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quinta-feira, 22 de abril de 2021

ENTREVISTA COM ALCIDES PINTO

 



(Por João soares Neto)

Agência Carta Maior – O que faziam os seus pais em São Francisco do Estreito, às margens do rio Acaraú, além de fazer filhos?

Alcides Pinto – Fazer filhos e fazer filhos sempre. Além dos 17, consignados em cartório, fora dos que morreram anjos, mais de um coro. Fazia de tudo para sustentar a ninhada. Trabalhava no eito batido, sol a sol, em terras alheias. Era destemido, dinâmico, honesto e de muita fé em Deus, manso e arrogante a um só tempo. Tenho muito dele. Levantava-se com a estrela da manhã e dormia no horário das galinhas. O tempo é pouco para tudo - dizia. Surpreendi-o, muitas vezes, chorando, premido pela necessidade extrema. Um dia, teve que abandonar cinco filhos menores na Estrada Real que dava para Sobral, para não vê-los morrer de fome. Aqui só há a verdade, porque haveria de mentir? Minha mãe tentava abafar seus soluços nas contas do rosário. Não sei dizer como e nem quando meus irmãos voltaram ao lar.


CM – Que atavismo impregnou-te para escrever a tua famosa trilogia?

AP - A experiência e, sobretudo, os sofrimentos pelos quais passei na infância. Atavismo! O sangue puxado da cabeceira da raça na reprodução da espécie. Por outro lado, vivi meus primeiros anos na aldeia numa promiscuidade sem limites. Tudo isso, está escrito em meu primeiro romance, O Dragão. Os costumes e as mazelas de seus habitantes fixaram-se em minha mente e juntaram-se à minha vocação para as letras e para as artes. Meu pai (esqueci-me de dizer) era um poeta nato, puxado aos varões mais primevos da família.


CM – Que ventos tangeram-te de Santana do Acaraú e pra onde?

AP - Meu pai foi morar em Massapê, trabalhar num curtume e carregou os filhos com os cacarecos. Fui estudar com D.Maria do Carmo, rebento da tradicional família dos Pontes. Professora “de casa” sem colégio. De Massapê ingressei no Líceu do Ceará e fui trabalhar com meu tio Hermano Frota, no seu escritório de corretagem da Rua José Avelino, e passei a morar na Casa do Estudante, na companhia do poeta boêmio Sidney Neto.


CM – O que era o Ceará quando você se mudou para o Rio e por que foi?

AP - Na época, Fortaleza era bem melhor. Havia sossego. Os estudantes eram mais idealistas e os professores mestres e educadores. Uma geração heróica, como a de Odilon Braveza (Colégio São João). No Liceu do Ceará, tínhamos Martins de Aguiar, Otávio Farias, Domingos Barroso, Edmilson Souza Lima e alguns outros. Não esquecer os educadores, propriamente dito: Lourenço Filho, Filgueiras Lima e poucos mais. Saindo da bonança para os “tornados”, falemos agora da mocidade e das mulheres, sobretudo das “mulheres livres” da famosa “Pensão da Graça” (veja-se o romance Doutora Isa, de Juarez Barroso). Voltamos ao tempo dos americanos em Fortaleza, mascando chicletes e comprando as garotas da sociedade. Detalhe importante: lembrar o consultório do Almeida na Rua São Paulo. Como a sala de espera era pequena, fazia-se fila na calçada, tinha até freira à espera. Almeida era farmacêutico de diploma e de anel. A maioria de seus clientes sofria de blenorragia (esquentamento, gonorréia) – eu mesmo era um deles. E sem falar aqui no clássico “Curral das Éguas” e da zona de mulheres da Franco Rabelo. Hoje, Fortaleza está enfestada de putas. A praia de Iracema virou passarela, nos becos, nas esquinas das ruas, e por onde se passa. Vamos ao fim da pergunta. Mudei-me para o Rio porque tinha uma vontade louca de trabalhar e estudar sempre pensando em ajudar meus pais.


CM – O que lia na sua juventude? De que forma?

AP - Tudo que me caía às mãos: Sem disciplina, regras, predileção. Mas o que mais me incitava era o romance, o canto, a poesia, e a biografia dos grandes homens etc.


CM – O Rio, antes do Aterro do Flamengo e do alargamento da Av. Atlântida, era um novo mundo ou o eldorado para quem tinha sede de saber?

AP - Eu peguei o Rio em pleno esplendor em 1945, época da guerra. A cidade era dos boêmios, infestada de cabarés. Andava-se em paz durante o dia e a noite. Não havia metrô, mas os bondes comunitários, sempre domésticos e solidários. E para quem tinha sede de saber, como eu, o Rio era ideal. Fui um dos freqüentadores mais assíduos da Biblioteca Nacional, que só fechava às 11 da noite.


CM – Como se meteu com biblioteconomia na Biblioteca Nacional? Repetia a saga inicial de Capistrano de Abreu?

AP - Acabara de ser fundada a Universidade Federal do Ceará (UFC). Eu, Artur Eduardo Benevides e alguns outros fomos os primeiros funcionários, foi quando ganhei uma bolsa de estudos do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação, no Rio, mas, para freqüentar o curso, tinha que possuir o diploma de Biblioteconomia, o que fiz depois, passando o carro à frente dos bois.


CM – Daí, mandou-se para o Ministério da Educação e passou a redigir. Algum dia extasiou-se com a beleza do prédio desenhado por LeCorbusier?

AP - O mural de LeCorbusier fica no rol na entrada do Ministério da Educação, de sorte que tinha que vê-lo todo dia quer queira ou não. Uma obra fina de arte que fascina o espectador. Eu me detinha a contemplá-lo antes de tomar o elevador para o Serviço de Documentação no nono andar.


CM – No início dos anos 50 resolveu fazer coletâneas. Qual a razão?

AP - Trabalhava como redator no Serviço de Documentação e tinha por finalidade fazer o acompanhamento e revisão dos cadernos de cultura e outras coleções, além de redigir com o escritor Xavier Placer, o Catálogo das Publicações do MEC.


CM – Dito por você: “Eu acho que a vida é diabólica. Sou uma pessoa em sintonia com o mundo desconhecido...”. Você ainda pensa, vive e age assim?

AP - Não há porque mudar. A vida, para mim, não oferece outra opção, e o sobrenatural faz parte de minha natureza e minha arte.


CM – Depois das coletâneas, surge o poeta com talento e uma nova linguagem. Isso se deve a quê?

AP - A leitura dos grandes poetas e escritores nacionais e estrangeiros incentivou-me cada vez mais a ingressar definitivamente na literatura.


CM – Como foi o seu reencontro com o Ceará literário dos anos 60?

AP - Não foi difícil a convivência com os intelectuais da época. Nunca perdi o contato com os escritores dos anos 60, uma vez que minha vida literária teve início no Ceará.


CM – Você considera-se um beato, demônio, religioso, maldito ou perdido nesta dimensão?

AP - Não me perco por caminhos nem por rodeios. Sei o que quero e onde quero chegar em qualquer sentido: na religião, com Cristo Nosso Salvador. E o diabo em minha literatura é apenas uma figura de retórica, emblemática. Valorizo-o e ridicularizo-o no decorrer de minhas histórias. É o bobo da corte. Papai Noel de chifre e rabo. Tanto faz aplaudi-lo como vaiá-lo. Nos meus escritos, ele ocupa sempre uma posição ridícula, burlesca, veja-se em meu teatro Equinócio. No Beato pego carona. Sou por natureza um homem místico.


CM – São Francisco é o lugar onde perdeu o umbigo, um santo, uma referência ou ume espírito que baixa em você?

AP - É mais que isso. Foi o lugar onde primeiramente perdi a virgindade, perseguindo os animais, atendendo aos meus instintos atávicos. Ainda hoje temo ser punido por isso. Tinha 10 anos, mas, no lugar, não havia rapariga. E espírito não baixa em terreiro, se em verdade baixa. Sou devoto de São Francisco. Vez por outra visto seu manto. Para mim é um objeto sagrado como uma imagem.


CM – Qual a parte, época ou livro da sua obra que jogaria nas profundezas do rio Acaraú? Ou nunca faria isso?

AP - Nenhuma parte, época ou livro de minha obra jogaria no Acaraú. O rio é a ama de leite que não tive. Às vezes, sonho com suas enchentes, às vezes, com seu leito cheio de vazantes ou simplesmente coberto de areia. Foi no Acaraú que aprendi a nadar e a pescar. Já joguei fora muitos poemas e alguns livros. Mas não faria isso com o rio de minha infância.

CM – Por que o poeta virou ficcionista, ensaísta e teatrólogo?

AP - Sou inquieto e trabalhador como meu pai. O sol não me pega na cama. Ser só poeta para mim era pouco, portanto abracei com mesmo ímpeto o romance, o conto, o teatro etc. E cheguei a enveredar pelo mundo das artes plásticas ao tempo de meu namoro com o concretismo.


CM – Concorda com Alceu de Amoroso Lima que dizia que “a qualidade nasce da quantidade”?

AP - Moreira Campos tinha a mania de dizer: “Eu o invejo, porque em todos os gêneros literários você se sobressai bem”. Mas eu rebatia: Deixe de besteira, Moreira. Tem gênio de um só livro, como o Augusto dos Anjos, ou de pouquíssima obras a exemplo de Flaubert, Moacir de Almeida, descoberto por Procópio Ferreira, autor de Gritos Bárbaros, tinha apenas 20 anos, gênio e continua ignorado no Brasil.


CM – Será que você não está se contradizendo ao dizer no livro Política da Arte (Ensaios de Crítica Literária), que: “o poeta é aquele que sabe apreender a beleza das coisas invisíveis e materializá-las em palavras, dentro das leis criativas e fora dos esquemas da lógica”?

AP - Nada tem lógica em matéria de arte, seja inventiva ou tradicional. Alguém encontra lógica, por exemplo, nos quadros e nos murais de Picasso, Portinari, ou mesmo em Barrica? Tristão de Athaide era um pensador e um grande crítico. Da quantidade, nasce a síntese, portanto a qualidade. O Alceu estava certo.


CM – O que é uma Academia de Letras?

AP - Um elenco de homens e mulheres que se reúnem, falam e discutem sobre literatura sem muita convicção. É mais uma sociedade de curiosos e especuladores que pensam que a imortalidade tem a ver com idéias individualistas. São, não obstante, pessoas de bem, a quem devemos aplaudir, pois se não fazem bem, também não fazem mal.


CM – Viver do que escreve, abdicando a burocracia e as regras do cotidiano, trouxe mais ventura ou pesadelo?

AP - Foi para mim, não obstante os percalços, a melhor coisa que me aconteceu. Em verdade, tirou-me todas as comodidades, fiquei mais pobre do que era, mas, ao mesmo tempo (e isso não se constitui contradição), mais rico. Possuo um tesouro que nem o fogo nem a inveja destrói. Sonhei a vida inteira ser um escritor, e consegui. E reconheço minhas limitações, que não são poucas, mas até o velho Machado dizia que as possuía.


CM – Floriano Martins, crítico literário, define a sua escrita como “a presença de uma linguagem fragmentada, entrecortada por imagens bruscas, e a busca atormentada de mais realidade”. É por aí mesmo?

AP- Floriano está certo. Não imito ninguém. Minha arte é o modelo de minha vida: fragmentada. Estou sempre criando, fazendo, destruindo e vice-versa, como disse Cassiano Ricardo no prefácio dos Cantos de Lúcifer: “Alcides Pinto muda sempre, no espaço e no tempo, pra nunca estar de acordo consigo mesmo”.


CM – Dos que nasceram na sua década de 20 e fizeram-se, entre coisas, poetas, quem você considera do seu nível? Francisco Carvalho, José Paulo Paes, Lêdo Ivo, João Cabral de Melo Neto? Ou serão outros?

AP - Não desejo morrer enforcado. Todos os nomes citados são grandes. É o que posso dizer.


CM – Se tivesse que associar a sua figura e arte a um vulto consagrado da literatura, quem seria?

AP - Ao Poeta Augusto dos Anjos no Brasil ou Rimbaud na França.

CM –Há crítica literária no Ceará? Como é a crítica literária brasileira?

AP–Não. O Brasil, no momento, ressente-se de bons críticos. Pinta um Wilson Martins, um Ivan Junqueira, Au revoir! Álvaro Lins, Haroldo de Campos, Fausto Cunha e poucos outros já “viajaram”. Temos bons comentaristas, mas a pergunta é sobre críticos…


CM – João Pinto de Maria: biografia de um louco tem tudo ou pouco a ver com você?

AP - Tem tudo a ver comigo. Era meu avô. É, sem favor algum, o ponto mais alto da Trilogia da Maldição, por ser João Pinto o único personagem que sustenta a narrativa do começo ao fim.

CM – Quem conta nas letras do Ceará nesta virada do milênio?

AP- Salte a pergunta por obséquio. Deu um branco.


CM – Do que se arrepende de não ter feito?

AP - Devia ter sido mais compreensível e gentil com as mulheres. Eu era muito egoísta e por isso mesmo sofri muito, e ainda sofro, pois algumas das mulheres que amei, estão mortas e outras vivas, mas amo mais aquelas do que estas. Que fazer?

CM – E o que dizer da política brasileira e das CPIs?

AP - A única esperança do povo brasileiro era o Lula na Presidência, mantendo a integridade do PT. Isso foi um sonho? Um pesadelo? Ou foi mais que isso? O certo é que o país está mergulhado num mar de lama e está difícil sair dele inteiro.


CM – Quem falará por você na hora do adeus? O beato, o fauno, o Dionísio ou o satânico?

AP - O Beato.


CM – Quantos livros já escreveu como Ghost Writer?

AP - Muitos. Para falar a verdade uns 10. A maioria no Rio. Alguns tornaram-se famosos. Que ironia! Mas que fazer? Vivo trocando os miolos da cabeça por miolos de pão.


CM – Você concorda com Oscar Wilde quando ele dizia que “vivemos numa época em que coisas desnecessárias são as nossas únicas necessidades?”


AP - O que diz Oscar Wilde reflete fielmente sua natureza e a natureza humana. Ele foi um equívoco na sociedade patriarcal de seu tempo. Tratou-a impiedosamente em seus escritos, tendo como castigo a prisão onde escreveu um dos mais belos poemas da literatura inglesa: A Balada do Cárcere de Reading” (The Ballad of the Reading Gaol).


Fonte: Entrevista com o poeta José Alcides Pinto - Carta Maior


segunda-feira, 22 de junho de 2020

FRANCISCA CLOTILDE


Mais uma poetisa cearense de grande vulto, escondida  pelo cânone masculino

PERFIL | Francisca Clotilde, Uma História de Amor e Lutas - 1 de 3 ...




AO CORAÇÃO

Porque suspiras, coração dolorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido.
Serás de afetos vãos da criatura,
Brilha em teu céu uma esperança pura,
É Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
Trazer-te a luz, que dimanou do bem,
E que fulgiu nos braços de uma cruz;

Despreza os bens efêmeros da terra,
Busca o tesouro que somente encerra
O amor perfeito que sonhou Jesus.


(Almanach dos Municípios do Ceará, 1908, pág. 121)

PRECE


Oh!  Bendita Virgem, Mãe piedosa,
Nívea dos céus, Maria Imaculada
Dentre as flores do céu mística rosa
Entre as mulheres, Santa proclamada!

Tua pureza Angélica e ilibada
Não teve manchas... Linda, fulgurosa
É corno de uma estrela, a luz radiosa
Que esgarça a treva aos beijos d’alvorada.

Conforta o nosso pranto, escuta a prece
Do triste, do exilado que padece,
Nesta vida cruel, desoladora;

Oh! Tu, Onipotente junto a Deus,
Desprende sobre nós do azul dos céus
Tua benção de Mãe consoladora.

(Revista A Estrella, Aracati, abril de 1915 p. 2)

PARA O IGNOTO

(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)

Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.

(Revista A Estrella, ago/set de 1915)

segunda-feira, 15 de junho de 2020

POESIAS DE ANTÔNIA SAMPAIO FONTES

“Antônia Sampaio Fontes nasceu em Baturité, aos 24 de fevereiro de 1884, filha de Antônio Jardim e Maria Sampaio Jardim. Mudando-se para esta Capital [Fortaleza], casou-se com Israel Pinheiro Fontes – figura ainda lembrada e venerada pelos familiares, que cedo fechou os olhos ao mundo no recuado ano de 1934.

Cumprindo o destino de todo nordestino e mais do cearense nômade, emigrou, na companhia do marido para o alto Acre, onde seu tio Justino fizera alguma fortuna com a exploração dos seringais, na época áurea da borracha. ainda a bordo do paquete “Pará”, que os levou àquela longínqua região do país, compôs sonetos 
e poemas com temática do mar e da floresta. 
Corria o ano de 1911. Regressando, aqui se 
fixou definitivamente até sua morte, ocorrida 
aos 02 de março de 1963.” Eduardo Fontes

No meu livro SAMAMBAIA
Eu canto Deus e o amor,
Canto o mar beijando a praia,
Canto a ave, canto a flor!

SAMAMBAIA, SAMAMBAIA,
No Acre eu te conheci,
És linda como a jandaia
E o canto do bem-te-vi!

Com teu vestido de festa,
Com o teu xale rendilhado,
Tu enfeitas a floresta
Deste Acre abençoado!

Esperei anos e anos
Por esta oportunidade,
Sem olhar o desenganos
Vence o poder da vontade!

Não sei se venci ou não,
Mas um livro aqui está
Para o grande coração
Dos filhos do Ceará.

Do Ceará brasileiro,
Do meu Brasil cearense,
Do povo forte e ordeiro,
Que luta, trabalha e vence! p.17

Fortaleza, 11 de fevereiro de 1963

Minha Infância

Paródia: Meus Oito Anos
de Casimiro de Abreu

Oh! Que saudade que tenho
Do despontar da existência,
Dos meus dias de inocência,
Do meu viver de criança.

Daquelas horas amenas,
Daquelas tardes fagueiras,
Daquelas noites ligeiras,
Saudades da minha infância.

Naquele tempo risonho
Não sabia o que era amor,
Vivia alegre e contente,
Brincava ao clarão da lua,
Achava o céu tão formoso,
Mas deste tempo saudoso
Resta-me a vida somente!

Fruía ternos carinhos
Dos meus pais, a quem amava,
Dentro d’alma idolatrava,
Tempo feliz que passou!
Levando sem piedade,
Nas suas asas austeras
Minhas oito primaveras
Que o vento as desfolhou!

De tudo tenho saudade,
Dos meus mimos infantis,
Do meu passado feliz
Feito de amor e esperança!
Quando pequena e travessa,
Dizia: – Oh! Deus que ventura,
Eu quero sempre a doçura
Do meu viver de criança!

Quero viver sempre alegre,
Quero brincar descuidada!
Minha mãe, a boa fada,
Sorrindo dizia, então:
– Brinca filha estremecida,
Que hoje terás carinhos,
Amanhã talvez espinhos
Tendo amor no coração!

Com a adolescência
Foi-se a inocência,
Foram-se os mimos e as flores,
Chegaram cedo os amores,
A bela quadra da vida!...

Sou feliz bem sei, não nego,
Tenho um esposo adorado,
Porém choro o meu passado,
A minha infância querida!... p.21-22

Acre, 1908


Saudade

Saudade, triste saudade,
Que me atormenta o viver,
Deixa-me só com o sofrer
Que me dói no coração!

Não vês que eu amo e padeço
Estas saudades cruéis,
Embora veja a meus pés
Alguém de minha afeição!?

Por tanto deixa-me, deixa-me
Já não quero mais a vida,
Vivendo assim nesta lida
Não é vida, é vegetar.

Do que me serve a saudade
Se vivo sempre sofrendo,
Quer ausente, quer o vendo
Tudo é sofrer e penar!?

Eu amo a toda saudade,
Quer rosa, branca, amarela,
Porém amo mais aquela
Que não lhe conheço a cor!

Parece ser mais ardente,
Mais forte, mais tormentosa,
Esta saudade ditosa
Da ausência do nosso amor! p.23

Acre, 1903


Desengano

Amar e ser amado é belo! É tudo, eu sei!
Amar sem ser amado é triste e é o que receio,
Embora eu fale assim, sem conhecer o amor...
Porém suponho e penso que assim seja, e digo:

– Não deve amar-se alguém sem ser correspondido,
Mas não amar sozinho, assim, é grande horror!
Amor! que me serve dizer, e a vós mentir que o tenho
Sem conhecer sequer um só traço, um só desenho...

Sem conhecer sequer o que significa Amor?
Não digo. É crime, sim, mentira, é feio.
Sou franca e pura a confessar não creio
Que venha amar-vos nunca, ó não senhor!

Criança sou, estou na flor da idade,
De vós aceito apenas a amizade
Simples, leal, qual seja a de um irmão!

Mas vosso amor, ó nunca e peço francamente,
Perdão se ofendo, esqueça-me da mente,
Que a vós não dou jamais meu coração! p.24

Acre, 1900

Obs.: Escrito quando a autora contava 16 anos e 10 meses de idade.


Amor

Amor tem mistérios, mistérios profundos,
Mistérios tão fundos que a vida contém,
Do amor para a posse se sofre, é verdade,
Amarga saudade, saudade de alguém!

Minha alma tristonha medita ansiosa
Sozinha, saudosa pergunta-me assim:
– Que força tamanha, que imã tão forte
É este que a morte, somente dá fim?

Eu amo e padeço, inda mesmo que ao lado
De mim bem sentado te veja. É forçoso!
Eu amo este amor e a teus pés deposito
Nas asas de um sonho meu ser, meu esposo! p.25


Ao Meu Adorado Noivo Israel

Quando eu te vejo a vir, dentre os caminhos,
Com passo lento em busca ao nosso lar,
Julgo avistar a flor entre os espinhos,
E em ti, meu anjo, a flor se transformar!

Quando eu te vejo a sós assim pensando,
A mão do homem à face reclinada,
Julgo talvez me estejas repassando
A mente louca só de amor formada!

Quando te vejo, solitário e triste,
Quieto, mudo, sem falar, sem nada,
Julgo afinal que nosso amor traíste,
Já não me amas, já não sou lembrada...

Perdão! Não julgues que ofender-te quero
Falando assim do nosso amor, ó não!
Perdão! Bem sei que serás sincero
Bem como a ti darei meu coração! p.26

Acre


Solidão do Acre

Ao meu esposo Israel Pinheiro Fontes

Na solidão das florestas,
Existe o prazer também,
Que pouco gosta de festas
Vivendo ali, vive bem!

Quem me dera voltar àquelas
Florestas cheias de vida,
A ver as alvas estrelas
Por entre as ramas floridas!

Mas penso que nunca mais
A elas hei de voltar,
Por isto mando meus ais
Nas brumas do meu luar!

E digo adeus a estas matas
Prazer, dos tristes dali!
Adeus! Caboclos, mulatos,
Trinados de bem-te-vi!

Adeus, passeios nas águas
Do rio Acre adorado,
Onde sem dores, sem mágoas,
Passei muito a teu lado.

Igarapés, seringueiras,
Tucanos, antas, cutias,
Adeus, barracas ordeiras,
Onde gozei muitos dias! p.27

Fortaleza/CE, 1912