sábado, 11 de setembro de 2010

CONTO DE NATAL



Sabe lá
o que é não ter
e ter que ter
pra dar”
(Djavan)

I
Mais uma vez dou tino à minha lira
pra tecer feitos de gente comum
pois como aqueles havidos na Grécia
não conheço neste mundo nenhum.
Infelizmente esse que vou contar
são verdadeiros e tristes de narrar.

II
Era dezembro de 1987,
corria o período natalino,
época em que os seres ficam melhores,
mais honestos, e o mundo mais hialino,
mas que infelizmente foi transformada
em troca: compra e venda celerada.

Eram nove horas e trinta da manhã
eu ia no ônibus pra trabalhar
quando escutei pelo rádio a notícia
de que o Banfort estavam a assaltar.
A notícia não era muito completa
informava de forma pouco reta.

Logo nas outras seguintes chamadas
diziam serem os assaltantes paulistas
já que em determinado momento
pediram lanche, refeição elitista,
que eram de alta periculosidade
mas não comprovavam aquela verdade.

Por onde se passava o assunto ouvido
nas esquinas, praças e elevadores
era aquele sinistro que infligia
aos reféns e bancários muitas dores.
Enquanto isso salvo no último andar
Sanches cigarrava calmo a cismar.

Na praça do Ferreira, alvorotados,
os curiosos punham-se a apostar
sobre o desfecho daquela atitude:
se a polícia o recinto ia adentrar
se os assaltantes iriam vencer
se algum refém iria perecer.

Como já foi informado logo acima
era bastante grande a confusão,
até o padre da igreja do Rosário
uma missa às pressas pois-se a rezar.
Temia pela vida dos bancários
que como refém estavam ali presos
pedindo a Deus que eles saíssem ilesos.

No escritório no qual eu labutava
não se comentava ali de outro assunto:
meio dia disse o noticiário
que os bandidos exigiram presunto
pra comer e uma coca pra beber,
pediram cigarro e um livro pra ler.

Assaz ousadia desses bandidos
queriam fazer o povo de besta,
beber também comer a sua custa!
E do assalto já estava na hora sexta.
Devia ser a quadrilha de Itu
pois no banco todo mundo era nu!
Mas tudo cheirava à especulação
algo estaria muito mal contado:
como assaltar às barbas da polícia
num local facilmente mapeado,
reclama-se comida a todo instante,
só sendo faminto ou muito ignorante.

A polícia, que cercara o local
desde cedo, só esperava o momento
de invadir incontinenti o ambiente
e acabar logo com aquele tormento.
Era o COE, que, então, amedrontava
e bandido ou cidadão exterminava.

Contavam cinco horas quando se deu
o desfecho já esperado por todos:
a famigerada equipe invadiu
o prédio e como brutos visigodos
dizimou a o bando ardiloso, pois,
uma quadrilha formada por elementos dois.

A cidade estava, portanto, livre
daqueles facínoras destemidos
que a ela um dia de cão lhe infligiu,
encarnaram Lampião, esses bandidos,
assaltantes, vilões e criminosos
homens sem lei e passados duvidosos.

III
Nas horas seguintes, a verdadeira
história entretanto subiu à tona
quando os bandidos enfim foram abertos
a versão oficial foi à lona
podem imaginar que é mentira minha
mas nos corpos só encontraram farinha.

Portanto em minha cabeça eu fiquei
tentando compor aquela história
só justificada por uma triste
sina, produto de uma vida inglória
efeito do consumismo feroz
fruto desse capitalismo atroz.

Corria dezembro de oitenta e sete,
como bem acima já fora escrito.
Ano do plano Cruzado e daqueles
os quais combatiam o maior delito
o aumento desordenado de preços,
roubando de muitos os endereços.

O controle de preços e da inflação
gerou um falso nacionalismo
uma falsa noção de estabilidade
e estimulou em muito o consumismo
levando à grande corrida ao comércio
tornando o povo totalmente néscio.

Nessas épocas todo apelo é pouco
as lojas inventam tudo pra vender:
brinquedo, roupa a eletrodoméstico.
A gente fica louca pra poder
pior, tudo não passa de ilusão
ninguém paga a conta em televisão.

Naquele mês daquele ano fatídico,
os dois facínoras, desempregados,
viam os apelos da mídia e dos filhos:
quero um brinquedo bonito, animado
não esqueça, papai, a minha Calói.
Quero sanduíche, a barriga dói.

Foram tantas propagandas e pedidos
que eles, coitadamente, fraquejaram
e durante um bom tempo armaram o plano
e naquele dia o banco assaltaram,
e o resultado já sabemos nós:
fuzilaram-nos qual bicho feroz.

IV
Entanto o que eu realmente queria
que esse povo tivesse Educação
pois não existe nada mais insano
que viver sem ter os dois pés no chão,
adotando tudo que a mídia diz
como recurso pra se ser feliz.

Julho de 2003
FIM

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