Pensando hoje sobre dignidade, lembrei-me da história de um amigo. Chamo de amigos àqueles com os quais convivo e mantenho uma relação a mais que dar e receber bom-dia. Àqueles com quem interajo, e falo, e ouço sobre sonhos, sobre passado, presente e futuro; com quem não me refuto em comentar, quando há comentários a se fazerem, sem me intrometer, pois meu pai me ensinou que "cada qual com seu cada-qual". Mas são meus amigos, por isso me alegro e me entristeço, quando a situação é pra alegria ou pra tristeza.
Com esse, tinha longas e longas conversas. Lembro-me de que me falava de cavalos, de fazendas, de liberdade. Eu lhes contava minhas agruras, minhas risadas, os ossos do ofício com os quais convivo. Sorríamos entre um copo e outro, enquanto os carros passavam velozes em frente ao bar que não era seu, mas com o qual ganhava a vida.
Sumi, sumiu, sumimos. Cada um seu rumo, cada rumo distante. Sempre lembrava: "por onde anda meu amigo, quando o verei novamente, será que já tem cavalos, fazenda?"
Dia desses tomei um susto. Num jornal diário, lá estava sua foto. Mãos algemadas, cabeça baixa, sorriso desaparecido. O roubo de um banco. Cavando buraco. Imagino seu sorriso, amarelo, "estava só cavando buraco, não sabia pra que era". Sabia. Recebeu quatro milhões pelo tal buraco. Comprou fazenda, comprou cavalo. Tornou-se patrão à custa da liberdade. Ciquenta e sete anos! como é que sai?
Dia desses pensei em visitá-lo. Imaginei sua cabeça baixa, olhos fitos no chão, quase pedindo para eu ir embora. Compreendi. Não fui. Mas ficou a pergunta: por quê?