sexta-feira, 30 de março de 2012

NOITE DE ALMIRANTE

   

OU A ETERNIDADE AMOROSA

         Ontem estive lendo pela centésima vez (estou hiperbólico) a desafortunada vida amorosa de Deolindo Venta Grande, personagem do conto Noite de Almirante de Machado de Assis (este era, é e será sempre O CARA). Nesse conto, Deolindo, trabalhador embarcado de um navio, em terra, se apaixona por Genoveva (também conheci uma na adolescência, e a história não foi muito diferente. rsrs). O amor foi tão avassalador que os dois pensaram em morar juntos. Deolindo abandonaria a embarcação e ancoraria sua vida à de Genoveva, um lócus amoenus, numa aurea mediocritas. Se não fosse a velha Inácia, espécie de tia da moça, eles teriam feito besteira. Deolindo precisava trabalhar, e no dia do embarque, choro, tristeza, juras e muitas juras: ambos juraram amor eterno. Como se Cupido fosse preguiçoso. Dez meses depois, ele retornou para o seio de Genoveva, “colozinho de Genoveva”. Trazia-lhe um mimo, um lindo par de brincos, comprado com as economias e trazia-lhe o corpo casto, embora não fossem poucas as tentações. Anos depois João Guimarães Rosa definiria Jó Joaquim, personagem de Desenredo, assim: “bom como o cheiro da cerveja”. Era assim Deolindo. Bom e querido por todos.
            Quando Venta Grande se aproximava da casa de Genoveva, deve ter estranhado a ausência da moça à janela. Era assim que deveria ser. A musa esperando melancólica seu poeta, como bem mais tarde Wando assinalaria em “A Menina e o Poeta”, imortalizada na voz de Roberto Carlos. Mas nada. Estava tudo fechado. Quando Dona Inácia veio abrir a porta, Deolindo nem a cumprimentou, perguntou ansioso pela amada. O chão afundou, com o peso do marinheiro ao saber ele que a moça havia se amancebado com o mascate. A polidez machadiana jamais permitiria o uso desse termo, mas peço licença para utilizá-lo. Amancebou-se Genoveva com o mascate. Pode?! Deolindo de endereço na cabeça saiu, pisando firme, imaginando a faca vingadora ensanguentada. Ia tão desapercebido em seus devaneios vingativos que nem percebeu Genoveva, à janela. Diante da moça, não sabia o que fazer, ela era espontânea, interrogativa, feliz com vê-lo. Não tinha o peso da vergonha culposa sobre os ombros. Até porque nada tinha feito nada para isso. Era inocente, quase anjo, sem mácula. Desarmado, Venta Grande balbuciava e respondia às perguntas da moça a respeito das viagens... Até que chegou o solene momento em que o mestre da Literatura e do conto manipula Deolindo à pergunta que não pode calar: e a jura! você não jurou amor eterno! Então não era verdade? Claro que era! Quando jurei era verdade!

            Alguém duvida da honestidade de Genoveva? Claro que não. É assim o amor. São dois mestres da poesia que bem definem a eternidade amorosa. O primeiro é Vinícius de Morais:

                            “Que não seja imortal, posto que é chama
                             Mas que seja infinito, enquanto dure!”

O outro é Pedro Lira:

                       “...Isso já estava morto e martelava
                       Por hábito por vício ou por capricho
                       (...)
                       Quem trai faz um favor, derrete o nó
                       E segue a natureza por que aquilo
                       Não era mais amor, era insistência”  


Eis o quanto dura a eternidade amorosa: um nada. Ou uma vida inteira. O tempo é com certeza o maior inimigo dos juramentos amorosos. Na presença ou não de um padre, ou de Deus. Mas é isso a eternidade, é enquanto ela dura. Um amor pode durar uma noite, uma semana, uma vida. O importante é aproveitá-lo sem se preocupar quando ele vai se esvair.
Deolindo foi fiel, não se envolveu com nenhuma mulher nas suas andanças. Genoveva também. Só que Genoveva devido á sua condição feminina estava parada, sonhando, pensando no amante. Aí veio o mascate. Papo vai papo vem...
O certo é que o marujo não matou nem se matou, pois a vida continua. É certo também que na próxima viagem ele terá mais olhos para as suecas, dinamarquesas, africanas.
(Professor Alves, março de 2012)


quarta-feira, 28 de março de 2012

INCLUSÃO: REALIDADE OU EMBROMAÇÃO?

       Há alguns anos, numa escola particular regular, deparei com uma situação no mínimo constrangedora para mim: um aluno surdo entre mais ou menos trinta ouvintes. Chamemo-lo  de Lucas para ocultar sua identidade. O que me constrangia era principalmente a minha incompetência para lidar com o mesmo.

          Lembro-me de que ele era, pelo menos me parecia, proficiente em leitura labial. Por isso ocupava um dos primeiros lugares na frente e se punha estrategicamente de modo que pudesse fazer a leitura dos professores enquanto eles expunham sua matéria. Eu, como professor de Língua Portuguesa, sentia-me perturbado, pois no íntimo, por intuição, sabia que boa parte das definições que ali punha e expunha eram desnecessárias para o Lucas. O pior de tudo era que meu despreparo fazia com que me esquecesse do menino. Assim de vez em quando ficava falando de costas para a turma, enquanto escrevia, até que alguém dizia: “Professor, o Lucas não está conseguindo ler seus lábios”. Restava-me policiar-me para tentar não cometer o mesmo engano.
          Ouvia amiúde na sala dos professores comentários de colegas, e seus constrangimentos não eram menores que o meu. Entretanto nunca vi em nenhuma reunião pedagógica os gestores dessa área fazerem nenhuma citação sobre o problema. Ou seja, para eles o Lucas era apenas mais um aluno dentre tantos.
             Há mais tempo ainda, em uma outra escola, deparei-me com um problema similar. Uma aluna deficiente visual. Quando iniciava a aula ouvia ininterruptamente o barulhinho do material de braile que ela utilizava. Era necessário a todo instante que ficasse falando o que iria escrever. Mas o que eu mais admirava era a dedicação que os alunos tinham para com ela. Todos os dias os alunos se revesavam na tarefa de ajudá-la, numa clara demonstração de que os jovens estão sim preparados para receber e acolher com satisfação colegas "especiais". Lembremos que o mesmo ocorria no caso Lucas. Mais uma vez não lembro de essa escola ter convidado alguém do Instituto dos cegos para palestrar a respeito de como lidar com a deficiência visual total.

          Hoje trabalho na Escola Pública e vejo dia após dia comentários a respeito de escola inclusiva. Todos os anos fico sobressaltado, esperando alunos com deficiências visuais ou auditivas entrarem em minha sala e eu não saber como lidar com elas. Por isso resolvi por conta própria me matricular em um curso de LIBRAS, para que não ocorra o que aconteceu no caso Lucas. Mesmo assim sei que a Escola Pública fala muito em inclusão, mas não está preparada, nem tampouco se preparando para receber alunos com necessidades especiais.
(Professor Alves, texto produzido como Atividade Reflexiva do curso de Libras on line, Portal da Educação)

terça-feira, 27 de março de 2012

RECORDO AINDA...


(Para Dyonelio Machado)
Recordo ainda… e nada mais me importa…
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta…
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança…
Estrada afora após segui… Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino… acreditai…
Que envelheceu, um dia, de repente!

terça-feira, 20 de março de 2012

SUS OJOS


             
                  “Yo no creo en las brujas
                      pero que las hay, las hay”
                                     (Provérbio espanhol)

¿Donde está aquella niña
Cuyos ojos me han quedado?
¿Dónde está que no la miro?
De pasión me ha embrujado.

Desde algún tiempo,
Desde que la miré
No tengo más quietud!
Nunca más la tendré?

No se dio ni cuenta
Qué cuando la he mirado
Esclavo de sus ojos
Me he de pronto tornado.

Así, tonto, desde entonces,
Quedome, sin fuerza, minado
Como un borracho por las calles,
Rengo he siempre estado.

Pero no sé su nombre
Pero siquiera oí su voz
Solamente sus ojos
Me han sido feroces.

Donde está aquella niña
Quien tiene ojos tan claros,
Que me cautivaron de pronto
Ojos  tacaños, avaros?
                 (Professor Alves, 11/2007)

quarta-feira, 7 de março de 2012

DIA INTERNACIONAL DA LUTA DA MULHER






Dia 08 de março é dia internacional da luta da mulher. Essa luta também é nossa, dos homens. Somos feitos de amor e todo esse amor adveio para nós da essência feminina. "Nós só não somos totalmente maus porque adviemos de um ventre feminino". (alguém já o disse) É por isso que se faz necessário que empreendamos esforços nessa trincheira, pois o que estamos defendendo de fato é a nossa própria essência, o nosso ego, o nosso mundo interior. às mulheres cabe a frente da batalha.

Infelizmente, vivemos num país em que mulheres são assassinadas em escala bélica. Morre mais mulheres no Brasil de assassínio do que em muitas guerras morrem homens. E o pior é que quem as está assassinando somos nós. É o nosso ego violento, ciumento, autoritário. Faz-se mister que não as presenteemos só com flores, chocolates ou coisa que o valha, mas com aquilo de que elas realmente precisam: confiança, amor, respeito.

(PROFESSOR ALVES)

terça-feira, 6 de março de 2012

AMOR E DESPEITA


SONETO I
(do anonimato)

Sabe, Senhorita, o quanto suspiro
Toda vez que teu cheiro por mim passa
Sabe que se a teus pés não me atiro
É a voz do orgulho que o meu peito enlaça.

Sabe que os meus olhos seguem teus passos,
Quando mudas de rumo a face viro,
Sem querer me olhas, sonho ter teus abraços,
Assim que partes, triste me retiro.

No entanto mal surge o dia seguinte
‘Magino sorridente  o teu semblante
E anseio logo estar perto de ti.

Vejo, então, feito um reles pedinte,
Do anonimato, o peito radiante,
Teu olhar que sempre igual nunca vi.

(Professor Alves)

SONETO II
(do enlace fatal)

Porém, Senhorita, em breve estarás
Matrimônio ao pé do altar contraindo
Como um cisne, em véu contente sorrindo,
Triste, sombrio, meu peito deixarás.

Quando pisares o degrau vermelho
E as estrelas brilharem por teu encanto
Em teu louvor derramarei meu pranto
E então sonharei ser teu espelho.

A vida seguirá seu curso normal
Entanto algo em meu ser estará vazio
Um pedaço de mim estará faltando:

É teu olhar agora inda mais formal
É teu sorriso ainda mais fugidio:
A esperança anônima enfim findando.

                    Professor Alves,  setembro de 2003
  

POST CONUBIUM
(da despeita)

Senhora, ontem casualmente a vi,
Fiquei pasmado com sua ímpar figura
Tão que no que vi, Senhora, não cri:
Há muito não via tanta feiura.

Lembra-me a beleza que antes medi:
Porte airoso, corpo esbelto, tez pura,
Sua fina mão que outrora segui,
Seu lindo sorriso, digno de mesura.

Porém, a imagem que hoje vislumbrei,
Dois cambitos, bucho proeminente,
O rosto diferia do que eu beijei.

Tão pouco tempo, meu bem, se passou
(Se não me engano, faltam-lhe dois dentes)
E o casamento com você acabou!
                  
 ( Professor Alves, janeiro de 2005 ) 

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...