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sexta-feira, 16 de julho de 2010

ANDANDO PELOS SERTÕES





ANDANDO PELOS SERTÕES



REDONDILHAS


PARA


GONÇALO AMÉRICO SABÓIA


POR PROFESSOR ALVES



              I

Andando pelo sertão,
Vê-se muita coisa bonita,
Coisa de encher os olhos
E apertar o coração,
Como diria Gonzaga,
Aquele rei do baião.

Vê-se homem de pé no chão,
Trazendo enxada às costas,
Grande chapéu na cabeça,
A terra é a profissão,
Ambição, disso não cuida,
Nos olhos muita emoção.

Vê-se mulher sem vaidade,
Que trabalha fora e em casa,
É devota de Maria
Traz no seu peito saudade
De algo que nunca viveu,
Vive de fidelidade.

(Mas há os que andam de carrão,
Ostentam roupa e dinheiro,
Falam até línguas estranhas,
No dedo trazem anelão,
Prefeitos que o povo iludem.
Esses num cogito não.)


               II
Conheci numa cidade
Muito distante daqui
Um sertanejo, antes, forte
E de muita lealdade,
Que sempre doou amor
Aos seus e à sociedade.

Já o sabia é bem verdade,
Porém foi numa entrevista,
Que pelo rádio assisti,
Que vi a realidade
Compreendi de repente
Sua virtuosidade.



O homem de que vos falo
Mora lá em Independência
É amigo de toda gente
Bem conhece do sol o halo
Tem sobrenome Sabóia:
Eis em cena seu Gonçalo.
                
             III

Dezembro no dia dez,
O ano era dois mil e cinco,
Quando adentrou o recinto,
Olhando meio de viés
Tímido meio nervoso
Pensou nos amigos fiéis.

Era um fato inusitado,
Mesmo pra ele, corrido,
Passado na casca do alho,
Às falas acostumado,
Cumprimentou a todos
Por quem fora convidado.

Falando meio estorvado,
Nas palavras tropeçando,
Cuidando pra não errar,
A respeito do passado
Foi respondendo com calma,
Logo estava acostumado.

Dominou a situação,
Sorriu, falou de tristezas,
Alegrias e revezes,
Falou até de paixão,
Por modéstia, é bem claro,
Não falou sobre avião.

Na seqüência vou falar
Aquilo que ele falou
De modo meio impreciso
Vou procurar precisar
Vou repetir o que disse
Se engenho e arte deixar.

                  
                 IV

VIDA E PAIXÃO
                                                                              
Lndeza, foi o local,
Dia, dezesseis de junho,
O ano, mil nove três nove,
Vim de Dúlia e Pascoal,
Criador e agricultor
E de couro oficial.

Não precisei ser Jesus
(com todo respeito é claro)
Mas fui buscar minha sina,
Lá longe no alto da Cruz,
Nessas curvas encontrei
Freitinha feita de luz.

Infância se tive não sei,
Brincar não soube o que foi,
Com pai trabalhava sempre,
Não tive vida de rei,
Com irmã não podia brincar,
Labutando assim levei.

Cheguei à maioridade,
O exército fui servir
Lá a vida não era mole
Tinha mais severidade
Voltei depois para casa
Pra minha realidade.

Quando já era rapaz feito:
─ Meu pai, vou namorar
─ Vai filho – disse ele –
Depois que vier do eito.
E assim foi a juventude,
Cresci assim desse jeito.

Só tive uma paixão,
Pouco tempo namorei,
Com esta que vêem ao meu lado,
Dona do meu coração,
Mãe dos meus seis filhos...
(A voz tremeu de emoção)

  
Mas não reclamo da vida,
Foi muito melhor assim,
No mundo, muito aprendi.
É melhor seguir a lida,
E crescer pegando calo
Que família dividida.

            V

DOS AMIGOS

Amigo é como um tesouro
É uma palavra bem curta
Com pouca letra se escreve
É como uma lavra de ouro
Quem tiver um que cuide,
Por ele se venda o couro.

Dizem que estranho não há
Nem inimigos existem
O que existem são amigos
Que esqueceram de mostrar
Todos os entes do mundo
Nos amam e nos deixam amar.

Mas é outra a realidade
Que se encontra pelo mundo,
Amigo existe bem pouco,
Quase nenhum, é verdade,
Poucos que há, quando se vão,
Nos deixam muita saudade.

Às vezes penso comigo
Onde está, meu primo, morto,
O outro mora lá em Brasília,
Busco na lembrança abrigo,
Mas posso jurar a todos
Meu pai: meu herói e amigo.


Minha mãe, vou esquecer não,
As irmãs, as companheiras.
Os meus filhos: brasa e Alice,
Gileno e Pascoal, são,
Verônica e Bonifácio,
A verdadeira paixão.


               VI

E SOBRE EDUCAÇÃO

Desde cedo trabalhei,
Não tive como estudar,
Mas acredito no estudo,
Porém dele não cuidei,
Mas respeito o professor
E a cartilha que deixei.

Posso dizer por primeiro,
No que consiste à escola,
Preferi pegar cavalo,
Lá distante no Pinheiro,
Que abrir carta de abecê,
Nisso sou bem verdadeiro.

Só no meio da existência,
Instado por Altair,
Minha irmã, que Deus a tenha,
Busquei na escola a eminência,
Hoje sou alfabetizado,
Do mundo faço inferência.

Por não ter educação,
Pros meus filhos trabalhei,
Contei com ajuda da irmã
Provei que aprendi lição,
Batalhei de sol a sol
Pra eles terem profissão.

Hoje estão todos criados
E vivem bem independentes,
Em suas casas morando,
Na faculdade formados,
Tudo por amor do estudo,
Logo estou bem conformado.

                     VII

A RESPEITO DA MORTE

Sobre a certeza iminente,
Da qual não escaparemos,
Digo que nela não cria
Até que foi um parente,
Pensava ser fantasia,
Fiquei triste certamente.


Quando a gente não conhece
A face negra da morte,
Que vida é eterna achamos,
Até que um dia acontece:
Leva um, dois, três, quatro e mais,
Nunca mais desaparece.

Mas num é apenas de morte
Que a gente aos poucos some,
A terra é um grande flagelo
Que define a nossa sorte
Mata-nos ainda em vida,
Mais o pobre, de sul a norte.

                 VIII

DE FELICIDADE E ALEGRIA

São muitas as alegrias
Por que passei nesta vida:
Ver o sol nascer é uma,
Cruzar do país as vias,
Ver o sol quentar a terra,
A chuva correr por dias.

Cada filho que nasceu,
Foi grande a felicidade,
Cada um que se formou,
Gota alegre mereceu,
Pelos netos que vieram,
Rio de lágrima correu.

Estar aqui meus senhores
Me deixa bastante alegre,
Voltar para casa agora
Lhes juro não causa dores.
Obrigado estou a todos
Por falar de meus amores.

‘Brigado primeiro a Deus,
Depois a Nossa Santana.
Agradeço a minha esposa
Que aceita os humores meus.
Até breve, Abel, amigo,
Um abraço aos caros seus.

  
FRASES DITAS DURANTE A ENTREEVISTA  QUE REVELAM O CONHECIMENTO DE MUNDO DE SEU GONÇALO ALÉM DE SUA VEIA POÉTICA.

“Meu pai enquanto vivo foi o melhor amigo que tive.”

“Preferia pegar cavalo no Pinheiro que abrir carta de ABC.”

“Amigo a gente escreve com pouca letra, mas é complicado.”

“Camarada a gente tem muito, mas amigo é complicado.”

“Eu pensei que a gente não morria. Eu via os outros morrerem, mas pensei que os meus não iam morrer.”

“A terra não come a gente só quando a gente morre, ela começa a roer ainda em vida.”

“A minha infância é algo meio complicado. Entendo que infância é a vida de criança. E eu não tinha tempo não.”

“Comerciante eu não fui. Eu tinha uma merendeira. Os ricos colocam uma lanchonete e os pobres, uma merendeira. (risos)”
 03/08/2006