(Por Alves Andrade)
Fazia seis anos que eu ministrava aula naquela conceituada escola. Não vou citar seu nome porque ela não existe mais, e é complicado falar dos mortos a não ser coisas boas. E o que eu vou narrar aqui, nisso que chamo crônica, apesar de não ser ruim, também não é nada de bom. É um episódio que ficou registrado mais em minha memória do que nos anais daquela instituição, que não existe mais.
Como já afirmei, fazia seis anos que ali trabalhava no departamento de Língua Portuguesa. Fazia pouco tempo que havia me iniciado nessa inglória luta que é vender algo que ninguém quer comprar, a educação, o conhecimento. Somos bárbaros, invadindo o desconhecido, impondo nossos saberes, mesmo sabendo que seremos a todo instante combatido pela ignorância e a decisão de não abandonar essa bastilha. Mas com jeitinho, vamos conquistando um e outro território, muitas vezes inexplorados. E assim vamos, espada em riste, sorriso nos lábios e uma vontade danada de ver todo mundo compreendendo as entranhas de um texto. É esse o desejo do professor de Língua Portuguesa. Pois bem. Apesar de todo esse embate havia muitos alunos e alunas que admiravam nosso trabalho. Tinha, inclusive, recebido alguns elogios de alguns pais, cujas palavras elogiosas me foram repassadas pela direção daquela instituição de ensino.
Até que chegou, para completar o quadro de Língua Portuguesa, Janjão. Seu nome era João Luiz, mas todos o conhecemos pelo apelido. Chegou na segunda antecedente ao carnaval daquele ano. Um sorriso largo, uma viola debaixo do braço e muita brincadeira na sala de aula. Além disso trazia um monte de anedotas que desfolhava na sala dos professores para alegrar a todos nós.
A partir daquele momento ficou difícil entrar na sala de aula depois que Janjão saía. Todos queriam acompanhá-lo, levá-lo até à outra sala aonde deveria levar sua alegria. Ouvia-se de longe os aplausos dos outros alunos ao recebê-lo. Começávamos a aula ainda vendo nos olhos dos alunos a lembrança da passagem de Janjão. Para mim era mais complicado. Minhas aulas se resumiam a leitura, debate sobre a leitura feita, apresentação por parte dos alunos de alguns textos, trazidos por eles ou não e, uma vez por semana, contação de história. Os alunos adoravam, antes da chegada de Janjão. Suas aulas eram regadas a piadas, canções, gramática mnemônica. Certa vez, o diretor, na sala dos professores sugeriu que fôssemos como Jãnjão, criativos, boas pintas, modernos.
Até que acabou. O repertório se esvaiu, as piadas tomaram o caminho da repetição, aquela forma de ensinar gramática, tão atraente, tornou-se um carrilhão de bordões de cansar os ouvidos. O baile foi aos poucos se acabando.
Era véspera de sete de setembro daquele mesmo ano, quarta feira. O feriado seria na quinta. Nosso inventivo professor resolveu inventar um feriadão. Aproveitando sua boa relação com os alunos e alunas, combinou que ninguém iria na sexta. Assim, sua falta não seria notada e ele poderia gozar aqueles quatro dias de folga. E assim se deu. Na sexta feira, estavam presentes todos os alunos e todas as alunas, menos o professor. E as conversas eram uma só: “Ele pediu pra gente não vir”, “Ele disse que confiava na gente”, bla, bla, bla. Não preciso dizer o que aconteceu na segunda feira. As aulas dele foram divididas entre os demais professores da área. As aulas voltaram ao normal, e vez por outra fazíamos uma aula diferente, mas que sempre voltavam ao normal na sequência dos dias letivos.
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