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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

NATAL DO...






Não me recordo bem o ano, talvez 92-94, quando percebi pela primeira vez a expressão natal do.... Era o natal do videocassete. Era boom do comércio de imagens, todos queriam combinar a tecnologia da televisão com a tecnologia das caixinhas que invadiam as estantes e quase ocuparam o lugar dos livros. Mas os livros são   insubstituíveis.
Depois veio o natal do “cd players”. Os velhos discos de cera, que tiveram seu apogeu entre 1912 a 1964, estavam vingados. Os vinis, algozes daqueles, eram jogados ao canto e substituídos de vez pelos cds.
Mas o comércio e a indústria queriam mais. Precisavam de novos natais. E logo foram premiados e tiveram suas marcas festejadas no natal do DVD. Genial. Os ruídos, outrora imperceptíveis, agora assustavam. “Nossa! como não ouvíamos esses ruídos, que imagens limpas...” As pessoas ávidas pelos novos natais, já aguardavam o próximo. E eles vieram: O natal do celular, o natal da tv de plasma, o natal do notebook. Este possivelmente é o natal do táblete. Ou muitos natais juntos.
E eu aqui me pergunto: e o natal do Senhor? E o natal de Jesus? Quando virá? Já imagino as pessoas desembrulhando presentes, abraçando os pais, o irmão, o namorado, a namorada, o marido, a marida, agradecendo o “smartfhone”, o tablete, o “I-phone”, a tv de 42 polegadas nas quais assistirão ao Salve Jorge, à Copa da Confederações, mas que já não servirá para assistir à Copa de 2014, pois é para isso que haverá o natal da tv 3D, que será 2013.
Ao canto, esquecido, um lindo presépio, comprado numa loja especializada, pois fazer um não tem graça. Nele, um menininho sorridente, numa manjedoura, espera ingenuamente os abraços, que não virão, os parabéns, que não serão cantados, os agradecimentos pelo sacrifício do pai... Talvez no seu meigo sorriso ele queira dizer: “Vejam, estou aqui. Esqueceram, a festa é minha!”. Mas todos estão muito ocupados com seus novos brinquedos para perceberem a presença dele, para notarem seus apelos. Agora são os quitutes de cá, de lá, as bebidas e as brincadeiras com um time a ou time b, o destino das personagens da novela ou a festa do Reveillon. Quando as luzes se apagarem e todos se recolherem aos seus sonhos, de consumo, lá do presepinho comprado, ele ainda dirá com a vozinha cheia de perdão: “Perdoa-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”.
(Professor Alves, 06/12/2012)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PESADELO DE CONSUMO

Dona Isabelle era um misto de nervosa e constrangida, pois no fundo sentia-se humilhada. Não conseguia ainda acreditar que estivesse ali. As pessoas olhavam-na aparentemente com curiosidade, mas na verdade estavam solidárias com seu sofrimento, uma vez que passavam pelo mesmo problema. Só na cabeça dela era que havia aquele desprezo.
               Após o orador falar um pouco sobre a situação de cada um, sobre os avanços de uns e os retrocessos de outros, Dona Isabelle foi convidada a falar. Ela olhou para todos e começou a contar sua história, a princípio meio trêmula, mas pouco tempo depois já estava à vontade...
               — Eu não sei bem quando isso começou. Talvez ainda na minha infância, ou na juventude. Só sei que aos poucos fui perdendo o controle. Lembro-me bem que quando ainda era adolescente eu ficava muito triste quando minha mãe não podia comprar algo que eu via na vitrine de uma loja. Causava-me isso um desânimo tão grande que minha mãe pensava que eu estava doente, e até eu mesma achava isso. Certa vez uma colega de escola me apresentou um estojozinho de botar canetas, novo, que a mãe lhe havia dado. Ela apresentou o objeto para todo mundo. Eu senti uma inveja tão grande, uma vontade de ter um igual... Quando cheguei em casa, logo depois do almoço fui lavar a louça, antes mesmo de minha mãe mandar. Assim que terminei, fui fazer as atividades da escola. Era assim que eu agia quando queria pedir algo à minha mãe. Logo ela desconfiou e me perguntou o que eu tinha. Sorri meio amarelo e lhe falei sobre o estojo da Laura. Minha mãe olhou bem para mim e me disse, “mas eu comprei um novo não faz um mês!”, ao que aleguei que já estava meio puído e já sem graça. Minha mãe riu de mim. Isso me deixou muito triste e chateada. E no meu íntimo prometi que um dia compraria tudo que eu quisesse.
               Logo que terminei o ensino médio fui procurar emprego. Meu sonho infantil de um dia me formar em Medicina foi para o espaço, pois me guiava o gosto pelas compras. Quando recebi meu primeiro salário, fiz uma farra. Passei num “shopinzinho” que tinha perto de onde eu trabalhava e arrazei. Comprei tudo que eu via, pulseiras, brincos, colares, todo tipo de bijuterias que mais tarde ficaram esquecidas no fundo da gaveta; blusinhas, coletes, xortes, saias, roupas que no mês seguinte seriam trocadas por outras... Cheguei em casa com as mãos cheias de bolsas, sem um centavo, mas com um imenso sorriso que bem retratava como eu me sentia, uma alegria incontrolável. Nem mesmo quando minha mãe me lembrou que eu ficara de pagar a  conta de luz, minimizou minha felicidade.
               E assim se deu. Durante os trinta dias eu passava nas lojas e namorava os itens que compraria no final do mês. Quando recebia meu salário adentrava esses ambientes e só saía quando não tinha mais um centavo. Nem me importavam as reclamações de minha mãe pelo fato de ter de me dar dinheiro para eu pagar o ônibus e almoçar. Entretanto não houve na minha vida alegria maior do que quando recebi meu cartão de crédito. Esperei por ele durante quase um mês, eu o gestei como uma mãe gesta um filho. Quando o segurei nas mãos não pude controlar um grito de felicidade, acho que duas lágrimas rolaram de êxtase. Nos três dias seguintes comprei. Só parei quando a moça da loja me pronunciou as palavras mais cruéis que eu podia ouvir: “não autorizada...”. Não entendia. Fiquei muito abalada e naquela noite chorei, e nos meus sonhos nadava num mar de sacolas, cheias de objetos que eu nunca ia usar.  
               Minha juventude escafedeu-se sem que eu percebesse. Não tinha amigas, amigos, namorados. Mesmo assim casei-me com um homem maravilhoso, honesto, trabalhador, fiel. Entretanto minha mania de comprar tudo que eu via aos pouco foi nos afastando, e eu não compreendia suas reclamações, até que nos separamos. Comigo ficou a casa, uma  pequena pensão e uma filha, Dienny. Agora eu tinha dois motivos por que comprar, ela e eu.  O dinheiro que adentrava nossa residência ia-se embora em artigos para minha filha. Às vezes comprava mesmo sabendo que ela não iria usar. A pensão dava para as despesas básicas e para alimentar a barriga, mas não alimentava meus sonhos de consumo, que eram insaciáveis. Tive de voltar a trabalhar para voltar a gastar. Uma vez uma amiga de trabalho que estava me visitando estranhou a quantidade de aparelhos celulares que eu tinha, expliquei rapidamente que não serviam, mas pela primeira vez refleti sobre o assunto. Eu tinha exatamente doze aparelhos que eu não utilizava. Todos em perfeito estado. O que me fazia adquiri-los era a ilusão de que um fosse diferente do outro, e todos eram exatamente iguais. Quando comprava um novo, passava umas duas horas agarrada a ele até que descobria que não havia novidades, que suas funções eram iguais, nem os jogos de um diferia do outro. Isso me causava uma angústia tão grande, um vazio tomava conta do meu ser, mas logo me alimentava a ideia de que as indústrias estavam lançando novos modelos. Minha vontade era comprar todos os modelos caros que apareciam, mas meu salário não dava e eu me contentava com os modelos mais baratos. Quando caía em minhas mãos um desses encartes com “promoções”, a avidez me tomava conta, pois eu era vítima fácil dessas ofertas. Certa vez minha amiga sem querer deixou cair um cartão da bolsa, apanhei-o e lhe entreguei. Era um cartão do plano de saúde, ela me explicou que iria levar a filha ao médico e me perguntou que plano eu pagava. Nada lhe disse. Dei o silêncio por resposta. Mas no íntimo eu ri. Como eu iria pagar algo que eu não podia ostentar, algo que deveria deixar escondido na bolsa, algo que eu não iria utilizar!
               Uma tarde, eu passeava pelo “shopping”, quando entrei numa loja de eletrodoméstico a fim de ver os aparelhos de tevê. O moço, muito gentil, me mostrou os últimos modelos e suas vantagens. Lembrei-me de que havia um aparelho na sala, um no meu quarto e outro no quarto da Dienny. Quase não ouvia as palavras do vendedor. Dentro de mim eu lutava buscando uma justificativa para comprar aquele aparelho de televisão. Até que convenci a mim mesma de que o aparelho da sala já estava fora de moda, que minha sala precisava de algo mais moderno. E assim cheguei em casa feliz. Mas a cada dia que passava a felicidade durava menos, a saciedade que eu sentia logo se ia, e logo eu precisava inventar algo para comprar. Como um bêbado eu andava por entre as vitrines em busca de algo que me desse prazer. Meu cartão de crédito estava sempre com o limite estourado, e eu dava sempre um jeitinho de acrescentar uma dívida a mais, afinal tudo era tão barato! Um celular, dez de trinta e cinco; um dvd, dez de onze e noventa; a tevê, doze de sessenta...
               Mas o golpe maior veio. Era mais ou menos meia noite. Dienny acordou aos gritos com a mão na barriga. Dizia que sentia uma dor muito grande. Fiz-lhe um chá, mas não adiantou, a dor aumentava a cada minuto. Corri para o celular para chamar alguém para me ajudar, não havia créditos. Naquele mês não sobraram os doze reais da promoção OI. Corri a casa da vizinha, cujo marido era taxista e pedi que me levasse ao hospital mais próximo que depois lhe pagaria, ele foi, mesmo desconfiado de que não receberia o preço da corrida. Parei no hospital da UNIMED. Minha filha já estava quase desmaiada e eu tinha de acordá-la de quando em vez. A moça da recepção foi logo pedindo o cartão. Quando disse que não tinha, ela balançou a cabeça negativamente. Lembrei-me do cartão de crédito. Minha filha gemia ao meu lado, branca como se não tivesse uma gota de sangue. A moça, impassível, enquanto passava o cartão, conversava com a colega do lado e ria como se nada estivesse acontecendo. Depois meneou a cabeça e me disse  “sinto muitos, mas o cartão não tinha saldo”. Tentei ainda argumentar, mas seu Gledson, me puxou e disse que iríamos ao hospital público. Dienny já não gemia, apenas arfava com certa dificuldade. Na Emergência do Gonzaguinha, a fila era grande. Tive de pegar uma senha. Estava desesperada, minha filha agonizando e as enfermeiras passavam e fingiam que nada estava acontecendo. Quando vociferei, clamando por atendimento, uma delas apenas me apontou a multidão que lá estava, também para ser atendida. Quando faltavam dois números para chegar nossa vez de ser atendidas, Dienny abriu os olhos e chamou por mim, mas sua voz já era muito fraca, e ela morreu com a cabaça nas minhas pernas, sem ser atendida.
               A dor que eu senti ninguém pode imaginar. Era uma dor de quem perdeu o bem mais precioso que Deus pode lhe dar, um filho, e a dor de quem se sente culpado por essa perda. Enquanto chorava desesperada, cercada por pessoas estranhas, toda a minha vida passava como em “flash-back”, até que desmaiei. Acordei dias depois. Minha mãe disse que eu precisava ser sedada toda vez que despertava.
               Hoje faz dois meses que aconteceu essa tragédia. Deus me deu uma nova chance de viver. De acreditar que existem muitas coisas que podem tornar uma pessoa feliz. Descobri que todas aquelas coisas que superlotam minha casa, meu guarda-roupa, minhas gavetas não valem a pena. Quando passo perto de uma loja, tenho que me controlar para não entrar. Deus me ajudou, por isso hoje eu não comprei.
                    (Professor Alves, 25/11/2010)        

sábado, 11 de setembro de 2010

CONTO DE NATAL



Sabe lá
o que é não ter
e ter que ter
pra dar”
(Djavan)

I
Mais uma vez dou tino à minha lira
pra tecer feitos de gente comum
pois como aqueles havidos na Grécia
não conheço neste mundo nenhum.
Infelizmente esse que vou contar
são verdadeiros e tristes de narrar.

II
Era dezembro de 1987,
corria o período natalino,
época em que os seres ficam melhores,
mais honestos, e o mundo mais hialino,
mas que infelizmente foi transformada
em troca: compra e venda celerada.

Eram nove horas e trinta da manhã
eu ia no ônibus pra trabalhar
quando escutei pelo rádio a notícia
de que o Banfort estavam a assaltar.
A notícia não era muito completa
informava de forma pouco reta.

Logo nas outras seguintes chamadas
diziam serem os assaltantes paulistas
já que em determinado momento
pediram lanche, refeição elitista,
que eram de alta periculosidade
mas não comprovavam aquela verdade.

Por onde se passava o assunto ouvido
nas esquinas, praças e elevadores
era aquele sinistro que infligia
aos reféns e bancários muitas dores.
Enquanto isso salvo no último andar
Sanches cigarrava calmo a cismar.

Na praça do Ferreira, alvorotados,
os curiosos punham-se a apostar
sobre o desfecho daquela atitude:
se a polícia o recinto ia adentrar
se os assaltantes iriam vencer
se algum refém iria perecer.

Como já foi informado logo acima
era bastante grande a confusão,
até o padre da igreja do Rosário
uma missa às pressas pois-se a rezar.
Temia pela vida dos bancários
que como refém estavam ali presos
pedindo a Deus que eles saíssem ilesos.

No escritório no qual eu labutava
não se comentava ali de outro assunto:
meio dia disse o noticiário
que os bandidos exigiram presunto
pra comer e uma coca pra beber,
pediram cigarro e um livro pra ler.

Assaz ousadia desses bandidos
queriam fazer o povo de besta,
beber também comer a sua custa!
E do assalto já estava na hora sexta.
Devia ser a quadrilha de Itu
pois no banco todo mundo era nu!
Mas tudo cheirava à especulação
algo estaria muito mal contado:
como assaltar às barbas da polícia
num local facilmente mapeado,
reclama-se comida a todo instante,
só sendo faminto ou muito ignorante.

A polícia, que cercara o local
desde cedo, só esperava o momento
de invadir incontinenti o ambiente
e acabar logo com aquele tormento.
Era o COE, que, então, amedrontava
e bandido ou cidadão exterminava.

Contavam cinco horas quando se deu
o desfecho já esperado por todos:
a famigerada equipe invadiu
o prédio e como brutos visigodos
dizimou a o bando ardiloso, pois,
uma quadrilha formada por elementos dois.

A cidade estava, portanto, livre
daqueles facínoras destemidos
que a ela um dia de cão lhe infligiu,
encarnaram Lampião, esses bandidos,
assaltantes, vilões e criminosos
homens sem lei e passados duvidosos.

III
Nas horas seguintes, a verdadeira
história entretanto subiu à tona
quando os bandidos enfim foram abertos
a versão oficial foi à lona
podem imaginar que é mentira minha
mas nos corpos só encontraram farinha.

Portanto em minha cabeça eu fiquei
tentando compor aquela história
só justificada por uma triste
sina, produto de uma vida inglória
efeito do consumismo feroz
fruto desse capitalismo atroz.

Corria dezembro de oitenta e sete,
como bem acima já fora escrito.
Ano do plano Cruzado e daqueles
os quais combatiam o maior delito
o aumento desordenado de preços,
roubando de muitos os endereços.

O controle de preços e da inflação
gerou um falso nacionalismo
uma falsa noção de estabilidade
e estimulou em muito o consumismo
levando à grande corrida ao comércio
tornando o povo totalmente néscio.

Nessas épocas todo apelo é pouco
as lojas inventam tudo pra vender:
brinquedo, roupa a eletrodoméstico.
A gente fica louca pra poder
pior, tudo não passa de ilusão
ninguém paga a conta em televisão.

Naquele mês daquele ano fatídico,
os dois facínoras, desempregados,
viam os apelos da mídia e dos filhos:
quero um brinquedo bonito, animado
não esqueça, papai, a minha Calói.
Quero sanduíche, a barriga dói.

Foram tantas propagandas e pedidos
que eles, coitadamente, fraquejaram
e durante um bom tempo armaram o plano
e naquele dia o banco assaltaram,
e o resultado já sabemos nós:
fuzilaram-nos qual bicho feroz.

IV
Entanto o que eu realmente queria
que esse povo tivesse Educação
pois não existe nada mais insano
que viver sem ter os dois pés no chão,
adotando tudo que a mídia diz
como recurso pra se ser feliz.

Julho de 2003
FIM