IMPOSSÍVEL SONHAR
Professor Alves
“Minha mão não tem mais palma!
Dói em reverência! Violência calma!”
Hoje queria escrever um texto no qual fizesse transbordar minha admiração infinda pela humanidade, que levasse aos olhos do leitor lágrimas de felicidade e lhe desse uma vontade enorme de sair às ruas e cumprimentar seus semelhantes. Queria contar uma história, pequena que fosse, mas que narrasse uma atitude digna de uma espécie a qual se orgulha de ser racional, e que servisse de exemplo para toda humanidade, principalmente à que se diz cristã.
Não, hoje eu não queria falar em políticos e seu cinismo indecente, diante da população rota, transida pela falta de tudo que lhes dê uma condição minimamente humana. Hoje eu queria dormir tranqüilo, ter sonhos bons que elevassem meu astral para o dia seguinte.
Queria falar sobre o sorriso das crianças; do amor, verdadeiro, dos anciãos; da ingenuidade dos namorados; da puerícia das cartas de amor; do infinito mistério do beija-flor e da impossibilidade do besouro.
Mas não é possível, depois do que eu presenciei. Uma cena indigna da inteligência humana. Foi um sonho dantesco, porém indigno da Divina Comédia Humana. Numa avenida, há tão pouco tempo calma, porém, já hoje, tumultuada pelo ir e vir dos carros, ironicamente, próximo a uma escola. Após uma pequena colisão, dessas que se vêem a todo instante numa cidade que cresce, sem nenhuma estrutura para dar alicerce a esse crescimento. O proprietário do veículo colidido, de arma em punho humilhava o outro, o vilão daquele sinistro. Enquanto vociferava, ordenando que o outro entrasse no seu veículo e fosse embora, mudava o revólver de mão. Naquele momento, como os cabelos de Sansão, a arma empunhada lhe dava poder, e ele crescia perante o outro, que, humilhado, constrangido, diminuía, apequenava-se diante da superioridade da arma. Não sei quem era maior, se o revólver ou o homem que se escondia por trás dela. Não sei quem era menor, se o homem humilhado ou a sua dignidade. Súbito percebi que a humilhação não era privilégio dele, ela era coletiva Todos que por ali passavam, fechados nos seus escudos de aço, sentiam-se abatidos por aquele homem poderoso e sua arma. Em câmara lenta, (Essa era a velocidade do momento, uma vez que a cena tornava-se infinita como num filme de John Woo), o homem com a moral destroçada entrava em seu carro.
Não vi o desfecho da cena. Não precisava. O desfecho foi a morte do homem, suposto responsável pela colisão. Impossível alguém sair vivo, pelo menos moralmente, depois de passar por aquilo. Infelizmente hoje à noite terei pesadelos.
(Fortaleza, 29/04/08)
Professor Alves
“Minha mão não tem mais palma!
Dói em reverência! Violência calma!”
Hoje queria escrever um texto no qual fizesse transbordar minha admiração infinda pela humanidade, que levasse aos olhos do leitor lágrimas de felicidade e lhe desse uma vontade enorme de sair às ruas e cumprimentar seus semelhantes. Queria contar uma história, pequena que fosse, mas que narrasse uma atitude digna de uma espécie a qual se orgulha de ser racional, e que servisse de exemplo para toda humanidade, principalmente à que se diz cristã.
Não, hoje eu não queria falar em políticos e seu cinismo indecente, diante da população rota, transida pela falta de tudo que lhes dê uma condição minimamente humana. Hoje eu queria dormir tranqüilo, ter sonhos bons que elevassem meu astral para o dia seguinte.
Queria falar sobre o sorriso das crianças; do amor, verdadeiro, dos anciãos; da ingenuidade dos namorados; da puerícia das cartas de amor; do infinito mistério do beija-flor e da impossibilidade do besouro.
Mas não é possível, depois do que eu presenciei. Uma cena indigna da inteligência humana. Foi um sonho dantesco, porém indigno da Divina Comédia Humana. Numa avenida, há tão pouco tempo calma, porém, já hoje, tumultuada pelo ir e vir dos carros, ironicamente, próximo a uma escola. Após uma pequena colisão, dessas que se vêem a todo instante numa cidade que cresce, sem nenhuma estrutura para dar alicerce a esse crescimento. O proprietário do veículo colidido, de arma em punho humilhava o outro, o vilão daquele sinistro. Enquanto vociferava, ordenando que o outro entrasse no seu veículo e fosse embora, mudava o revólver de mão. Naquele momento, como os cabelos de Sansão, a arma empunhada lhe dava poder, e ele crescia perante o outro, que, humilhado, constrangido, diminuía, apequenava-se diante da superioridade da arma. Não sei quem era maior, se o revólver ou o homem que se escondia por trás dela. Não sei quem era menor, se o homem humilhado ou a sua dignidade. Súbito percebi que a humilhação não era privilégio dele, ela era coletiva Todos que por ali passavam, fechados nos seus escudos de aço, sentiam-se abatidos por aquele homem poderoso e sua arma. Em câmara lenta, (Essa era a velocidade do momento, uma vez que a cena tornava-se infinita como num filme de John Woo), o homem com a moral destroçada entrava em seu carro.
Não vi o desfecho da cena. Não precisava. O desfecho foi a morte do homem, suposto responsável pela colisão. Impossível alguém sair vivo, pelo menos moralmente, depois de passar por aquilo. Infelizmente hoje à noite terei pesadelos.
(Fortaleza, 29/04/08)