domingo, 15 de maio de 2011

A MORTA


        Hoje tive um sonho interessante. Sonhei que estava em sala de aula falando para nossos alunos sobre um dos mais interessantes contos que já li: A Morta, do escritor francês Guy de Maupassant. Lembrei-me também de uma pessoa muito importante para mim e que é, como eu, apaixonada por esse conto. Transcrevo-o abaixo para deleite de algum visitante desafortunado.
A Morta

         Eu a amara perdidamente! Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um úni­co desejo e na boca um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tem­po todo, por toda parte, como uma prece.
          Não vou contar a nossa história. O amor só tem uma história, sempre a mesma. Encontrei-a e amei-a. Eis tudo. E vivi durante um ano na sua ternura, nos seus braços, nas suas carícias, no seu olhar, nos seus vestidos, na sua voz, envolvido, preso, acorrentado a tudo que vinha dela, de maneira tão absoluta que nem sabia mais se era dia ou noite, se estava morto ou vivo, na velha Terra ou em outro lugar qualquer.
          E depois ela morreu. Como? Não sei, não sei mais.
      Voltou toda molhada, nutria noite de chuva, e, no dia seguinte, tossia. Tossiu durante cerca de uma semana e ficou de cama.
O que aconteceu? Não sei mais.
     Médicos chegavam, receitavam, retiravam-se. Traziam remédios; uma mulher obrigava-a a tomá-los. Tinha as mãos quentes, a testa ardente e úmida, o olhar brilhante e triste. Falava-lhe, ela me respondia. O que dissemos um ao outro? Não sei mais. Esqueci tudo, tudo, tudo! Ela morreu, lembro-me muito bem do seu leve suspiro, tão fraco, o último. A enfermeira excla­mou:       "Ah! Compreendi, compreendi!"

       Não soube de mais nada. Nada. vi um padre que falou assim: "Sua amante." Tive a impressão de que a insultava. Já que estava morta, ninguém mais tinha o direito de saber que fora minha amante. Expulsei-o. Veio outro que foi muito bondoso, muito terno. Cho­rei quando me falou dela.
Consultaram-me sobre mil coisas relacionadas com o enterro. Não sei mais. Contudo, lembro-me muito bem do caixão, do ruído das marteladas quando a enterraram lá dentro. Ah! meu Deus!
       Ela foi enterrada! Enterrada! Ela! Naquele bu­raco! Algumas pessoas tinham vindo, amigas. Cami­nhei durante muito tempo pelas ruas. Depois voltei para a casa. No dia seguinte, parti para uma viagem.

             Ontem, regressei a Paris  Quando revi o meu quarto, o nosso quarto, a nossa cama, os nossos móveis, toda essa casa onde ficara tudo o que resta da vida de um ser depois da sua morte, o desgosto apoderou-se de mim novamente, de uma forma tão violenta que quase abri a janela para atirar-me à rua. Não podendo mais permanecer no meio daqueles objetos, daquelas paredes que a tinham encerrado, abrigado, e que deviam conservar em suas fendas imperceptíveis milhares de átomos seus, da sua carne e da sua respiração, peguei meu chapéu para sair. De súbito, ao atingir a porta, passei diante do grande espelho que ela mandara colocar no vestíbulo para mirar-se, dos pés à cabeça, todos os dias antes de sair, para ver se toda a sua toalete lhe ia bem, se estava correta e elegante, das botinas ao chapéu.
        E parei, de chofre, diante desse espelho que tan­tas vezes a refletira. Tantas, tantas vezes, que também deveria ter guardado a sua imagem.
Fiquei lá, de pé, trêmulo, os olhos fixos no vidro liso, profundo, vazio, mas que a contivera toda, que a possuíra tanto quanto eu, tanto quanto o meu olhar apaixonado. Tive a impressão de que amava aquele espelho - toquei-o - estava frio! Ah! recordação! recordação! Espelho doloroso, espelho ardente, espelho vivo, espelho horrível, que inflige todas as torturas! Felizes os homens cujo coração, como um espelho onde os reflexos deslizam e se apagam, esquece tudo o que conteve, tudo o que passou à sua frente, tudo o que se contemplou e mirou na sua feição, no seu amor! Como sofro! Saí e, involuntariamente, sem saber, sem que­rer, dirigi-me ao cemitério. Encontrei seu túmulo, um túmulo singelo, uma cruz de mármore com algumas palavras: "Ela amou, foi amada, e morreu."
         Lá estava ela, embaixo, apodrecendo! Que hor­ror! Eu soluçava, a fronte no chão.
       Fiquei lá por muito tempo, muito tempo. Depois, percebi que a noite se aproximava. Então, um desejo estranho, louco, um desejo de amante desesperado apoderou-se de mim. Resolvi passar a noite junto dela, a última noite, chorando no seu túmulo. Mas me ve­riam, me expulsariam. Que fazer? Fui esperto. Levan­tei-me e comecei a vagar pela cidade dos desaparecidos. Vagava, vagava. Como é pequena essa cidade ao lado da outra, daquela em que vivemos! Precisamos de casas altas, de ruas, de tanto espaço, para as quatro gerações que vêem a luz ao mesmo tempo, que bebem a água das fontes, o vinho das vinhas e comem o pão das planícies.
          E para todas as gerações dos mortos, para toda a série de homens que chegaram até nós, quase nada, um terreno apenas, quase nada! A terra os toma de volta, o esquecimento os apaga. Adeus!
        Na extremidade do cemitério habitado, avistei subitamente o cemitério abandonado, onde os velhos defuntos acabam de misturar-se à terra, onde as pró­prias cruzes apodrecem, e onde amanhã serão coloca­dos os últimos que chegarem. Está cheio de rosas silvestres, de ciprestes negros e vigorosos, um jardim triste e soberbo alimentado com carne humana.
        Estava só, completamente só. Agachei-me perto de uma árvore verde. Escondi-me completamente en­tre os galhos grossos e escuros.
           E esperei, agarrado ao tronco como um náufra­go aos destroços.
Quando a noite ficou escura, bem escura, dei­xei o meu abrigo e comecei a caminhar de mansinho, com passos lentos e surdos, por essa terra repleta de mortos.
       Vaguei durante muito, muito tempo. Não a en­contrava. Braços estendidos, olhos abertos, esbarran­do nos túmulos com as mãos, com os pés, com os joe­­lhos, com o peito, e até com a cabeça, eu vagava sem encontrá-la. Tocava, tateava como um cego que pro­cura o caminho, apalpava pedras, cruzes, grades de ferro, coroas de vidro, coroas de flores murchas! Lia nomes com os dedos, passando-os sobre as letras. Que noite! Que noite! Não a encontrava!
       Não havia lua! Que noite! Sentia medo, um medo horrível, nesses caminhos estreitos entre duas filas de túmulos! Túmulos! Túmulos! Túmulos. Sempre túmulos! À direita, à esquerda, à frente, à minha volta, por toda parte, túmulos! Sentei-me num deles, pois não podia mais caminhar, de tal forma meus joelhos se dobravam. Ouvia meu coração bater! E também ouvia outra coisa! O quê? Um rumor confuso, indefinível! Viria esse ruído do meu cérebro desvairado, da noite impenetrável, ou da terra misteriosa, da terra semeada de cadáveres humanos? Olhei à minha volta!
Quanto tempo fiquei ali? Não sei. Estava parali­sado de terror, alucinado de pavor, prestes a gritar, pres­tes a morrer.


       E, de súbito, tive a impressão de que a laje de mármore onde estava sentado se movia. Realmente, ela se movia, como se a estivessem levantando. Com um salto, precipitei-me para o túmulo vizinho e vi, sim, vi erguer-se verticalmente a laje que acabara de dei­xar; e o morto apareceu, um esqueleto nu que empur­rava a lápide com as costas encurvadas. Eu via, via muito bem, embora a escuridão fosse profunda. Pude ler sobre a cruz "Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinquenta e um anos de idade. Amava os seus, foi honesto e bom, e morreu na paz do Senhor." O morto também lia o que estava escrito no seu túmulo. Depois, apanhou uma pedra no chão, uma pedrinha pontiaguda, e começou a raspar cuidadosamente o que lá estava. Apagou tudo, lentamente, con­templando com seus olhos vazios o lugar onde ainda há pouco existiam letras gravadas; e, com a ponta do osso que fora seu indicador, escreveu com letras lumi­nosas, como essas linhas que traçamos com a ponta de um fósforo:
"Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinquenta e um anos de idade. Apressou com maus tratos a mor­te do pai de quem desejava herdar, torturou a mulher, atormentou os filhos, enganou os vizinhos, roubou sempre que pode e morreu miseravelmente." Quando acabou de escrever, o morto contemplou sua obra, imóvel. E, voltando-me, notei que todos os túmulos estavam abertos, que todos os cadáveres os tinham abandonado, que todos tinham apagado as mentiras inscritas pelos parentes na pedra funerária, para aí restabelecerem a verdade. E eu via que todos tinham sido carrascos dos parentes, vingativos, desonestos, hipócritas, mentirosos, pérfidos, caluniadores, invejosos, que tinham rou­bado, enganado, cometido todos os atos vergonhosos, abomináveis, esses bons pais, essas esposas fiéis, es­ses filhos devotados, essas moças castas, esses comerciantes probos, esses homens e mulheres ditos irrepreensíveis.
Escreviam todos ao mesmo tempo, no limiar da sua morada eterna, a cruel, terrível e santa verdade que todo mundo ignora ou finge ignorar nesta Terra.
Imaginei que também ela devia ter escrito a verdade no seu túmulo. E agora já sem medo, correndo por entre os caixões entreabertos, por entre os cadáve­res, por entre os esqueletos, fui em sua direção, certo de que logo a encontraria. Reconheci-a de longe, sem ver o rosto envolto no sudário. E sobre a cruz de mármore onde há pouco lera: "Ela amou, foi amada, e morreu", divisei: "Tendo saído, um dia, para enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu”.

Parece que me encontraram inanimado, ao nas­cer do dia, junto a uma sepultura.
(31 de maio de 1887)
com as devidas adaptações para nova ortografia.

sábado, 14 de maio de 2011

O TEMPO CERTO



        De uma coisa podemos ter certeza: de nada adianta querer apressar as coisas.Tudo vem ao seu tempo, dentro do prazo que lhe foi previsto. Mas a natureza humana não é muito paciente.
     Temos pressa em tudo! Aí acontecem os atropelos do destino, aquela situação que você mesmo provoca, por pura ansiedade de não aguardar o tempo certo.
Mas alguém pode perguntar:
        ─ Mas qual é esse tempo certo?
      Bom basta observar os sinais. Geralmente quando alguma coisa está para acontecer ou chegar até sua vida, pequenas manifestações do cotidiano enviarão sinais indicando o caminho certo. Pode ser a palavra de um amigo, um texto lido, uma observação qualquer.
Mas com certeza o sincronismo se encarregará de colocar você no lugar certo, na hora certa, no momento certo, diante da situação e da pessoa certa!

       Basta você acreditar que nada acontece por acaso! E talvez seja por isso que você esteja agora lendo essas linhas. Tente observar melhor o que está à sua volta. Com certeza alguns desses sinais já estão por perto, e você nem os notou ainda.
    Lembre-se de que o universo sempre conspira a seu favor, quando você possui um objetivo claro e uma disponibilidade de crescimento.
   (Autor desconhecido)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

SONETO DE SEPARAÇÃO


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinícius de Moraes

AMOR E PERSISTÊNCIA



      Chamava-se Antônio Raimundo e era feio. Não, eu não sou daqueles que acham homens feios porque são homens. Para mim o belo é belo e pronto. Se vejo um homem bonito, admiro-lhe as feições e pronto. Não vejo necessidade de fazer propaganda dos outros até porque todos os homens em potencial são meus concorrentes. E não fazemos comercial da concorrência. Se digo que Antônio Raimundo era feio, é porque era feio e acabou-se. Imagine um indivíduo muito branco, baixinho, com o rosto marcado pelas espinhas da adolescência, um nariz meio esparramado, tendo ali escanchados uns óculos, que teimavam em escorregar a todo instante, levantando-os com os músculos nasais, além doa cabelos encaracolados sempre presos à cabeça. Diga-me se um ser com essas características pode ser chamado de bonito? Apregoa-se de forma errada os versos vinicianos: “As feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental”. Digo de forma errada porque Vinícius diz: “As MUITO feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental”. Faço essa correção para lembrar que não existe à priori feiura. A não ser quando ela existe com exagero. E, volto a afirmar, Antônio Raimundo era feio.
       Ela, por sua vez, chamava-se Rosa, a quem todos diziam com os olhos doces: Rosinha. Era a mais linda entre as funcionárias daquele estabelecimento, onde trabalhava antônio Raimundo. Loirinha, com cabelinhos de anjo, que lhe caíam pelos ombros, brilhando feito ouro. O semblante dava prazer, pois estava sempre prestes a desabar num sorriso, que lhe deixavam os lábios, nem finos nem grossos, mais meigos ainda, com suas fileiras de dentes ebúrneos, simétricas. Quando passava, todos se inebriavam com o olor que todos seu ser emanava, todos tornavam-se maias simpáticos pela candura de seus gestos e seus passos de giz. Até a concorrência abria espaço para que passasse. Todos eram, claro, apaixonados por ela. Os homens casados e os já de idade, também. Eram gratos pela natureza ter-lhes dado o prazer de conhecer tal criatura. Os jovens queriam namorá-la, noivá-la e no futuro desposá-la. Cada um deles, com seus galanteios, procuravam uma forma de conquistá-la, com frases prontas e muitas vezes até exageradas. Enviando-lhes bilhetinhos, pois há época não havia celular, não haviam ainda inventado os torpedos modernos. Computador ainda era bicho de assombro. Quando se falavam neles, para o futuro próximo, era com temor de que lhes roubassem o emprego. A todas as cantadas, Rosinha desdenhava com um lindo sorriso, que deixava o paquerador cheio de esperança.
Antônio Raimundo também era enamorado da bela moça e com ela decidira casar-se. Era sua primeira paixão. Diferente dos colegas, seu amor era realidade. Não queria apenas namorar uma moça bonita para exibir aos colegas. Apesar de trazer esses sentimentos meio encubados, logo a plateia se deliciou em sorrisos miúdos: “O cara não se enxerga!” A própria pequena, quando se deu conta que os sorrisos de Antônio Raimundo tinham intenções superiores, fez essa mesma reflexão: “Será que esse rapaz não tem espelho em casa!?” Os outros desistiram, pois seus afetos eram meros fogos de palha. Antônio Raimundo não. Seu amor era pura convicção.
     Antônio Raimundo era um dos arquivistas, profissão substituída hoje por clic no computador; e Rosa, uma das atendentes do crediário da empresa onde trabalhávamos. Quando chegava um cliente, as meninas colocavam seu nome junto ao dele num formulário e o colocavam dentro de uma caixa que tinha comunicação com a sala dos arquivos. Um de nós pegava o formulário e buscava entre as trinta e cinco mil fichas a do cliente que estava sendo atendido. Antônio Raimundo estava sempre junto à caixa, mas só buscava aquelas com o nome de Rosa. Assim os clientes da moça eram os primeiros a serem atendidos, e ela ia sobressaindo as demais. Esse era apenas um dos modus operandi do nosso amigo. Claro que Rosa sabia dessas atitudes do colega, porque apesar de sua discrição Antônio sempre deixava escapar que estava privilegiando os clientes dela. Antônio Raimundo era benquisto por todos, e, mesmo sabendo dessas suas artimanhas, todos fazíamos vista grossa. Muito embora os risinhos às escondidas permanecessem. Outra forma de galanteio que ele utilizava era dar um jeitinho de sempre estar onde ela estivesse. Na lanchonete, no restaurante na hora do almoço, na biblioteca do Sesc. Outrossim, antônio Raimundo nunca deixava de trazer para ela uma flor, um bombom tipo Sonho de Valsa, um verso escrito a lápis num papel qualquer. Sem ser intruso, aos poucos ia fazendo parte do círculo mais próximo de Rosa. Deixara de ser apenas um colega para ser promovido à condição de melhor amigo. No dia de seu aniversário, Nosso Don Juan convidou a todos para participar de um almoço na sua casa. Para espanto geral, havia uma faixa na entrada homenageando a beleza de Rosinha, sem mencionar sentimento. Quando, certa vez, ela lhe confidenciou que não tinha ainda concluído o Ensino Médio, Segundo Grau à época, ele se encarregou de convencê-la a prestar exame de suplência geral da Secretaria de Educação (supletivo), para obter o título de concludente desse nível. Não só o fez, mas também, nos dias das provas, lá estava ao seu lado, dando-lhe força e resumindo os conteúdos do dia.
         Essa foi a última vez em que os vi. Saí da empresa, fui trabalhar em outra cidade. Três anos depois, retornei a Fortaleza. Passeando um dia na Ponte dos Ingleses, vejo um casal muito juntinho empurrando um carrinho de bebê. Era Antônio Raimundo e Rosinha. Haviam-se casado um ano antes. Cumprimentei-os e me disseram sorridentes que ficaram tristes quando me enviaram o convite e souberam que eu estava viajando. Era uma cena linda, os três formavam a célula máter da sociedade. E era a prova de que o amor é uma caixinha de surpresa e que se juntarmos esse sentimento à persistência conseguiremos mais do que apenas viver.

P.S. Há mais ou menos cinco anos, encontrei Antônio Raimundo no Shopping, estava só. Quando lhe indaguei sobre a família, respondeu sorrindo que estava grande: ele, Rosa mais uma escada de quatro filhos.
(Professor Alves, 05/05/2011)

terça-feira, 3 de maio de 2011

A morte de Osama Bin Laden e o Jornal Nacional



Começo me apresentando: Sou brasileiro, cidadão, bancário e psicólogo da cidade de Fortaleza-CE. Não tenho costume de escrever sobre política, nem fatos públicos e pra ser honesto sobre quase coisa nenhuma mas hoje não pude me conter. Espero que possam ler até o fim... 
Dia 02/05/2011, acabo de chegar em casa depois de um dia de trabalho bastante conturbado, como são os primeiros dias úteis, especialmente nas segundas-feiras no Banco do Brasil. Fiquei sabendo vagamente da morte de Osama Bin Laden a partir de rápidos comentários de clientes. Resolvi assistir o jornal nacional para ver as notícias e fiquei realmente chocado com a forma que o assunto foi tratado. A morte era anunciada com um sorriso no rosto por simplesmente todos os repórteres, lembrava muito as coberturas festivas, como os carnavais, as vitórias esportistas, as festas de rua. As palavras “celebravam” “festejavam” “comemoravam” eram constantemente citadas e fiquei me perguntando se era realmente de uma morte que aquelas pessoas estavam falando. Em nenhum momento ninguém falava sobre como era um sintoma doentio a comemoração em praça pública de um assassinato. Ou de até que ponto aquele comportamento era ético?   
Não estou aqui de maneira nenhuma defendendo as ações de Osama, muito pelo contrário, repudio seus atos, suas mortes. Mas a comemoração em praça pública de uma morte é pelo menos de se estranhar, de se questionar, e em nenhum momento houve um mínimo sinal do contraditório, do outro ponto de vista. Assistindo só conseguia me lembrar das antigas cerimônias de execução da Idade Média, ou mesmo as provocadas pelos regimes radicais como o Talibã, tão criticada pelo mundo “civilizado” ocidental, no qual o povo festejava os assassinatos, daquele que por algum motivo  eles consideravam inferiores a si. E o que mais me impressionou é que os argumentos americanos não eram ditos como perspectivas e sim como a verdade nua e crua. Que isso acontecesse na mídia Americana não era de se estranhar, mas aqui no Brasil me pareceu um contra-senso.  As questões éticas da comemoração de uma morte em nenhum momento foram questionadas. Era como se fosse o óbvio, natural, a comemoração daquelas mortes. 
Uma avó americana foi mostrada com sua netinha tirando fotos dizendo que era uma lembrança para aquela criança da comemoração daquele dia. A netinha devia ter pouco mais de cinco anos. E o jornal seguia mostrando tudo direitinho, a grande festa, aquele momento tão bonito de assassinato. A sede de sangue era clara. As pessoas se abraçavam, comemoravam, as imagens chegavam a ser bonitas, parecia um réveillon, ou a comemoração de um título esportivo, mas não era, era a alegria pela morte, pelo sangue, pela vingança. Espero profundamente que daqui a 100 anos isso seja mostrada como sinal de primitivismo da humanidade do nosso tempo.
As imagens do 11 de setembro, que eram repetidas o tempo todo, parecia uma maneira de justificar o assassinato de Osama e de mais quatro pessoas, sem nenhum julgamento, e pior, sem nenhum questionamento ético.  
Não agüento mais ver o discurso da paz servir de propósito pra guerra. A história é contada simplesmente por uma perspectiva, a americana, oferecida ao publico como uma verdade, que dispensa qualquer criticidade. O fato da operação ter sido feita exclusivamente por Americanos não é questionada. A troca de tiro não resultou em nenhum ferido do lado Ianque  e cinco mortes do lado oposto leva a questionar até que ponto se tratou de uma troca de tiros ou de um simples execução sumária. E se foi uma execução sumária como parece ter sido, o discurso de que Obama usou sua esposa como escudo mais parece uma última provocação. “O morto era covarde”. Que Osama era corvarde isso é bem sabido, porém também  covarde foi o ato de executar alguém sem julgamento. Não é claro e límpido que sangue só pede mais sangue. Que alguém vai querer vingar essa morte matando e que as mortes que virão pedirão mais morte ainda? 
Nenhum detalhe sobre essa execução, a meu ver, pode ser levada a sério, pois não havia testemunhas, apenas os soldados americanos envolvidos. Nenhuma autoridade Paquistanesa envolvida na operação, e isso sequer foi questionado. Osama foi assassinado NO PAQUISTÃO. O exercito americano simplesmente entra, executa, destrói o cenário e se livra do corpo, e nada, absolutamente nada é questionado. Como se realmente o mundo fosse deles, como parecem verdadeiramente acreditar.As autoridades do Paquistão sequer tomam conhecimento do caso. E assim parece se manter toda a imprensa local, pelo mesmo caminho.
Jogaram o corpo no mar. Pronto. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fizeram um exame de DNA, a partir de uma suposta irmã de Osama, de um cara que diga-se de passagem tem 51 irmãos. Qual a seriedade disso? Ninguém questiona. É como se fosse a coisa mais natural do mundo. Não é claro e límpido que existe alguma coisa estranha aí? 
Para piorar, ainda vem vários  líderes mundiais a público dar os parabéns ao presidente americado. A justificativa que Obama não quis bombardear a casa a qual alegaram que se encontrava Osama por não querer ferir civis inocentes foi dita como a coisa mais normal do mundo sem mencionar o banho de sangue ao qual foi submetido o Afeganistão, como a morte de milhares de civis inocentes com a justificativa de encontrar Osama Bin Laden. É como se a guerra nunca tivesse acontecido. 
 Em nenhum momento um comentário crítico sobre as reais circunstancias políticas envolvidas no caso. Nada sobre a guerra do Iraque baseada exclusivamente na alegativa americana de que estes estavam produzindo armas químicas e nucleares, coisa que o próprio relatório americano desmentiu no final, quando admitiram que se enganaram e que não havia armas químicas nenhuma. Saldo da guerra: Mais de 100 mil mortos. Em nenhum momento o petróleo foi mencionado, é como se esse produto não tivesse nenhuma relação com as milhares de mortes. Em nenhum momento foi dito do financiamento americano ao grupo de Osama Bin Laden, antes destes se voltarem contra seus interesses puramente econômicos.
Espero que não fique aqui parecendo que estou defendendo os métodos ou atitudes terroristas, mas apenas dizendo que uma guerra como essa não tem mocinhos. O ódio só gera ódio dos dois lados. E isso precisa ser dito. É preciso dizer: BASTA, CHEGA DE SANGUE” Quero poder dizer aos meus filhos que nós vamos celebrar a paz e o amor e não a morte e a vingança. Milhares de pessoas morreram dos dois lados, tudo isso é lamentável, e a frase que vem a minha mente quando penso nisso todo é a da composição que diz que “Não importam os motivos da guerra a paz ainda é mais importante que eles”. 
Obrigado pra quem leu meu desabafo até o fim. Se acharem válido podem passar pra frente.
Um abraço a todos,
Daniel Welton

quinta-feira, 28 de abril de 2011

DESCOMEÇAR


(Para mim, no meu aniversário de quarenta e um anos)
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A vida devia ser assim,
A gente nascer e ser, por tempo,
Bem, mas bem pequeninim
E ir crescendo pouco a pouco
Sem pressa ou medo de ficar louco.

Depois a gente crescia mais
E após aproveitar a infância
A gente ficava rapaz
E por um tempo e tanto
No namoro encontrava acalanto.

Nesse período a gente sonhava
Olhava o sol, a lua, as estrelas
E de repente até chorava
Pra de novo encontrar a paz
E ser feliz, bem feliz demais.

Claro que nessa primeira vez
Sem estar bem passado no alho
Pagávamos mico todo mês
Rilhávamos de raiva os dentes
E seguíamos o caminho novamente.

Mas sem nunca precisar se esforçar,
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Sem nenhum esforço mesmo,
Sem ser preciso mesmo estudar,
Arranjava um trabalho a gente
E casava-se àquela que tem na mente.

E vinham os filhos. Que alegria
Vê-los correr, saltar, cair:
Eles, nós e a grande euforia.
De repente o sarampo, catapora
Mas logo tudo ia embora.

Até chegar aos quarenta
Que envelhecer muito
Ninguém mesmo aguenta
Aí a gente de novo voltava,
De ré a vida descomeçava.

E assim ficávamos jovem de novo
Ano após ano, sem pressa
Vendo os cabelos pretos como corvo.
Aos trinta que felicidade
Foi aqui que ganhei à vontade.

E a cada ano que passava
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Toda a oportunidade
De novo por nós passava
E não perdíamos nenhuma,
Colhê-las-íamos tranquilos uma a uma.

Os nossos netos nascendo,
Os filhos mais velhos que nós,
E nós mais rejuvenescendo
Mas com toda experiência
Adquirida em nossa existência.

Das moças, aquele sorriso
Era num átimo percebido,
Namorar era um paraíso,
Sem deslizes nem bobeiras
parecendo adulto, sem asneiras.
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Sendo de novo menino,
Brincar de arraia, no meio do sol
Quente, quente e a pino
No pião ninguém batia.
Pra casa? Só no final do dia.

E assim íamos remoçando
Até tomarmos mingau,
Pra perto da mãe de novo chegando
E tornar para o ventre finalmente
De lá pro céu, alegre, contente.
(09/10/2006)