quinta-feira, 16 de novembro de 2023

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO 

“Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o motor em movimento. Voltei-me e dei com uns olhos grandes e parados como os de um bicho, a me espiar, através do vidro da janela, junto ao meio-fio. Eram de uma negrinha mirrada, raquítica, um fiapo de gente, encostada ao poste como um animalzinho, não teria mais que uns sete anos. Inclinei-me sobre o banco, abaixando o vidro:


– O que foi, minha filha? – perguntei, naturalmente pensando tratar-se de esmola.

– Nada não senhor – respondeu-me, a medo, um fio de voz infantil.

– O que é que você está me olhando aí?

– Nada não senhor – repetiu. – Esperando o bonde…

– Onde é que você mora?

– Na Praia do Pinto.

– Vou para aquele lado. Quer uma carona?

Ela vacilou, intimidada. Insisti, abrindo a porta:

– Entra aí, que eu te levo.

Acabou entrando, sentou-se na pontinha do banco, e enquanto o carro ganhava velocidade, ia olhando duro para a frente, não ousava fazer o menor movimento. Tentei puxar conversa:

– Como é o seu nome?

– Teresa.

– Quantos anos você tem, Teresa?

– Dez.

– E o que estava fazendo ali, tão longe de casa?

– A casa da minha patroa é ali.

– Patroa? Que patroa?

Pela sua resposta pude entender que trabalhava na casa de uma família no Jardim Botânico: lavava, varria a casa, servia a mesa. Entrava às sete da manhã, saía às oito da noite.

– Hoje saí mais cedo. Foi jantarado.

– Você já jantou?

– Não. Eu almocei.

– Você não almoça todo dia?

– Quando tem comida pra levar, eu almoço: mamãe faz um embrulho de comida para mim.

– E quando não tem?

– Quando não tem, não tem – e ela até parecia sorrir, me olhando pela primeira vez. Na penumbra do carro, suas feições de criança, esquálidas, encardidas de pobreza, podiam ser as de uma velha. Eu não me continha mais de aflição, pensando nos meus filhos bem nutridos – um engasgo na garganta me afogava no que os homens experimentados chamam de sentimentalismo burguês.

– Mas não te dão comida lá? – perguntei, revoltado.

– Quando eu peço eles me dão. Mas descontam no ordenado, mamãe disse pra eu não pedir.

– E quanto você ganha?

– Mil cruzeiros.

– Por mês?

Diminuí a marcha, assombrado, quase parei o carro, tomado de indignação. Meu impulso era voltar, bater na porta da tal mulher e meter-lhe a mão na cara.

– Como é que você foi parar na casa dessa… foi parar nessa casa? – perguntei ainda, enquanto o carro,ao fim de uma rua do Leblon, se aproximava das vielas da Praia do Pinto. Ela disparou a falar:

– Eu estava na feira com mamãe e então a madame pediu para eu carregar as compras e aí noutro dia pediu à mamãe pra eu trabalhar na casa dela então mamãe deixou porque mamãe não pode ficar com os filhos todos sozinhos e lá em casa é sete meninos fora dois grandes que já são soldados pode parar que é aqui moço, brigado.

Mal detive o carro, ela abriu a porta e saltou, saiu correndo, perdeu-se logo na escuridão miserável da Praia do Pinto.”

ELOQUÊNCIA SINGULAR

 

 Crônica de Fernando Sabino


Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: eu não sou daqueles que…

O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que…

Não sou daqueles que recusam… No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa? — ele que tão facilmente caia nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que… Resolveu ganhar tempo:

— …embora perfeitamente cônscio das minhas altas responsabilidades como representante do povo nesta Casa, não sou…

Daqueles que recusa, evidentemente. Como é que podia ter pensado em plural? Era um desses casos que os gramáticos registram nas suas questiúnculas de português: ia para o singular, não tinha dúvida. Idiotismo de linguagem, devia ser.

— …daqueles que, em momentos de extrema gravidade, como este que o Brasil atravessa…

Safara-se porque nem se lembrava do verbo que pretendia usar:

— Não sou daqueles que…

Daqueles que o quê? Qualquer coisa, contanto que atravessasse de uma vez essa traiçoeira pinguela gramatical em que sua oratória lamentavelmente se havia metido de saída. Mas a concordância? Qualquer verbo servia, desde que conjugado corretamente, no singular. Ou no plural:

— Não sou daqueles que, dizia eu — e é bom que se repita sempre, senhor Presidente, para que possamos ser dignos da confiança em nós depositada…

Intercalava orações e mais orações, voltando sempre ao ponto de partida, incapaz de se definir por esta ou aquela concordância. Ambas com aparência castiça. Ambas legítimas. Ambas gramaticalmente lídimas, segundo o vernáculo:

— Neste momento tão grave para os destinos da nossa nacionalidade.

Ambas legítimas? Não, não podia ser. Sabia bem que a expressão “daqueles que” era coisa já estudada e decidida por tudo quanto é gramaticóide por aí, qualquer um sabia que levava sempre o verbo ao plural:

— …não sou daqueles que, conforme afirmava…

Ou ao singular? Há exceções, e aquela bem podia ser uma delas. Daqueles que. Não sou UM daqueles que. Um que recusa, daqueles que recusam. Ah! o verbo era recusar:

— Senhor Presidente. Meus nobres colegas.

A concordância que fosse para o diabo. Intercalou mais uma oração e foi em frente com bravura, disposto a tudo, afirmando não ser daqueles que…

— Como?

Acolheu a interrupção com um suspiro de alívio:

— Não ouvi bem o aparte do nobre deputado.

Silêncio. Ninguém dera aparte nenhum.

— Vossa Excelência, por obséquio, queira falar mais alto, que não ouvi bem — e apontava, agoniado, um dos deputados mais próximos.

— Eu? Mas eu não disse nada…

— Terei o maior prazer em responder ao aparte do nobre colega. Qualquer aparte.

O silêncio continuava. Interessados, os demais deputados se agrupavam em torno do orador, aguardando o desfecho daquela agonia, que agora já era, como no verso de Bilac, a agonia do herói e a agonia da tarde.

— Que é que você acha? — cochichou um.

— Acho que vai para o singular.

— Pois eu não: para o plural, é lógico.

O orador seguia na sua luta:

— Como afirmava no começo de meu discurso, senhor Presidente…

Tirou o lenço do bolso e enxugou o suor da testa. Vontade de aproveitar-se do gesto e pedir ajuda ao próprio Presidente da mesa: por favor, apura aí pra mim, como é que é, me tira desta…

— Quero comunicar ao nobre orador que o seu tempo se acha esgotado.

— Apenas algumas palavras, senhor Presidente, para terminar o meu discurso: e antes de terminar, quero deixar bem claro que, a esta altura de minha existência, depois de mais de vinte anos de vida pública…

E entrava por novos desvios:

— Muito embora… sabendo perfeitamente… os imperativos de minha consciência cívica… senhor Presidente… e o declaro peremptoriamente… não sou daqueles que…

O Presidente voltou a adverti-lo que seu tempo se esgotara. Não havia mais por que fugir:

— Senhor Presidente, meus nobres colegas!

Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu o peito de desfechou:

— Em suma: não sou daqueles. Tenho dito.

Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as palmas romperam. Muito bem! Muito bem! O orador foi vivamente cumprimentado.

domingo, 12 de novembro de 2023

UMA VELA PARA DARIO

 

DALTON TREVISAN

Dario vem apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Assim que dobra a esquina, diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega, senta-se na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o cachimbo.  
 
Dois ou três passantes à sua volta indagam se não está bem. Dario abre a boca, move os lábios, não se ouve resposta. O senhor gordo, de branco, diz que deve sofrer de ataque.  
 
Ele reclina-se mais um pouco, estendido na calçada, e o cachimbo apagou. O rapaz de bigode pede aos outros se afastem e o deixem respirar. Abre-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario rouqueja feio, bolhas de espuma surgem no canto da boca.  
 
Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. Os moradores da rua conversam de uma porta a outra, as crianças de pijama acodem à janela. O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Ma não se vê guarda-chuva ou cachimbo a seu lado.  
 
A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.  
 
Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que façam um gesto para espantá-las.  
 
Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.  
 
Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados com vários objetos de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade.  
 
Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: é a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes.  
 
O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo os bolsos vazios. Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio quando vivo só destacava molhando no sabonete. A polícia decide chamar o rabecão.  
 
A última boca repete. Ele morreu, ele morreu. A gente começa a se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar de um defunto.  
 
Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.  
 
Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.  
 
Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.  

Conto publicado no livro 33 Contos Escolhidos, Ed. Record

terça-feira, 15 de agosto de 2023

O PROFESSOR INVENTIVO

 

(Por Alves Andrade)


Fazia seis anos que eu ministrava aula naquela conceituada escola. Não vou citar seu nome porque ela não existe mais, e é complicado falar dos mortos a não ser coisas boas. E o que eu vou narrar aqui, nisso que chamo crônica, apesar de não ser ruim, também não é nada de bom. É um episódio que ficou registrado mais em minha memória do que nos anais daquela instituição, que não existe mais.

Como já afirmei, fazia seis anos que ali trabalhava no departamento de Língua Portuguesa. Fazia pouco tempo que havia me iniciado nessa inglória luta que é vender algo que ninguém quer comprar, a educação, o conhecimento. Somos bárbaros, invadindo o desconhecido, impondo nossos saberes, mesmo sabendo que seremos a todo instante combatido pela ignorância e a decisão de não abandonar essa bastilha. Mas com jeitinho, vamos conquistando um e outro território, muitas vezes inexplorados. E assim vamos, espada em riste, sorriso nos lábios e uma vontade danada de ver todo mundo compreendendo as entranhas de um texto. É esse o desejo do professor de Língua Portuguesa. Pois bem. Apesar de todo esse embate havia muitos alunos e alunas que admiravam nosso trabalho. Tinha, inclusive, recebido alguns elogios de alguns pais, cujas palavras elogiosas me foram repassadas pela direção daquela instituição de ensino.

Até que chegou, para completar o quadro de Língua Portuguesa, Janjão. Seu nome era João Luiz, mas todos o conhecemos pelo apelido. Chegou na segunda antecedente ao carnaval daquele ano. Um sorriso largo, uma viola debaixo do braço e muita brincadeira na sala de aula. Além disso trazia um monte de anedotas que desfolhava na sala dos professores para alegrar a todos nós.

A partir daquele momento ficou difícil entrar na sala de aula depois que Janjão saía. Todos queriam acompanhá-lo, levá-lo até à outra sala aonde deveria levar sua alegria. Ouvia-se de longe os aplausos dos outros alunos ao recebê-lo. Começávamos a aula ainda vendo nos olhos dos alunos a lembrança da passagem de Janjão. Para mim era mais complicado. Minhas aulas se resumiam a leitura, debate sobre a leitura feita, apresentação por parte dos alunos de alguns textos, trazidos por eles ou não e, uma vez por semana, contação de história. Os alunos adoravam, antes da chegada de Janjão. Suas aulas eram regadas a piadas, canções, gramática mnemônica. Certa vez, o diretor, na sala dos professores sugeriu que fôssemos como Jãnjão, criativos, boas pintas, modernos.

Até que acabou. O repertório se esvaiu, as piadas tomaram o caminho da repetição, aquela forma de ensinar gramática, tão atraente, tornou-se um carrilhão de bordões de cansar os ouvidos. O baile foi aos poucos se acabando.

Era véspera de sete de setembro daquele mesmo ano, quarta feira. O feriado seria na quinta. Nosso inventivo professor resolveu inventar um feriadão. Aproveitando sua boa relação com os alunos e alunas, combinou que ninguém iria na sexta. Assim, sua falta não seria notada e ele poderia gozar aqueles quatro dias de folga. E assim se deu. Na sexta feira, estavam presentes todos os alunos e todas as alunas, menos o professor. E as conversas eram uma só: “Ele pediu pra gente não vir”, “Ele disse que confiava na gente”, bla, bla, bla. Não preciso dizer o que aconteceu na segunda feira. As aulas dele foram divididas entre os demais professores da área. As aulas voltaram ao normal, e vez por outra fazíamos uma aula diferente, mas que sempre voltavam ao normal na sequência dos dias letivos.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

DO QUEM É A CULPA?


(Alves Andrade)


Há duas semanas, durante uma aula de Espanhol, trabalhando com adjetivos, enquanto analisávamos alguns exemplos em Português dessa classe gramatical e sua função de modificador, um aluno me perguntou se eu iria dar aula de Português. Expliquei-lhe, então, que estava trabalhando com aqueles exemplos para em seguida transitar para o Espanhol, lembrando-lhes o aspecto concordância nominal. Feito.

Na mesma semana, em uma outra turma, trabalhando com o gênero sinopse, ao mesmo tempo em que trabalhávamos com vocabulário Ligado à teoria Literária, fiquei assaz surpreso ao perceber que para muitos do grupo, que já havia estudado teoria literária em Literatura de Língua Portuguesa, aqueles vocábulos eram estranhos. Os vocábulos eram ficción, versión, argumento, técnica narrativa, novela etc. Era-lhes difícil relacionar esses termos com os outros que haviam estudado em Português.

Nesta semana, estudando os tempos do pretérito, buscando, no apagar das luzes, uma definição para o pretérito pluscuamperfecto, encontrei em um site a seguinte definição:

El pretérito pluscuamperfecto de indicativo se utiliza en español para expresar la anterioridad de una acción pasada respecto a otra también pasada. Es decir: es el pasado del pasado. (disponível em https://espanol.lingolia.com/es/gramatica/tiempos/preterito-pluscuamperfecto)

Transcrevi a explicação, omitindo a expressão “en español”. E fiquei me perguntando de quem é a culpa pelo pouco aprendizado dos alunos com relação aos conteúdos ministrados em sala de aula e em qualquer disciplina. Será dos professores, que não estamos lendo, estudando, nos preparando o suficiente para as aulas? Será dos alunos, os quais não estão nem aí para o que tentamos ensinar-lhes ou pela sua pouca inteligência? Será dos pais, que não estão preparando seus filhos para encarar com seriedade o mundo, a partir do universo sala de aula? Ou será da falta de peia, como adoram dizer alguns, criticando a juventude hodierna?

Observo dia a dia a prática dos meus colegas em nosso local de trabalho. Vejo sua faina diária com o intuito de buscar a melhor forma de trabalhar cada conteúdo. Como são belos, em suas magistrais posturas. Cortando papel, preparando slides, ouvindo músicas, montando jogos, selecionando conteúdos… Estão, pois, devidamente absolvidos.

Se cada pessoa tem seu momento, ou o seu tempo, para aprender algo. Se cada aluno tem uma capacidade diferenciada de assimilar conteúdos diversos. Se cada criança possui uma predisposição para determinada área de conhecimento. Então todos têm o mesmo nível de inteligência, portanto todos estão aptos a aprenderem, em seu tempo, Português, Matemática, História… Também não podemos dizer que não estão nem aqui para os ensinamentos, pois sabemos que muitos se esforçam ano após ano, às vezes exaustivamente, mas no conjunto os ensinamentos não ficam. Estão, portanto, redimidos.

Os pais, por menos preparados que sejam, estão sempre preocupados com o futuro dos filhos, salvo raras exceções. Sabem que o melhor está na escola, no aprendizado de conteúdos que os levarão a uma universidade ou a um curso técnico que lhes possibilitará um emprego no futuro. Assim, estão isentos da culpa.

É sabido que à época da palmatória ou da vara no lombo foi um dos períodos negros da educação e que essa prática afugentava os alunos, sobremaneira da Escola Pública, onde essa prática era constante. O Educador Hippolyte Denizard Rivail, na frança oitocentista, alertava que educar é antes de tudo um ato de amor. Pregava Alan Kardec (pseudônimo de Rivail na codificação do Espiritismo) que o principal elo entre o educando, o educador e o aprendizado é a empatia, é o tratamento amigável. Pregava ainda que qualquer um que não tivesse esses atributos não poderia ser educador. Desse modo, a vara e a palmatória estão fora do processo.

Mas quem ou o que é o culpado do entrave no aprendizado dos alunos? Simples o sistema vigente. Cheguei a essa conclusão a partir da reflexão feita nos ocorridos registrados aqui, nos três primeiros parágrafo. Os conhecimentos, que deveriam estar interligados, estão todos soltos, como se Português, História, Matemática e Literatura, por exemplo, fossem conhecimentos estranhos entre si. Mas o que me surpreende é quando se trata de ensino de línguas. Não existe adjetivo em Língua Portuguesa, Língua Espanhola, Língua Alemã ou mesmo Língua Chinesa. Adjetivos existem em todos os idiomas, assim como os tempos do pretérito e a Teoria Literária. Não nos esqueçamos que aprendemos, compreendemos a linguística através do francês Saussure e do russo Mikhail Bakhtin. Mas, infelizmente, os alunos não sabem disso. O sistema, não só educacional, mas histórico-socio-político-educacional, já que todas as nossas ações são políticas, históricas, sociais e visam a Educação, busca em grande azáfama destruir o elo que une as pessoas. Para a elite, que manipula e dita nosso dia-a-dia, quanto mais separar melhor. Assim a ideia do coletivo vai mais uma vez para o espaço. A desagregação é generalizada. Não somos mais um povo, somos católicos, mulçumanos, judeus, evangélicos, brasileiros, venezuelanos, petistas, nazistas. Nada temos em comum. É preciso que cada um ocupe seu espaço e tome o do outro, que cada um diga que é o melhor, que mande no outro, uma vez que não podemos trabalhar juntos. Assim a nossa Democracia nunca se consolidará. E no meio desses fogos cruzados, dessas ordens cuspidas, está o jovem, devorado e devorador, destruído e destruidor, perdido e perdedor.

Como bem disse Caetano, precisaremos de mais zil anos, para juntar os pedaços do uno que fomos, porque enquanto os homens exercerem dessa forma seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede serão sempre gestos naturais.