domingo, 6 de novembro de 2011

A RUA DOS POSTES



          Passou a chamar-se Rua dos Postes porque foi a primeira rua em que apareceram aqueles gigantes de cimento. Eram finos e compridos. Um dia chegou um caminhão e os despejou ao longo da Outra Rua. Era assim que chamávamos a Rua Rio Tocantins antes dos postes. A novidade foi tanta que mudamos o tratamento, e passou a se chamar simplesmente Rua dos Postes.
           Passamos a ter um respeito quase que imperial pelos habitantes daquela rua. Íamos lá agora com apenas um intuito, ver os postes estirados ao longo do caminho. Os moradores de lá, sobretudo os meninos da nossa idade, nos olhavam com desprezo, e nós os víamos com submissão. Talvez por isso tempos depois ainda tínhamos certa admiração por aquela gente.

            Em breve nossa rua também foi agraciada com os postes. Mas não tínhamos tanto orgulho deles. Os da outra rua, bem mais espertos, foram os primeiros a se levantarem de seu sono secular. Para cumprirem seu trabalho que era iluminar a rua às noites. Os nossos demoraram mais tempo para cumprir sua missão, por isso agora íamos à rua dos postes para ver, mirar as luzes amarelas que brotavam dos pratos brancos que pendiam no alto dos postes. Quando as luzes chegaram aos nossos magricelas cinzentos, já não havia novidade. Mas pelo menos não precisávamos mais nos humilhar par ver a luz que não empretecia as paredes. Agora as luzes iluminavam mesmo e não soltavam o odor do querosene queimando.
          Junto com essas novidades veio a televisão. A partir de agora, à noite, ao invés de corrermos atrás das bandeiras ou brincar de roda, íamos à casa dos vizinhos mais afortunados, ver um pouco daquela luminosidade que continha imagem. Mais uma vez era a submissão que condicionava nosso comportamento. Eu e meu irmão tomávamos banho cedo, e, a contragosto de nossa mãe, íamos em busca dos raios iluminados que a televisão disparava com movimentos em preto e branco. Até que a televisão também chegou à nossa casa, e junto com ela uma leva de outras crianças menos afortunadas ainda que nós.

         Não sei porque escrevo essas lembranças. Talvez para fazer uma catarse, pois são muitas as lembranças que me acometem e me fazem refletir sobre o que de fato traz essa tal felicidade. Sei que aquelas humilhações a que nos submetíamos apenas para matar a curiosidade, ver os postes no chão, as luzes ou os raios da televisão não traziam alegria, traziam um sentimento de impotência diante de algo que não tínhamos. Não era nada que valia realmente a pena, mas que precisávamos ver, sentir. Certa vez, levantei-me do chão, onde nos era permitido sentar, e pedi, não sei ainda com que coragem, para tocar no vidro da televisão. Acho que riram, entretanto permitiram. Eu o achei duro, frio. A mesma sensação que guardo até hoje da televisão.

         Tudo era novo para nós, era o mundo novo entrando em nossas vidas. Antes tínhamos a lamparina, o rádio, a voz. Agora era a luz, as imagens e com tudo isso a angústia de não ter, de não ser o primeiro. Não sei se isso nos torna tímidos, menores, submissos. Mas sei que aquele sentimento que tive no dia em que o caminhão chegou na outra rua, não na minha, e despejou os postes, me perseguem por toda a existência. Como se fosse meu destino nunca ser o primeiro nunca ter o direito de causar inveja nos outros.
(Professor Alves, novembro de 2011)    

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