quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ATÉ BREVE!




Quando o moço do socorro, depois de examinar lhe o homem, virou-se e, atabalhoadamente, perguntou se ela tinha plano funerário, a vista escureceu de tal forma que ela teve de se segurar para não desabar. O moço então lhe repetiu a pergunta. Ela interrogou-me com os olhos “como assim, plano funerário, pra que eu quero um plano funerário?” Respondi ao moço o que ele queria ouvir. Em seguida pus a mão em seu ombro e percebi lhe certa vertigem. Para minha surpresa, depois que o socorro se retirou, ela se dirigiu à cozinha, pegou um pano molhado e pôs-se a esfregar o chão. Não pude ler seus pensamentos, mas entrevi uma preocupação: “ele vai despertar e não vai gostar de ver o chão sujo”. Em seguida estrondou-se em uma gargalhada como lhe era habitual. Deve ter pensado “mas ele nunca exigiu nada, era eu quem mandava nele” e entoou baixinho “sim senhora”. Era esse o bordão que ele sempre usava. Ao que se virou para mim e disse: “ah! meu amigo, não posso acreditar”.
Estávamos só nós dois. Ela me acordara cedo, aos gritos de “meu homem está morrendo”, Saí estonteado, correndo. Ainda o vi com a última respiração em progresso. A última! Liguei para o socorro que constatou o óbvio, o qual  os seres humanos séculos após séculos ainda teimam em não aceitar. Sentei-me entristecido, olhando aquela mulher encanecida, sem filhos, sem ninguém. Agora ela estava sem ninguém. O companheiro de sempre, de todos os dias, de todas as horas, de todos os minutos, de todas as brigas havia desencarnado. Jazia agora o corpo, o qual ela espera de súbito levantar-se e dizer “sim senhora”, mesmo de brincadeira. Eu me postara sem pensar. Olhando o vazio. No fundo eu também esperava vê-lo  se levantar e dizer “sim senhor” e rir-se diante da pilhéria, como era seu costume.
Quando o gato entrou, percebeu, pelo seu instinto, algo errado. Percebi que farejava o ar. Levantou as orelhas, como a escutar o inaudito. Em seguida, embarafustou-se para a cozinha, em busca de algo para comer. Ela riu e foi cuidar do gato. Estava demorando a presença de mais pessoas. Só a minha e a dela não bastavam. Eu tinha dado dois ou três telefonemas. Quando o gato já ia saindo, olhando de través  e lambendo os beiços, é que começaram a chegar as primeiras caras. Familiares, amigos, curiosos, que não acreditam na morte e precisam vê-la para nela crerem. Alguém trouxe café, outros chegavam com bolachas, pães, torradas. Enquanto se conversava na sala, assuntos de mortes, histórias semelhantes, outras nem tanto, observei que ela adentrara o quarto e trancara a porta. Pela fresta da imaginação, pude vê-la num último adeus ao companheiro de todas as noites. A mão tocando-lhe o corpo inerte, acariciando lhe a barba tantas  vezes afagada, outras tantas beijada. Pude sentir sua pressão subir, abraçando o corpo de todos os tempos, de todas as glórias, a boca entreaberta para o último beijo. O homem ainda estava ali. Era preciso possuí-lo rapidamente antes eu alguém pudesse interromper...
No velório estávamos na mesma posição. Era como se nada tivesse mudado, como se não tivesse tomado banho, trocado de roupa. Os olhos fitos no vazio, buscando uma explicação para o que já não precisa ser explicado. Aliás para o que nunca necessitou de explicação. Ela, de negro, acariciava o homem, antes que nada mais houvesse, antes que nada mais sentisse, antes que a vida perdesse o sentido. Até a hora estrema em que os estremos se unem finalmente.  O que é pó finalmente volte ao pó, e o que é espírito se encaminhe para os iguais.
Não houve choros, não houve cenas. Apenas o corpo descendo à terra, cercado de madeira, envolto na escura mortalha, como se não bastasse a escuridão do túmulo. Em determinado momento, não sei por quê, meus olhos buscaram os dela. E li neles uma promessa. Não uma promessa de vida, não uma promessa de carne. Mas uma promessa de almas. “Até breve, meu homem. Não saberei viver o resto de minha velhice sem os nossos dias, sem as nossas brigas, sem as nossas risadas, sem os nossos porquês. Até breve, meu amigo, a única coisa que me enlaçava à dor vivente, não está mais comigo. Não te afastes de mim, não vá muito longe. Em  breve, estaremos juntos novamente... e aí você vai me explicar a história daquele telefonema misterioso”.

(Professor Alves, janeiro de 2014)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

SE TODAS AS MULHERES FOSSEM RESOLVIDAS COMO A DA HISTORINHA ABAIXO, CHAUVINISTAS COMO O SR. ALAN III NÃO PRATICARIAM ATROCIDADES COMO A DE DOMINGO.


Era uma vez... numa terra muito distante...uma princesa linda, independente e cheia de autoestima.
            Ela se deparou com uma rã, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
          Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.  Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.  A tua mãe poderia vir morar conosco, e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
          Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
          - Eu, hein?... nem morta!
Luis Fernando Veríssimo

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ


  
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída —
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

BERTOLD BRECHT


BEBIDAS E DÚVIDAS

                 Todos temos motivos pra beber, cerveja, wodka, rum, conhaque e outros tipos de bebidas alcoólicas.
                Mas que motivos mais nos levam a ir ao primeiro gole? Geralmente os momentos alegres, comemorativos, conquistas, tristezas e até mesmo para passar o tempo, ocupar o vazio pessoal.
                 E eu? qual  ou quais são os meus motivos? Ou já não preciso mais de motivos? O ato já faz parte da minha rotina. O que imagino quando pego o copo para tomar umas cervejas? Tenho apenas o impulso e não crio questionamentos se estou certo ou errado; se vai me fazer bem ou vai trazer consequências  que sequer imagino; se ficarei alegre, se irei me tornar uma pessoa mais amável, carinhosa e responsável?  Me acende uma pequena luz de alerta?  E eu, o que faço?  deixo pra lá o aviso, prossigo no me lazer? Beber mais um copo, esquecendo de tudo quanto é importante, trabalho, amigo, casa família...? Ah, família! Eles entendem, afinal estou em casa todos os dias! Sou eu quem trabalha, ganha o sustento. Eu mereço o meu lazer.
                Às vezes tenho dúvidas de com o chego em casa? Lembro de como cheguei? Com  quem falei e como falei? Fui gentil, amável ou tratei-os de forma ríspida? Afinal, como cheguei? O meu comportamento é o mesmo de quando saí? continuo calmo, amoroso, aquele companheiro que todos desejam? A família ficou alegre com a minha chegada e da forma como cheguei?
                É, parece que tenho muitas dúvidas, perguntas a responder honestamente a respeito dos benefícios de umas “cervejinhas”! Um dia quem sabe eu descubro a respeito destes questionamentos... Um dia... mas que esse dia chegue antes que o “fundo do poço” chegue até a mim. Um dia...quando a luz da consciência brilhar mais forte.

(Seu João, irmão que conduz a leitura do Evangelho às quartas e quintas-feiras, Gepe Piedade)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ATÉ ISSO PASSARÁ

            

Hoje a piscina estava vazia. Não que estivesse sem água. Pelo contrário, a água transbordava ao sopro do vento matinal. Não que não houvesse pessoas. Muito pelo contrário, estava repleta de cabeças, troncos e membros. Havia, entretanto, um silêncio, que a tornava vazia, com um  zumzumzum  baixinho, silente. Vez por outra,  ouvia-se um riso, porém tênue, como se houvesse um acordo para que se mantivesse apenas o som do silêncio.
            Não, não fiquem consternados. Ninguém morreu, ninguém com enfermidade grave. Mas é sempre assim quando seu Joaquim não aparece por aqui. Ninguém sabe por quê, de repente ele não compareceu. Possivelmente algum compromisso fortuito, desses que chegam sem aviso e nos tiram dos compromissos rotineiros. Daí o motivo daquela quase entorpecimento na aula de hidroginástica. Do meu canto vislumbrei alguns olhares indecisos, arapongas na direção do portão. O professor quebrou o silêncio, quase sem querer, indagando pelo cliente faltoso. As amigas ficaram órfãs por hoje. Não estavam tristes, apenas não estavam à vontade, como que sentindo que a manhã estaria incompleta, com a ausência do amigo.
            Mas sabemos que daqui a dois dias, logo cedo, Seu Joaquim adentrará o portão, já sorridente, indagador, cumprimentador. E logo a água da piscina sorrirá ao embalo do vento mais solto. O professor Metusalem, com seus trocadilhos à vovó, indagará sobre os netos, sobre a obra, sobre a garrafada alemã, pseudo motivo de toda aquela virilidade. Com respostas rápidas e sem papas, Seu Joaquim irá respondendo e acrescentando tantas outras pilhérias, levando muitos à descontração. Outros clientes, um pouco ingratos, torcerão a face a esse mundo de brincadeiras, tecendo comentários, mas, no fundo, rindo  de todo aquele bom humor. E as amigas perdoarão a ausência passada e voltarão a sorrir, com a plenitude daquela manhã.
            Entretanto haverá uma manhã em que a piscina estará vazia. Não por falta d’água, não porque não tenha gente. Mas porque tudo nessa vida é efêmero, tudo é passageiro, inclusive o trocador e o motorista. E toda essa alegria também um dia passará e ficará apenas na lembrança daqueles que convivem com seu Joaquim.
(Agosto de 2013)

            

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

SEJAMOS FELIZES

“SE FICARMOS OLHANDO PARA O QUE AS OUTRAS PESSOAS PENSAM OU DIZEM, JAMAIS FAREMOS ALGO QUE SATISFAÇA O NOSSO CORAÇÃO.”


          Na verdade, não há nada que façamos ou que digamos que satisfaça a todos. É necessário, urge que aprendamos a viver de acordo com algumas leis:

1ª  Somos o que somos, e se o que somos não atrapalhar a vida dos outros, não prejudicar ninguém, então estamos certos como somos. Porque nossa identidade, assim como a nossa liberdade, termina onde começa a identidade e a liberdade do outro.

2ª Devemos aprender a SER, para termos consciência de que aquilo que fazemos ou dizemos é bom para nós e para o meio no qual estamos inseridos. É impossível, portanto, sermos felizes isoladamente. Queiramos ou não nós precisamos do outro para nos sentirmos inteiros. Caso contrário seremos apenas um lado de uma moeda.

3ª As pessoas não nos aceitam como somos apenas porque somos, ou porque queremos, mas porque convencemos a elas de que o que somos é bom tanto para nós como para elas, para o coletivo. A aceitação de poucos requer a aquiescência de muitos.

4ª Não há nada mais cruel e desumano do que você se impor a alguém pela força, na marra. É preciso que nos imponhamos pela gentileza dos nossos atos e das nossas palavras, que necessariamente devem ser úteis, pois atos e palavras vãs vão-se com o primeiro vento.

5ª Aceitar as pessoas como elas são é um bom caminho para a nossa própria aceitação. Admirá-las e mesmo tolerá-las representa para o mundo o que somos, como vivemos e indica a procedência de nossas idéias e atitudes.

          Portanto, para sermos felizes, é necessário que sejamos nós mesmos, para que as pessoas nos respeitem e nos admirem e, principalmente, aprendam conosco, porque não há realização maior do que o ato de ensinar. Cristo morreu por toda a humanidade, mas os seus ensinamentos jamais morrerão, Por isso sua obra maior foram os ensinamentos, por isso ele se imortalizou. Sejamos o que somos, acreditemos em nossas próprias opiniões, em nossas potencialidades em nossos sonhos. Lembremos as palavras de Renato Russo: “Se queres alguém em quem confiar, confia em ti mesmo”.




SEJAMOS FELIZES

terça-feira, 16 de julho de 2013

O HOMEM QUE SEMEAVA AMIGOS E OUTRAS CRÔNICAS


Publicação do livro "O Homem que Semeava Amigos e Outras Crônicas", de minha autoria, Professor Alves.
Quem quiser adquirir a obra, pode fazê-lo através do depósito/transferência para Francisco Alves de Andrade, Bradesco, Ag 0741 ; CC 17893, Valor R$ 22,00. Em seguida enviar endereço para minha caixa de mensagem e boa leitura.

APRESENTAÇÃO
              
               Quando se é o caçula de uma grande família, não se tem muito o que fazer a não ser observar os adultos em seus inquietantes conflitos. Foi assim que aprendi a olhar o mundo, sentir, ouvir e falar pouco. Desta forma foram nascendo, crescendo e morrendo na mente textos. Alguns eu os escrevia, para depois descartá-los. Com o advento da “internet” e consequentemente dos “blogs”, pude compilá-los e divulgá-los. Surgiu assim o desejo de publicar este livro de crônicas.
               O leitor irá notar que se trata de textos diversos, narrativos ou dissertativos; memoriais ou contemporâneos; uns emotivos outros nem tanto. Mas todos vieram do íntimo deste ser que sou eu. Nada foi escrito por acaso. Tudo é catarse, exposição daquilo que muitas vezes não se diz com palavras. Sei que algumas frases parecerão ininteligíveis. É que a linguagem do inconsciente às vezes se obnubila para não revelar sentimentos inclaros. Confesso que alguns deles me trazem lágrimas todas às vezes que os leio, e não são poucas essas vezes.
               Foram escritos numa linguagem simples, direta. Com frases curtas, aprendidas com o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis, mestre de todos os que se impelem nesta dura lida de escrever. Alguns textos são breves outros muito breves. É que não sei inventar. Quando o prato está pronto está pronto, não adiantar pôr mais tempero. É que o soneto só pode ter quatorze versos, e não adianta tentar emendá-lo. Assim ficou um livrinho com poucas páginas. Dos males o menor, pois livro grosso afasta  leitores incipientes.

               Desejo a todos uma boa leitura, mas peço complacência com este amigo que inventou de ser escritor e poeta.