quarta-feira, 22 de novembro de 2017

FUTEBOL DE PIVETES




                Devido a um desconforto estomacal, precisei ficar em casa hoje à tarde, e para não ficar sem fazer nada, fui assistir à final da copa do Brasil sub dezessete. É isso mesmo. Depois da copa do Brasil, da dita subadjetivada de sub vinte, agora veio a sub dezessete. Primeiro, chancelada pela CFSC, Confederação Catarinense de Futebol, mas, logo, a CBF viu que dava dinheiro e resolveu ela mesma chancelar, dar respaldo, fazer a divulgação, vender para as emissora, digo, para a emissora, e, claro, faturar alto em cima dos garotos.
                Mas campeonato de pivete não é novidade. No final da década de sessenta e começo da seguinte, ou seja, da década de setenta (se não vão dizer que não sou claro, que só escrevo nas entrelinhas), já havia campeonatos de futebol de pivetes, à época denominado futebol dente-de-leite. Houve até quem faturou alto vendendo bola que imitava aquela usada nos campos, além dos álbuns de figurinha, que nunca eram preenchidos completamente, e que hoje os colecionadores pagam uma fortuna, até maior do que a que se gastou para comprar as tais figurinhas. Os campeonatos eram disputadíssimos... Mas não tanto quanto os sub de hoje...
                Pois bem, voltando à copa do Brasil sub dezessete. Grande final entre nada mais nada menos do que Corinthians contra Palmeiras. Com direito a apenas uma torcida, a do Corinthians. Na próxima semana, a torcida será a do adversário, digo, do Palmeiras. E não é que os moleques de quinze, dezesseis e dezessete anos jogam um bolão, e já dão porrada feitos os marmanjos, e se jogam na área tal qual os professores, e dão mostras de que aprenderam até burlar o juiz numa total falta de ética, que tanto mal faz, não só ao futebol, mas como toda à sociedade brasileira! No final o Palmeiras venceu pelo placar de 1 x 0. Placar magro “mas que dá a vantagem de jogarmos por um empate na volta”. Conforme respondeu a entrevista um tal lá em quem os times europeus já estão de olho e cujo nome não vou dizer, que é para a crônica não envelhecer. Outro, o que fez o gol, disse que “estou feliz por ajudar meus companheiros”. Acredita?!
                Após o jogo, me ficou uma reflexão sobre o futebol brasileiro. Um monte de meninos, e meninas, querendo jogar bola com o intuito de ir para a Europa, ganhar um monte de dinheiro para comprar uma casinha para a mãe. Na época de Pelé, queria-se jogar bola para ganhar um título para o Brasil ou para o pai, palavras do próprio Pelé para seu Dondinho, quando em  1950 disse: “não chora não pai, um dia eu ganho uma copa para o senhor.” E ganhou três! Ainda bem que não uso papel e caneta, senão essa crônica iria ficar com pingos (aprendam a ler nas entrelinhas, é chato ficar explicando tudo a toda hora). Pois bem. Os garotos de hoje estão saindo cada vez mais cedo para jogar fora e ganhar fortunas. Existem olheiros por tudo quanto é lado. Recentemente o Flamengo vendeu um jogador que ainda não tem idade de jogar no Velho Mundo, por uma fortuna de... Não menciono o nome do fedelho nem a quantia, pois essa crônica precisa durar pelo menos uma década. Dos que estavam em campo hoje, pelo menos uns seis estão apalavrados para os clubes grandes daquele continente, digo, da Europa. Apalavrados como as moças donzelas do final do século XIX e começo do século XX. E os grandes clubes do mundo (até a China já entrou no  mercado) estão loucos pelos brotos, não só daqui. É só lembrar que Messi saiu da Argentina para o Barcelona aos treze anos. Um amigo médico me contou que, no hospital em que trabalha, há poucos dias, houve grande rebuliço. Gringos invadiram a ala da maternidade à procura da mãe de um recém-nascido que, segundo algumas enfermeiras, estava fazendo embaixadinha com um dos seios da genitora!
(Francisco Alves Andrade, novembro de 2017)

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ELOGIO DA PREGUIÇA



ELOGIO DA PREGUIÇA
Poema de Juvenal Antunes (1883-1941)

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!
Mas queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.
Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
-Não te importes com o dia de amanhã.
Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Ó sábios, dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento!
Todo trabalho humano, em que se encerra?
Em na paz, preparar a luta, a guerra!
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!
Juristas, que queimais vossas pestanas,
Tudo que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas…
Cresce o teu filho? É belo? É forte? É louro?
– Mais uma rês votada ao matadouro!…
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,
Que arda, depressa, a colossal fogueira
E morra assada a humanidade inteira!
Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?
Queres riquezas, glórias e poder?…
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz? O mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,
Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?
Do Trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!
Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!
Ó Laura, tu te queixas que eu, farsista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,
E, que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor – por outro amor…
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.
Que me não faças mais essa injustiça!…
Se ontem não fui te ver – foi por preguiça.
Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir… sonhar…

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

MINHA VIDA POR UMA NOITE





Jó não cria em fantasia,
Tampouco em  assombração,
Não via mistérios na vida,
Medo ele não tinha não.

Sua vida assim declinava,
Sem grande sustos ou medo,
De uma coisa  não refugava
Mulher, bebida, folguedo.

Mulher ver não podia,
Bebida em copo, nem olhar:
Esta logo ele bebia,
Aquela já ia  namorar.

Mesmo  sendo  quarentão,
Ele solteiro  ainda era:
“Eu num caso nunca não
Isso é coisa de outra era.”

Era assim como ninguém,
Seu lema era um só tom:
Todo e qualquer alguém
Viver acha muito bom,

Mesmo no maior sofrimento,
Não há quem deseje a morte,
Ninguém visa o passamento,
Só querem saúde e sorte!

***
No entretanto, certo dia,
Pruma festa o convidaram,
O lugar  desconhecia,
A data não  revelaram.

Chegou-se a ele um cavaleiro:
“Vamos que a festa é agora,
Se apronte meu companheiro
Que chegou a sua hora,

Vai ter bebida de monte,
Mulherada a dar com pau,
Você vai é beber na fonte
Namorar e passar mal!”

“Vamos logo, minha gente,
Já tô sentindo é os cheiros
Espero vê muita gente,
Espero encontrar  parceiros”

Assim foi dizendo Jó,
Já no lombo do jumento,
O parceiro disse “só
Vamos nas asas do vento!”

Chegado ao lugar da festa,
Jó ficou impressionado,
Botou então a mão na testa
Disse “saio é realizado!”

Havia ali muita fartura,
Comida e bebida a farta,
Mulheres lindas figuras,
A mais formosa era Marta!

Sua sensualidade
De moça ali transbordava,
Eram só pura maldade
Os rodopios que ela dava.

Seu vestido escarlate
Deixava transparecer
Seus seios de abacate
E as curvas de endoidecer;

Seu perfume natural
Embriagava os presentes,
Sua essência sensual
Deixava os homens dementes.

Jó então por ela ficou
Que parecia obsessão
Seu coração quase parou
Ela era sim um mulherão;

Ao dela se aproximar,
O moço se enamorou,
Queria ela abraçar,
E aos  pés dela  se atirou;

Logo o mundo escureceu
Ninguém mais ele viu
Só quando amanheceu
Na real ele caiu.

Estava em sua casa
Entre lençóis dormindo
“Os sonhos me deram asa”,
Pensou se descobrindo.


Nesse instante até sorriu
Pensando ser ilusão
Quando na rua surgiu
A mulher do coração.

Pasmado assim perguntou:
“Mas... Você existe de fato,
Não é visão de quem sonhou?
Quero você aqui no ato!

Não importa o que aconteça
Dou meu corpo para o açoite,
Que minha alma aqui feneça,
Dou-te a vida por uma noite.”

Pra sua grande surpresa,
A  diva então  o enlaçou,
Com um olhar de tigresa,
A boca dele beijou.

“Se me deres tua alma
Amar-te-ei loucamente
Te darei tudo com calma
Serei tua fatalmente!”

Saindo ainda sorriu,
Beijo da mão lhe mandou.
Num átimo assim partiu
Mas a voz ‘inda ecoou:

“Se me quiseres amar,
Me chama que a ti virei,
Amaremos ao luar
E comigo te levarei”

***

Daquele dia em diante,
Jó desligou-se do mundo,
Só pensava em tal amante,
Não parava um só segundo.

Então gritou certa noite:
“Venha-me logo me amar,
Vamos viver esse pernoite
Venha de amor me matar.”

Surge, então, da noite escura
O ente mais belo do mundo,
Mirando-o com ternura
Tascou-lhe um beijo profundo.



Fizeram amor ao luar,
Estrelas  iluminando,
Mas antes do sol raiar
Foram assim se esfumando,

Só restou, na relva fria,
Um corpo nu e já sem vida,
Nosso herói morto jazia
Sem sequer uma ferida,

Mas em seus lábios havia
Riso de felicidade
Morria enquanto sorria
Descobriu enfim a verdade.