisar em uma mansão com dezoito banheiros, basta uma casa alpendrada, com fogão a lenha, e um quintal, onde pipilem os pequenos animais de pena. Uma cerca e a visão do mato, verde, ou do mar azul, longe do asfalto calorento. À tardinha, o anoitecer, o arrebol agressivo que não agride, apenas enfeita o cenário maravilhoso da natureza. Uma vida bucólica, um fugere urbem, paz e descanso.

No sertão, entre um arranhão e outro gerado por um espinho agressivo, ou por um canto de cerca, bruto, o sertanejo, de volta pra casa, deita-se na rede e olha o teto esfumaçado, mira os filhos barrigudos brincando no quintal com um calango, a esposa, estafada da lida diária, com a saia arregaçada, soprando o fogareiro, mostrando as coxas reluzentes de suor e gordura. No litoral distante, o praieiro e sua esposa, donos da barraca, olham em volta e só veem o mar, a areia, ouvem seu marulho . Cansados da jornada infinda que não acaba, desde muitas gerações. O enfadonho horizonte traz-lhes a visão do barquinho, que teima em não chegar. As poucas luzes se confundem com o parco cheiro do peixe, que chilreia no fogão, os meninos e as meninas brincam de pescador ou de atender aos clientes, que não chegam nunca. Esses dois mundos sonham com a cidade, com a vida urbana, cheia de oportunidades, com escolas de boa qualidade para os filhos. Em seus ouvidos, o barulho dos carros suplantam aquela quietude modorrenta daquela eterna visão, estática, como um quadro de pintura barata. Lembram imagens trazidas pela televisão, em que pessoas invadem as lojas, felizes a comprar. Suas casas sempre limpas, assoalho brilhando, os meninos estudando, sentados em grandes mesas. E o asfalto desempoeirado.

Assim é desde sempre. A humanidade sempre sonhando com outras paragens que não a sua. Sem perceber que a grande morada, a verdadeira paisagem está consigo, dentro de si. É para lá que ele precisa se mudar. É este seu verdadeiro lar, que Deus lhe deu, é preciso que desfrute dessa grande, imensa paisagem. Assim quando ele cansar de olhar a cidade ou o campo, em sua ilusão de desejo, e voltar-se para seu interior, verá quão belo é o mundo que lá existe e que precisa ser difundido, cuidado, emergido. Sua verdadeira morada, onde todos os seus sonhos serão realizados e todas as angústias dissipadas. A compreensão de que a simplicidade da vida, a verdadeira felicidade só depende dessa real visão.

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...