segunda-feira, 22 de junho de 2020

FRANCISCA CLOTILDE


Mais uma poetisa cearense de grande vulto, escondida  pelo cânone masculino

PERFIL | Francisca Clotilde, Uma História de Amor e Lutas - 1 de 3 ...




AO CORAÇÃO

Porque suspiras, coração dolorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido.
Serás de afetos vãos da criatura,
Brilha em teu céu uma esperança pura,
É Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
Trazer-te a luz, que dimanou do bem,
E que fulgiu nos braços de uma cruz;

Despreza os bens efêmeros da terra,
Busca o tesouro que somente encerra
O amor perfeito que sonhou Jesus.


(Almanach dos Municípios do Ceará, 1908, pág. 121)

PRECE


Oh!  Bendita Virgem, Mãe piedosa,
Nívea dos céus, Maria Imaculada
Dentre as flores do céu mística rosa
Entre as mulheres, Santa proclamada!

Tua pureza Angélica e ilibada
Não teve manchas... Linda, fulgurosa
É corno de uma estrela, a luz radiosa
Que esgarça a treva aos beijos d’alvorada.

Conforta o nosso pranto, escuta a prece
Do triste, do exilado que padece,
Nesta vida cruel, desoladora;

Oh! Tu, Onipotente junto a Deus,
Desprende sobre nós do azul dos céus
Tua benção de Mãe consoladora.

(Revista A Estrella, Aracati, abril de 1915 p. 2)

PARA O IGNOTO

(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)

Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.

(Revista A Estrella, ago/set de 1915)

segunda-feira, 15 de junho de 2020

POESIAS DE ANTÔNIA SAMPAIO FONTES

“Antônia Sampaio Fontes nasceu em Baturité, aos 24 de fevereiro de 1884, filha de Antônio Jardim e Maria Sampaio Jardim. Mudando-se para esta Capital [Fortaleza], casou-se com Israel Pinheiro Fontes – figura ainda lembrada e venerada pelos familiares, que cedo fechou os olhos ao mundo no recuado ano de 1934.

Cumprindo o destino de todo nordestino e mais do cearense nômade, emigrou, na companhia do marido para o alto Acre, onde seu tio Justino fizera alguma fortuna com a exploração dos seringais, na época áurea da borracha. ainda a bordo do paquete “Pará”, que os levou àquela longínqua região do país, compôs sonetos 
e poemas com temática do mar e da floresta. 
Corria o ano de 1911. Regressando, aqui se 
fixou definitivamente até sua morte, ocorrida 
aos 02 de março de 1963.” Eduardo Fontes

No meu livro SAMAMBAIA
Eu canto Deus e o amor,
Canto o mar beijando a praia,
Canto a ave, canto a flor!

SAMAMBAIA, SAMAMBAIA,
No Acre eu te conheci,
És linda como a jandaia
E o canto do bem-te-vi!

Com teu vestido de festa,
Com o teu xale rendilhado,
Tu enfeitas a floresta
Deste Acre abençoado!

Esperei anos e anos
Por esta oportunidade,
Sem olhar o desenganos
Vence o poder da vontade!

Não sei se venci ou não,
Mas um livro aqui está
Para o grande coração
Dos filhos do Ceará.

Do Ceará brasileiro,
Do meu Brasil cearense,
Do povo forte e ordeiro,
Que luta, trabalha e vence! p.17

Fortaleza, 11 de fevereiro de 1963

Minha Infância

Paródia: Meus Oito Anos
de Casimiro de Abreu

Oh! Que saudade que tenho
Do despontar da existência,
Dos meus dias de inocência,
Do meu viver de criança.

Daquelas horas amenas,
Daquelas tardes fagueiras,
Daquelas noites ligeiras,
Saudades da minha infância.

Naquele tempo risonho
Não sabia o que era amor,
Vivia alegre e contente,
Brincava ao clarão da lua,
Achava o céu tão formoso,
Mas deste tempo saudoso
Resta-me a vida somente!

Fruía ternos carinhos
Dos meus pais, a quem amava,
Dentro d’alma idolatrava,
Tempo feliz que passou!
Levando sem piedade,
Nas suas asas austeras
Minhas oito primaveras
Que o vento as desfolhou!

De tudo tenho saudade,
Dos meus mimos infantis,
Do meu passado feliz
Feito de amor e esperança!
Quando pequena e travessa,
Dizia: – Oh! Deus que ventura,
Eu quero sempre a doçura
Do meu viver de criança!

Quero viver sempre alegre,
Quero brincar descuidada!
Minha mãe, a boa fada,
Sorrindo dizia, então:
– Brinca filha estremecida,
Que hoje terás carinhos,
Amanhã talvez espinhos
Tendo amor no coração!

Com a adolescência
Foi-se a inocência,
Foram-se os mimos e as flores,
Chegaram cedo os amores,
A bela quadra da vida!...

Sou feliz bem sei, não nego,
Tenho um esposo adorado,
Porém choro o meu passado,
A minha infância querida!... p.21-22

Acre, 1908


Saudade

Saudade, triste saudade,
Que me atormenta o viver,
Deixa-me só com o sofrer
Que me dói no coração!

Não vês que eu amo e padeço
Estas saudades cruéis,
Embora veja a meus pés
Alguém de minha afeição!?

Por tanto deixa-me, deixa-me
Já não quero mais a vida,
Vivendo assim nesta lida
Não é vida, é vegetar.

Do que me serve a saudade
Se vivo sempre sofrendo,
Quer ausente, quer o vendo
Tudo é sofrer e penar!?

Eu amo a toda saudade,
Quer rosa, branca, amarela,
Porém amo mais aquela
Que não lhe conheço a cor!

Parece ser mais ardente,
Mais forte, mais tormentosa,
Esta saudade ditosa
Da ausência do nosso amor! p.23

Acre, 1903


Desengano

Amar e ser amado é belo! É tudo, eu sei!
Amar sem ser amado é triste e é o que receio,
Embora eu fale assim, sem conhecer o amor...
Porém suponho e penso que assim seja, e digo:

– Não deve amar-se alguém sem ser correspondido,
Mas não amar sozinho, assim, é grande horror!
Amor! que me serve dizer, e a vós mentir que o tenho
Sem conhecer sequer um só traço, um só desenho...

Sem conhecer sequer o que significa Amor?
Não digo. É crime, sim, mentira, é feio.
Sou franca e pura a confessar não creio
Que venha amar-vos nunca, ó não senhor!

Criança sou, estou na flor da idade,
De vós aceito apenas a amizade
Simples, leal, qual seja a de um irmão!

Mas vosso amor, ó nunca e peço francamente,
Perdão se ofendo, esqueça-me da mente,
Que a vós não dou jamais meu coração! p.24

Acre, 1900

Obs.: Escrito quando a autora contava 16 anos e 10 meses de idade.


Amor

Amor tem mistérios, mistérios profundos,
Mistérios tão fundos que a vida contém,
Do amor para a posse se sofre, é verdade,
Amarga saudade, saudade de alguém!

Minha alma tristonha medita ansiosa
Sozinha, saudosa pergunta-me assim:
– Que força tamanha, que imã tão forte
É este que a morte, somente dá fim?

Eu amo e padeço, inda mesmo que ao lado
De mim bem sentado te veja. É forçoso!
Eu amo este amor e a teus pés deposito
Nas asas de um sonho meu ser, meu esposo! p.25


Ao Meu Adorado Noivo Israel

Quando eu te vejo a vir, dentre os caminhos,
Com passo lento em busca ao nosso lar,
Julgo avistar a flor entre os espinhos,
E em ti, meu anjo, a flor se transformar!

Quando eu te vejo a sós assim pensando,
A mão do homem à face reclinada,
Julgo talvez me estejas repassando
A mente louca só de amor formada!

Quando te vejo, solitário e triste,
Quieto, mudo, sem falar, sem nada,
Julgo afinal que nosso amor traíste,
Já não me amas, já não sou lembrada...

Perdão! Não julgues que ofender-te quero
Falando assim do nosso amor, ó não!
Perdão! Bem sei que serás sincero
Bem como a ti darei meu coração! p.26

Acre


Solidão do Acre

Ao meu esposo Israel Pinheiro Fontes

Na solidão das florestas,
Existe o prazer também,
Que pouco gosta de festas
Vivendo ali, vive bem!

Quem me dera voltar àquelas
Florestas cheias de vida,
A ver as alvas estrelas
Por entre as ramas floridas!

Mas penso que nunca mais
A elas hei de voltar,
Por isto mando meus ais
Nas brumas do meu luar!

E digo adeus a estas matas
Prazer, dos tristes dali!
Adeus! Caboclos, mulatos,
Trinados de bem-te-vi!

Adeus, passeios nas águas
Do rio Acre adorado,
Onde sem dores, sem mágoas,
Passei muito a teu lado.

Igarapés, seringueiras,
Tucanos, antas, cutias,
Adeus, barracas ordeiras,
Onde gozei muitos dias! p.27

Fortaleza/CE, 1912

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

FATIANDO O TEMPO

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui pra adiante vai ser diferente

Para você,
desejo o sonho realizado.
O amor esperado.
A esperança renovada.

Para você,
desejo todas as cores desta vida.
Todas as alegrias que puder sorrir.
Todas as músicas que puder emocionar.

Para você neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família esteja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.

Gostaria de lhe
desejar tantas coisas
mas nada seria suficiente…

Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes e que eles possam te mover a cada
minuto, rumo a sua felicidade!

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

INCÊNDIO, PISA E PISOTEIO


(Alves Andrade)
Em um depoimento à Rádio Bandeirantes, um professor de Direito disse que muitas vezes se sente um professor incompetente ao dar aulas para alunos que não leem, não vão ao cinema ou ao teatro, não viajam. E que em outros momentos se sente o melhor professor do mundo, quando está diante de alunos que têm acesso à leitura, ao cinema, ao teatro, a viagens etc. Com  poucas palavras, se faz entender e o tempo rende, e o aprendizado é quase imediato.
Lembrei-me dessa entrevista devido aos resultados do PISA, exame internacional de proficiência básica em Leitura, Matemática e em Ciência. O Brasil mais uma vez fica atrás de cinquenta  países, ocupando a posição 57ª entre setenta países examinados. O máximo que se conseguiu foi a compreensão de uma ideia explícita. Interpretar uma letra de Caetano Veloso, impossível. Apesar de o novo presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, ter associado o poeta, músico e pensador baiano ao analfabetismo de nossos jovens. Segundo ele, os livros didáticos têm muitos textos de Caetano, Chico, Gabriel (o Pensador) etc, por isso nossos jovens não conseguem tirar boa nota no PISA (grifo nosso)*.
Voltando às palavras do professor de direito supracitadas, lembro-me de que tenho colegas na rede pública de ensino que também trabalham na rede particular, em grandes escolas, cujos alunos são bem alimentados, possuem padrão de vida confortável, viajam, vão ao cinema (nunca ao teatro), mas não leem. Por esse último motivo, continuam analfabetos e, se um dia se formarem em universidades particulares, continuarão analfabetos. Esses colegas, pelo que me consta, realizam o mesmo trabalho, com o mesmo denodo com que o fazem na rede privada.
O professor de Direito está certo. Se trabalhamos com alunos mais predispostos ao entendimento, eles vão brilhar mais rápido. O problema é que nem lá (na privada) nem cá (na pública) existem leitores, logo não haverá entendimento. E se aqueles vão se formar e continuar o legado de seus pais, estes não irão, mas o legado será continuado por motivos óbvios.
Aqui, a fome, a falta de oportunidade de leitura e o a falta de empenho do estado são os grandes culpados pela derrota do menino. Lá, eles nunca serão vitoriosos, porque diploma não resgata dignidade. Continuarão obnubilados pela incerteza da existência. Terão dinheiro, filhos na mesma escola, quiçá fama, mas não serão livres das amarras da ignorância, que os prendem nas teias do preconceito ou da boçalidade mesmo.
Aqui, a polícia, a serviço do Estado, continuará a mandar para o cemitério milhares de jovens, como aqueles pisoteados em Paraisópolis, ou aqueles que são chacinados todos os dias nos morros cariocas e nas ruas de Fortaleza, Teresina, São Luiz, como os onze que foram violentamente assassinados pela polícia do Sr. Camilo Santana, em 2015. A truculência do estado não tem partido, não tem ideologia. Quando não for a polícia, serão as péssimas condições de vida que os empurrarão para a vala comum, como as duas crianças que morreram hoje, pela madrugada, queimadas em barracos Brasil a fora. Seja no jangurussu, em Fortaleza, ou num barraco na zona sul de são Paulo, conforme a que estampou o portal G1, deste 03/12.
No entanto o capitão manda a manobra,  E após fitando o céu que se desdobra,  Tão puro sobre o mar,   Diz do fumo entre os densos nevoeiros:   "Vibrai rijo o chicote, marinheiros!  Fazei-os mais dançar!..." E o chicote estala. O mesmo chicote citado por Castro Alves (não tem metáfora, não tem figuras, é tudo verdade) foi o que encurralou os jovens num beco sem saída lavando-os ao pisoteio, lá em Paraisópolis. O Capitão dos navios negreiros continuam em ação, seja no Planalto seja nos camburões. Lembremos que todo camburão tem um pouco de navio negreiro.
E os ídices do Pisa? Que ídice? Precisamos primeiro lutar para que os índices de assassinatos de jovens diminuam para que pensemos em crescimento nos índices da Educação.
*(https://www.cartacapital.com.br/educacao/pisa-metade-dos-estudantes-brasileiros-ainda-nao-consegue-compreender-um-texto/)