quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O CIRCO DA MINHA INFÂNCIA


Muitas coisas da nossa infância nos assaltam de vez em quando. O interessante é que existem modelos, criam-se em nossas mentes paradigmas para o que acontece mais de uma vez. Os circos da minha infância foram inúmeros, de diversas cores e nomes, com artistas dos mais diferentes matizes. Entretanto aquele que meu inconsciente elegeu para repetir através das gerações foi um só.


      Em épocas determinadas do ano aparecia o circo. Estava brincando no quintal quando ouvia a algazarra, gritos da molecada a que eu deveria me juntar, se mamãe deixasse, é claro. Do quintal ainda ouvia os primeiros gritos: “Hoje tem espetáculo, tem sim, senhor... O palhaço o que é? É ladrão de mulher...” Corria para a calçada a fim de ver passar o cortejo liderado pelo palhaço da perna de pau, e sorriso largo, e roupa colorida. Depois de passada a parada, restava-nos saber onde estava sendo armada a enorme tenda. Que alegria! Desta feita era lá no campo, bem próximo à nossa casa.



       À tarde, depois de voltar da escola, fomos para lá, ver a armação do circo. E lá estavam todos os artistas uniformizados de operários. A gente os reconhecia porque eram diferentes de pele e cabelo. As moças eram todas loiras e brancas, os homens delgados ou fortes ao extremo. O mastro central subia e com ele o pano que obstruiria de nossas famintas mentes o mistério do circo, apesar da infinidade de buracos.

        No dia, seguinte já armado, o circo se preparava para a estréia. Minha cabeça era repleta daquele mistério. Ai que vontade de ser invisível para ir lá, saber o que estava se passando, sobre o que conversavam. O pior é que logo vinham as histórias, criadas pelas mentes ou vistas de fato, pelas frestas impenetráveis da estrutura circense: “Quem tiver gato que esconda porque o domador está comprando gato para dar de comer aos leões.” “Dizem que o filho de dona sicrana sumiu, que foi pisoteado pelo elefante e enterrado numa das barracas”...

      À noite estávamos lá, ávidos pela magia do circo, sentados nas arquibancadas de madeira, que tremiam e beliscavam nossas bundas, mas nem sentíamos. Sob a má iluminação, vinha o equilibrista, andando no arame, de vez em quando desequilibrava, tirando um “UUU” da garganta da plateia, cujos olhos não desgrudavam um décimo da cena. Em seguida era a vez do atirador de facas, que maestria, que segurança; a moça, pregada na tábua, ria desafiando as pontiagudas lâminas que cortavam o ar e se colavam a milímetros do seu corpo! Diante de uma salva de palmas, entrava o homem mais forte do mundo, que antes se apresentara como equilibrista e atirador de faca. Como era forte, segurava dois carros de motor ligado e acelerador pisado! O mágico e o palhaço encerravam a noite. E íamos dormir com as mentes repletas de sonhos. Embalado por Morfeu, ainda tinha tempo de sonhar com a bela loira das facas, que era também ajudante de mágico e a trapezista.

     Quando começava a perder a graça, quando os truques do mágico já eram abertamente desvendados nos balcões dos bares, quando já se punha em xeque a força do homem mais forte do mundo, o circo levantava pano, ia embora para bem longe. Ia despertar a imaginação, alimentar os sonhos de outras crianças. Apenas uma história era verdade: Depois da partida, uma mãe aparecia chorando, sua filha fora roubada pelo desalmado do palhaço. E a velha chorava até que alguns meses depois a filha pródiga voltava à casa materna, e trazia consigo uma criança, Talvez fosse o pagamento do palhaço à mãe entristecida.

(Professor Alves)

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