Jogão! Flamengo e Ceará, digo Ceará e Flamengo. Eu meu filho
torcemos pelo glorioso Ferrim. Que tá ruim que dói. Logo vamos
muito pouco ao estádio. E torcemos também pelo Mengão. “Vamos
assistir ao jogo, né pai?” Disse Victor Hugo. Assim que soube que
os ingressos estavam à venda, corri para o ponto mais próximo.
Cheguei atrasado. Só havia ingresso na torcida do Vozão. Fazer o
quê. Os outros chegaram rápido. Apenas mil ingressos para os
milhares de torcedores do Mais querido do país. Comprei os ingressos
e avisei ao meu filho. Vamos fingir que torcemos Ceará. Meu filho
foi logo lembrando que a torcida do Ceará é cruel, mais ainda que a
torcida do Iraque quando sua seleção joga contra o Irã. Tudo bem,
filho, o importante é estarmos lá para vermos nossos ídolos.
Chegamos ao estádio quase na hora do jogo. Depois de muito
empurra-empurra, entramos. Logo de cara, vimos e ouvimos o Ronaldinho
sendo esculhambado pela torcida do vozão: “Gaúúúcho, biiicha”.
Era cruel, e logo nós que o amávamos tanto. Um cidadão distinto,
vestido a caráter, que mais parecia o vovô mascate, me cutucou. “Né
bicha ele?” E eu ensaiei: “gaúcho bicha”. Muito fraquinho. O
outro me olhou desconfiado. Meu filho então entoou: “Leeeo Moura,
bichiiiinha”. E me olhou como dizendo “é assim que se finge”.
Segue o jogo e meus olhos seguem os jogadores do Fla. De repente bola
na área do Ceará, Tiago Neves cabeceia na trave. Soltei o palavrão
acompanhado de um gesto de cabeça. Um Parrudão me olhou, e eu
disse: “Pode não, vozão, dá moleza” e sorri amarelo. Meu filho
me cutucou, como quem diz: “não brinca, pai”. De súbito passam
por mim uns quatro “pitbulls”. Um deles diz: “ali, ó!” e
aponta para um senhor de de blusa vermelha. Correm até lá e vejo o
senhor se explicando, depois de levar uns safanões dos brutamontes.
Eram caçadores de flamenguistas. Aí eu tive mais certeza do risco
que estávamos correndo. Mas o vovô é ruim demais. Mengão na
área, Tiago Neves cruza, Deivid faz 1x0. Alegria contida tem gosto
de fel, sal e doce misturados.
Depois do intervalo depois de ouvir um monte de torcedor discutindo
sobre o acontecido, enquanto comem caiduro, voltamos para o segundo
tempo. Agora a vítima era o juiz: “bicha vagabunda, não toma o
jogo do meu vozão”, dizia um. Outro me cutucava e apontava para o
árbitro e eu tinha de xingá-lo também. E a gritaria era grande. Lá
do outro lado estavam mil flamenguistas felizes, e eu morrendo de
inveja. Meu filho mais ainda. A tortura continuava. O Flamengo
atacava o ceará se defendia, e eu não podia vibrar com meu time.
De repente os “pitbulls” voltaram. Desta vez empurravam e davam
tapas num homem. E gritaram para alguns que estava atrás de mim:
“esse estava ali infiltrado, fingindo torcer pelo vozâo”.
Nesse momento, ciente do risco, comecei a gritar a plenos pulmões:
“Ôôô, Vai pra cima deles, vovôôô!”
(Professor Alves)