Sexta-feira, chego em casa a fim de descansar, assistir televisão, tomando uma cervejinha, já no congelador desde a tarde. Depois do banho, quando já me dirigia à deusa dos raios iluminados, como bem definiu Ignácio de loiola Brandão, puf! Faltou energia. Sempre que isso acontece, a luz volta quase de imediato. Ledo engano. Desta vez o furdunço que provocou a falta de energia foi maior. Como A bendita não tornava, fui para a cozinha acompanhado do meu filho que sentou-se e perguntou:
─ E aí, pai?
Essa perguntinha, quase sem significado, está plena de questionamentos. Significa “e agora, o que eu vou fazer, sem energia? Como vou brincar no ps2? Como vamos assistir ao bate bola da ESPN? Como vou viver, sem a bendita eletricidade?” Tive uma ideia, acendi uma vela sobre a mesa, liguei o fogão para fritar umas asinhas de frango, que ele adora, abri uma cerveja e passei a lhe contar sobre como era quando não tínhamos energia elétrica. Os olhos dele se esbugalharam, como a indagar “você alcançou essa época?”. Ao que afirmei: “Sim, filho, quando era pequeno, da sua idade, não havia energia elétrica em nosso bairro, não tínhamos televisão nem geladeira, tampouco brinquedos eletrônicos. Assim nossas brincadeiras eram no quintal ou na rua. Fazíamos, por exemplo, um balançador numa goiabeira e nos embalávamos às alturas. De vez em quando o balançador quebrava e o brincante se espatifava no chão. Brincávamos de bandido e mocinho. Fabricávamos revólveres de madeira (à época não havia tanta maldade), virávamos bandido ou herói e saíamos por aí, “pei, pei”, só na boca. Difícil era convencer o outro que ele já estava morto de tanto tiro(risos).
As asinha estavam já estalando, o cheiro invadira de vez a cozinha, a cerveja ainda estava fria e a atenção do Victor Hugo era o combustível para as minhas lembranças. “Continua, pai, tá legal! Continuei, falando e admirando o bruxulear da chama da vela. A noitinha, filho, íamos esperar por papai lá na calçada. Enquanto ansiava por vê-lo a distância com seu caminhar pausado e decidido, mamãe contava histórias, geralmente de assombrações, que à noite grande iam me torturar. Eram estórias e histórias... “Conta uma, pai!” Contei:
As asinha estavam já estalando, o cheiro invadira de vez a cozinha, a cerveja ainda estava fria e a atenção do Victor Hugo era o combustível para as minhas lembranças. “Continua, pai, tá legal! Continuei, falando e admirando o bruxulear da chama da vela. A noitinha, filho, íamos esperar por papai lá na calçada. Enquanto ansiava por vê-lo a distância com seu caminhar pausado e decidido, mamãe contava histórias, geralmente de assombrações, que à noite grande iam me torturar. Eram estórias e histórias... “Conta uma, pai!” Contei:
“Capineiro de meu pai
Não cortes o meu cabelo
Minha mãe me penteou
Minha madrasta me enterrou
Perto da figueira
Que o passarinho beliscou”
O homem chamou o pai da garota, que entendeu tudo. Quando a madrasta viu que sua maldade fora descoberta, saiu correndo sertão a dentro e nunca mais foi vista. O pai desenterrou a filha e lhe deu um enterro decente.
Enquanto, mastigava uma asinha, meu filho me olhava como a dizer “legal, conta outra”. E assim o tempo foi passando sem eletricidade. Víamos que não é tão ruim viver sem ela, que existia vida antes dela... de repente, Alice, minha esposa, que estava ao nosso lado desde o início, lembrou-nos que era o dia do último capítulo da novela (Insensato Coração) e que precisávamos saber quem havia matado Norma. Nos vestimos e procuramos um restaurante em que houvesse uma televisão. Mas foi bom ter lembrado do bom tempo em que não precisávamos da “deusa dos raios iluminados”.
(Professor Alves, 19/2011)