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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

SUPERAÇÃO I

     (Professor Alves, fevereiro de 2011)  
     
Quando ouvimos falar de histórias de superação, lembramos sempre de atletas, jogadores de futebol, músicos e afins que  conseguiram superar limitações, de um modo geral, de ordem física, deficiência auditiva ou visual, ou mesmo retardamento mental. Todavia, cada um de nós conhece histórias de superação que têm como protagonistas pessoas comuns.  Precisamos, pois, repassá-las adiante para que pessoas também comuns as quais têm alguma limitação possa também nelas se espelhar e vencerem seus obstáculos. Contaremos a seguir algumas histórias reais, de pessoas comuns que em busca da Felicidade ou apenas para viver em paz tiveram que superar barreiras de ordens diversas e que, por isso, são exemplos de superação.


Corria o ano de 1965. O cidadão acercou-se do balcão às 6:30 da manhã e pediu uma cachaça ao homenzinho debaixo do boné, como diria Drumond. O homem, enquanto despejava o líquido no copo, fez o seguinte comentário:
̶  Seu Luís, ouvi dizer que  nasceu mais um filho seu!
̶  É, foi, diz a mulher. Respondeu o outro com um ar entre sério e reflexivo, com os olhos no chão.
O que servia, então, emendou:
̶  Não tenho nada com sua vida, homem, mas acho que está na hora de você pensar em deixar a bebida. Conheço sua mulher e sei o sacrifício que a coitada faz para botar comida dentro de casa quando você está sem trabalho, lavando e engomando. Passa aqui todo dia com uma trouxa de roupa na cabeça... E você, homem, é um senhor pedreiro, mas num segura serviço, por causa do vício. Se  largasse a cachaça, podia cuidar melhor da família... Já são quantos filhos, doze? 
Seu Luís, cabisbaixo, examinando as alpargatas esbranquiçadas pela cal ou os pés inchados pelo efeito do álcool, meneou negativamente a cabeça e corrigiu o número para dez. Olhou o conteúdo do copo, a boca cheia d'água, engoliu a saliva, depositou o copo sobre o balcão e falou com a voz que era um misto de rancor e resignação:
̶  Pois pode guardar sua merda, que eu nunca mais bebo...  ̶  e saiu, porém ainda ouviu quando o dono do bar disse:
̶  Mas num pode ser assim, cumpade, no seu estado é perigoso abandonar a bebida duma vez...
naquele dia, ao chegar ao canteiro de obras, Seu Luís era a própria imagem da desolação. Como não havia “matado o bicho”, seu corpo formigava e a irritação começava a tomar conta de sua cabeça. Tudo o incomodava: o cheiro do cimento, o sol escaldante, as pilhérias dos colegas. Às dez horas, olhou na direção do bar que ficava perto da obra... quase se rendia! Mas resistiu. Depois do almoço, não conseguia trabalhar. Sua cabeça estava fixa num único pensamento: não ia mais beber, entretanto o apelo do corpo lhe pedia o contrário, e nessa briga entre Deus e o diabo ele era a parte mais frágil. O desespero aumentava. Contou ao mestre o que estava acontecendo e comunicou que ia embora.
̶  Vá, Seu Luís, estamos do seu lado. E que Deus te proteja!
No caminho de casa, os bares se multiplicavam, pessoas riam nas portas virando copos cheios de aguardente, vinho, cerveja. Parecia que o mundo inteiro bebia e que a bebida era aúnica coisa que importava e para a qual todos viviam. Não havia casas, não havia igrejas; só bares, biroscas, botequins. Tentou evitar o bar do Quincas, onde estivera cedo, mas não dava. Ouviu quando uma voz o chamou:
̶  Luís, vem cá!
Passando as mãos pelos beiços, ele se aproximou e ouviu histórias dos colegas de infortúnio, mas não entendia nada, seus ouvidos eram todos olfato, seu olfato era todo visão e tudo convergia para o cérebro, que era só confusão. Despediu-se e foi para casa. Nem falou com a mulher, Dona Nazaré. Nem ouviu os filhos pedirem a bênção. Foi para o terreiro e tomou banho, mas quanto mais se molhava, mais o fogo esquentava-lhe o corpo. A mulher estranhou seu comportamento calado, não atinava que em seu âmago travava-se uma luta surda silenciosa entre o desejo do álcool e a vontade de abandonar para assim poder, como disse o Quincas, dar uma vida melhor à família. 
Naquela noite mal tocou na comida, seus olhos estavam vidrados, parecia um bicho enjaulado. Quando pegou no sono, foi surpreendido por um homem que o perseguia numa moto, cujo barulho ensurdecedor, quase o leva à loucura. Seus gritos acordaram a companheira, que o viu   todo contorcido sobre a cama. Quando ela o abraçou, ele chorava baixinho, e com sua clarividência feminina ela compreendeu o que estava se passando... Durante sete dias e sete noites, Seu Luís teve momentos de quase insanidade e delírios alucinantes.
Passado esse período de desintoxicação, ele foi recobrando a consciência. Tomou um caldo  de galinha, concientemente, tomou banho e saiu de casa pela primeira vez. No dia seguinte foi ao trabalho. O mestre, por experiência própria, compreendeu o que ele passou e como se sentia. Seu lugar na construção estava aguardando por ele. Nunca mais encostou um copo de bebida nos lábios. Evitou os bares, mas não os amigos, que o viram, da noite para o dia, tornar-se outro homem, seguro no emprego e manteve-se próximo à família. Cinco anos depois era mestre de obras de uma grande empresa, Ortecal, comprou terreno, junto com uma irmã, construiu casa própria e nunca mais deixou nada faltar em casa. 
Faleceu em agosto de 2009, aos 85 anos. Seu corpo foi sepultado sob uma salva de palmas dos filhos, filhas, netos, bisnetos, genros, noras e amigos. Posso dizer, sem medo de estar errado:

MEU PAI É UM EXEMPLO DE SUPERAÇÃO!