Trata-se de textos escritos a partir de experiências com pessoas, jovens e/ou adultas, para levar à reflexão sobre alguns aspectos da vida, como política, literatura, História, Felicidade. DEIXE UM COMENTÁRIO
quinta-feira, 27 de março de 2014
sexta-feira, 21 de março de 2014
O QUE HÁ NUM BEIJO?
A letra da música, tema da novela
Baila Comigo, indagava “What’s in a
kiss?”. Em tradução, deve-se ler “o que há num beijo?” ou “O que tem de mais
num beijo?”. Realmente, aparentemente
não há nada de mais em uma bicota ou selinho, como queria a dinossáurica Hebe
Camargo. Entretanto não é bem o que vemos nove meses após o fim do carnaval,
regado a muita bebida e a muito “axé music”, com Ivete e Bel exagerando nas
receitas de curtição:
“Quando você passa eu sinto seu cheiro
Aguça meu faro e disparo em sua caça, iaiá
Aguça meu faro e disparo em sua caça, iaiá
(...)
Me
abraça e me beija
Me chama de meu amor
Me abraça e deseja
Vem mostrar pra mim o seu calor”
Me chama de meu amor
Me abraça e deseja
Vem mostrar pra mim o seu calor”
Não vim aqui falar de beijos, tampouco de
ivetes e bels. Mas é que observando algumas atitudes, aparentemente inofensivas,
me lembrei da música de O’Sullivan e me arremeti aos temas carnavalescos e, por
que não dizer, animalescos. Recentemente estava numa fila de um desses postos
da Caixa espalhados pelo país, nas casas lotéricas, quando vi uma senhora se
aproximar de outra que estava bem encaminhada e solicitar-lhe que lhe pagasse as contas. A outra sem nenhuma
cerimônia aceitou a missão. E as pessoas que estavam na fila também não se
importaram. Uma moça na minha frente fez, silenciosa, um comentário de
desagravo. Ao que eu retruquei que ela, a senhora-fura-fila, não tinha nenhuma
noção do que estava fazendo. Ela simplesmente acha normal. Não vê ali nenhuma
transgressão à ética social.
E continuei com minhas reflexões, enquanto presenciava mais uma ocorrência do gênero. Desta feita uma
senhora antes de adentrar o supermercado, colado a essa agência, deixou a mãe, possivelmente octogenária,
caquética, na fila preferencial. Quando voltou, assumiu o lugar da velhinha,
deixando-a confortavelmente sentada num banco de madeira, do lado de fora.
Quando estava na boca do caixa, chamou a mãe para não ser contrária aos bons
procedimentos. Ouvi alguns outros comentários contra aquela filha desalmada,
mas só quando a mesma se retirou. Desta vez fiquei calado.
Mas a surpresa maior estava por vir. Depois de quarenta minutos de fila,
sem nenhum estresse, pois acho a fila a única instituição realmente
democrática, pois, mais do que a morte, ela nos nivela, sem nenhuma
discriminação, não obstante essa democracia ser constantemente vilipendiada,
como a outra, a falsa. Pois bem, após quarenta minutos, estou eu na boca do
caixa. E foi aí que me veio a maior decepção que um educador pode ter. Uma
colega de profissão, supostamente minha amiga, aparece-me como um fantasma, com
as mãos cheias de contas, após um longo suspiro me, entrega a carga, ou melhor,
tenta me entregar dizendo “que bom encontrar você aqui”. Dei uma rápida olhada
para trás, vi que a fila estava bem maior do que quando cheguei, olhei-a meio
atordoado, mas tive coragem e lhe disse “vamos respeitar as pessoas que estão
na fila”. A mesma ficou lívida, sua face quase se afoga num esgar de surpresa.
Virou o rosto e sem se despedir, foi para o final da fila, sem me deixar
externar a única saída para a situação que era oferecer-lhe o meu lugar.
Próximo ao condomínio onde moro há uma padaria a qual frequento
esporadicamente. Sempre que lá me encontro, sempre pela manhã, vejo policiais
do (quase extinto) Ronda do quarteirão merendando uma merenda nada frugal. Após
o lanchinho eles saem sem pagar. Qualquer um infeliz que por ventura esteja
lendo esta crônica, com certeza, já deve ter presenciado cenas desse tipo em
padarias, lanchonetes, churrascarias, restaurantes. Os donos dos
estabelecimentos não reclamam, pois recebem uma “proteçãozinha” extra. Certa
vez em um supermercado, vi um cidadão, com o perdão da palavra, tomando
calmamente uma cerveja no interior do estabelecimento. Nada de mais, pois
muitos o fazem, e os gerentes também não se importam. É uma forma de manter o
cliente no interior da loja por mais tempo. O caso é que o homem se dirigiu ao balcão de
frios, pediu uma fatia de presunto para provar. Após saboreá-lo, deixou
discretamente o vasilhame de cerveja, vazio, sobre embalagens de salsichas e
saiu tranquilamente. Ele deve ter pensado consigo: “como eu sou esperto, bebi e
ainda tirei o gosto”, e deve ter ajuntado a esse pensamento o seguinte: “os
supermercados são ricos, tiram de nós, mas eu tiro deles”. Santa ignorância,
Batman!
Sei que todos sabem, mas eu vou lembrar: todas essas atitudes são atos de
corrupção, tão graves quanto desviar 40 milhões de dólares da Previdência
Social, como pagar aos deputados para que esses beneficiem o governo. Então
não adianta sairmos por aí falando mal dos políticos, das autoridades corruptas,
que nos envergonham com mensalões e mensalinhos, se praticamos os mesmos atos
que corrompem a ética de convivência. Que país estamos querendo construir, que
cidadãos queremos formar em nossos alunos e em nossos filhos? Acho que essa
deveria ser a pergunta que devemos fazer antes de furar uma fila, comer um
bombom escondido em um supermercado ou desviarmos a verba da merenda escolar.
(Professor Alves, março de 2014)
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
ATÉ BREVE!
Quando o moço do socorro, depois de examinar lhe o homem, virou-se e,
atabalhoadamente, perguntou se ela tinha plano funerário, a vista escureceu de
tal forma que ela teve de se segurar para não desabar. O moço então lhe repetiu
a pergunta. Ela interrogou-me com os olhos “como assim, plano funerário, pra
que eu quero um plano funerário?” Respondi ao moço o que ele queria ouvir. Em
seguida pus a mão em seu ombro e percebi lhe certa vertigem. Para minha
surpresa, depois que o socorro se retirou, ela se dirigiu à cozinha, pegou um pano
molhado e pôs-se a esfregar o chão. Não pude ler seus pensamentos, mas entrevi
uma preocupação: “ele vai despertar e não vai gostar de ver o chão sujo”. Em
seguida estrondou-se em uma gargalhada como lhe era habitual. Deve ter pensado
“mas ele nunca exigiu nada, era eu quem mandava nele” e entoou baixinho “sim
senhora”. Era esse o bordão que ele sempre usava. Ao que se virou para mim e
disse: “ah! meu amigo, não posso acreditar”.
Estávamos só nós dois. Ela me acordara cedo, aos gritos de “meu homem
está morrendo”, Saí estonteado, correndo. Ainda o vi com a última respiração em
progresso. A última! Liguei para o socorro que constatou o óbvio, o qual os seres humanos séculos após séculos ainda
teimam em não aceitar. Sentei-me entristecido, olhando aquela mulher encanecida,
sem filhos, sem ninguém. Agora ela estava sem ninguém. O companheiro de sempre,
de todos os dias, de todas as horas, de todos os minutos, de todas as brigas
havia desencarnado. Jazia agora o corpo, o qual ela espera de súbito
levantar-se e dizer “sim senhora”, mesmo de brincadeira. Eu me postara sem
pensar. Olhando o vazio. No fundo eu também esperava vê-lo se levantar e dizer “sim senhor” e rir-se
diante da pilhéria, como era seu costume.
Quando o gato entrou, percebeu, pelo seu instinto, algo errado. Percebi
que farejava o ar. Levantou as orelhas, como a escutar o inaudito. Em seguida,
embarafustou-se para a cozinha, em busca de algo para comer. Ela riu e foi
cuidar do gato. Estava demorando a presença de mais pessoas. Só a minha e a
dela não bastavam. Eu tinha dado dois ou três telefonemas. Quando o gato já ia
saindo, olhando de través e lambendo os
beiços, é que começaram a chegar as primeiras caras. Familiares, amigos,
curiosos, que não acreditam na morte e precisam vê-la para nela crerem. Alguém
trouxe café, outros chegavam com bolachas, pães, torradas. Enquanto se
conversava na sala, assuntos de mortes, histórias semelhantes, outras nem
tanto, observei que ela adentrara o quarto e trancara a porta. Pela fresta da
imaginação, pude vê-la num último adeus ao companheiro de todas as noites. A
mão tocando-lhe o corpo inerte, acariciando lhe a barba tantas vezes afagada, outras tantas beijada. Pude
sentir sua pressão subir, abraçando o corpo de todos os tempos, de todas as
glórias, a boca entreaberta para o último beijo. O homem ainda estava ali. Era
preciso possuí-lo rapidamente antes eu alguém pudesse interromper...
No velório estávamos na mesma posição. Era como se nada tivesse mudado,
como se não tivesse tomado banho, trocado de roupa. Os olhos fitos no vazio,
buscando uma explicação para o que já não precisa ser explicado. Aliás para o
que nunca necessitou de explicação. Ela, de negro, acariciava o homem, antes
que nada mais houvesse, antes que nada mais sentisse, antes que a vida perdesse
o sentido. Até a hora estrema em que os estremos se unem finalmente. O que é pó finalmente volte ao pó, e o que é
espírito se encaminhe para os iguais.
Não houve choros, não houve cenas. Apenas o corpo descendo à terra,
cercado de madeira, envolto na escura mortalha, como se não bastasse a
escuridão do túmulo. Em determinado momento, não sei por quê, meus olhos
buscaram os dela. E li neles uma promessa. Não uma promessa de vida, não uma
promessa de carne. Mas uma promessa de almas. “Até breve, meu homem. Não
saberei viver o resto de minha velhice sem os nossos dias, sem as nossas
brigas, sem as nossas risadas, sem os nossos porquês. Até breve, meu amigo, a
única coisa que me enlaçava à dor vivente, não está mais comigo. Não te afastes
de mim, não vá muito longe. Em breve,
estaremos juntos novamente... e aí você vai me explicar a história daquele
telefonema misterioso”.
(Professor Alves, janeiro de 2014)
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
SE TODAS AS MULHERES FOSSEM RESOLVIDAS COMO A DA HISTORINHA ABAIXO, CHAUVINISTAS COMO O SR. ALAN III NÃO PRATICARIAM ATROCIDADES COMO A DE DOMINGO.
Era uma vez... numa terra muito
distante...uma princesa linda, independente e cheia de autoestima.
Ela se deparou com uma rã, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo. A tua mãe poderia vir morar conosco, e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!
Luis Fernando Veríssimo
Ela se deparou com uma rã, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo. A tua mãe poderia vir morar conosco, e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ
Quem construiu a
Tebas de sete portas?
Nos livros estão
nomes de reis.
Arrastaram eles os
blocos de pedra?
E a Babilônia
várias vezes destruída —
Quem a reconstruiu
tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada
moravam os construtores?
Para onde foram os
pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está
cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem
Triunfaram os
Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente
palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam
gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou.
O jovem
Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os
gauleses.
Não levava sequer
um cozinheiro?
Filipe da Espanha
chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém
mais chorou?
Frederico II
venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além
dele?
Cada página uma
vitória.
Quem cozinhava o
banquete?
A cada dez anos um
grande homem.
Quem pagava a
conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
BERTOLD BRECHT
BEBIDAS E DÚVIDAS
Todos temos motivos pra beber,
cerveja, wodka, rum, conhaque e outros tipos de bebidas alcoólicas.
Mas
que motivos mais nos levam a ir ao primeiro gole? Geralmente os momentos
alegres, comemorativos, conquistas, tristezas e até mesmo para passar o tempo,
ocupar o vazio pessoal.
E eu? qual ou quais são os meus motivos? Ou já não
preciso mais de motivos? O ato já faz parte da minha rotina. O que imagino
quando pego o copo para tomar umas cervejas? Tenho apenas o impulso e não crio
questionamentos se estou certo ou errado; se vai me fazer bem ou vai trazer consequências
que sequer imagino; se ficarei alegre,
se irei me tornar uma pessoa mais amável, carinhosa e responsável? Me acende uma pequena luz de alerta? E eu, o que faço? deixo pra lá o aviso, prossigo no me lazer? Beber
mais um copo, esquecendo de tudo quanto é importante, trabalho, amigo, casa
família...? Ah, família! Eles entendem, afinal estou em casa todos os dias! Sou
eu quem trabalha, ganha o sustento. Eu mereço o meu lazer.
Às
vezes tenho dúvidas de com o chego em casa? Lembro de como cheguei? Com quem falei e como falei? Fui gentil, amável ou
tratei-os de forma ríspida? Afinal, como cheguei? O meu comportamento é o mesmo
de quando saí? continuo calmo, amoroso, aquele companheiro que todos desejam? A
família ficou alegre com a minha chegada e da forma como cheguei?
É,
parece que tenho muitas dúvidas, perguntas a responder honestamente a respeito
dos benefícios de umas “cervejinhas”! Um dia quem sabe eu descubro a respeito
destes questionamentos... Um dia... mas que esse dia chegue antes que o “fundo
do poço” chegue até a mim. Um dia...quando a luz da consciência brilhar mais
forte.
(Seu João, irmão que
conduz a leitura do Evangelho às quartas e quintas-feiras, Gepe Piedade)
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
ATÉ ISSO PASSARÁ
Hoje
a piscina estava vazia. Não que estivesse sem água. Pelo contrário, a água
transbordava ao sopro do vento matinal. Não que não houvesse pessoas. Muito
pelo contrário, estava repleta de cabeças, troncos e membros. Havia,
entretanto, um silêncio, que a tornava vazia, com um zumzumzum
baixinho, silente. Vez por outra, ouvia-se um riso, porém tênue, como se
houvesse um acordo para que se mantivesse apenas o som do silêncio.
Não, não fiquem consternados. Ninguém
morreu, ninguém com enfermidade grave. Mas é sempre assim quando seu Joaquim
não aparece por aqui. Ninguém sabe por quê, de repente ele não compareceu.
Possivelmente algum compromisso fortuito, desses que chegam sem aviso e nos
tiram dos compromissos rotineiros. Daí o motivo daquela quase entorpecimento na
aula de hidroginástica. Do meu canto vislumbrei alguns olhares indecisos,
arapongas na direção do portão. O professor quebrou o silêncio, quase sem
querer, indagando pelo cliente faltoso. As amigas ficaram órfãs por hoje. Não
estavam tristes, apenas não estavam à vontade, como que sentindo que a manhã
estaria incompleta, com a ausência do amigo.
Mas sabemos que daqui a dois dias,
logo cedo, Seu Joaquim adentrará o portão, já sorridente, indagador,
cumprimentador. E logo a água da piscina sorrirá ao embalo do vento mais solto.
O professor Metusalem, com seus trocadilhos à vovó, indagará sobre os netos,
sobre a obra, sobre a garrafada alemã, pseudo motivo de toda aquela virilidade.
Com respostas rápidas e sem papas, Seu Joaquim irá respondendo e acrescentando
tantas outras pilhérias, levando muitos à descontração. Outros clientes, um
pouco ingratos, torcerão a face a esse mundo de brincadeiras, tecendo comentários,
mas, no fundo, rindo de todo aquele bom
humor. E as amigas perdoarão a ausência passada e voltarão a sorrir, com a
plenitude daquela manhã.
Entretanto haverá uma manhã em que a
piscina estará vazia. Não por falta d’água, não porque não tenha gente. Mas
porque tudo nessa vida é efêmero, tudo é passageiro, inclusive o trocador e o
motorista. E toda essa alegria também um dia passará e ficará apenas na
lembrança daqueles que convivem com seu Joaquim.
(Agosto
de 2013)
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