domingo, 24 de outubro de 2010

SONETO DA BUSCA EM VÃO



Ó Senhora, quanto amor tive sem dizer
Quanto de amor tenho, Senhora, por viver
Quanto amor vi em tua retina, Senhora,
Por que me deixaste, de repente, ir embora?

Vi em teu semblante que me amavas, meu bem,
O quanto nenhum ser jamais amou alguém,
Permitiste, por meu grande pesar, entanto,
Qu’inda não percebesse, todo teu encanto.

Fui-me sem os teus doces beijos, minha vida
Sem o calor de tua voz me dispersei
Ouvindo surdo o retumbar da despedida.

E assim, minha loucura, pelo mundo errei
Sentindo às costas pesado o fardo da lida
Sem ter teu carinho, só espinho colherei.

(Professor Alves, 07/03/03)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O HOMEM QUE SEMEAVA AMIGOS


(Para Gonçalino Saboia, no dia da sua passagem)

Seu Gonçalo era um homem que semeava amigos. Por onde passava, onde quer que estivesse, com seu sorriso, sua generosidade e sua honestidade ia semeando novos amigos. Quando o conheci, fiquei surpreso ao ouvi-lo dizer:
─ E aí, meu amigo!
Fiquei surpreso porque nunca o havia visto antes. Mas na sua simplicidade ele nada me disse sobre isso. Só tempos depois é que viria a compreender o significado dessas palavras.
O homem que semeava amigos não via estranhos, só amigos a serem apresentados. Ele não tinha irmãos nem irmãs, não tinha genros, cunhados; sequer filhos tinha. Tinha amigos, pois até estes eram seus amigos. Era assim que ele via a vida, uma imensa  fábrica de amigos. Amigos sem cor, sem religião, sem idade, sem status. Apenas amigos e amigas.
Certa vez andando ao seu lado fiquei estonteado com o número de pessoas de todos os naipes que o cumprimentavam, e ele retribuía o carinho com o mesmo carinho. Quase compreendi sua filosofia, quase, porque não havia filosofia.  Na sua infinita simplicidade de seu sorriso infinito sabia que amor se ganha amando.
Quando um amigo se ia deste mundo, ele não dizia “adeus”, mas “até breve, amigo, logo terminaremos a nossa conversa”. Porque o homem que plantava a amizade adorava conversar. Passava horas e horas dando e recebendo ouvidos.


Até que chegou para ele o magno dia de também se ir. Aqui na terra, multidões vieram dizer “até breve”. As coroas de flores em sua homenagem tomaram três caminhões e muitas outras tiveram de ficar aqui. Seu féretro congestionou toda uma Br, até sua cidade natal, cujas ruas não comportaram tantos automóveis. O padre teve que fazer um apelo para que as pessoas parassem de chorar pelo homem que sabia fazer amigos, pois havia perigo de uma enchente...


Quando chegou ao céu, o homem que semeava amigos foi recebido por uma multidão que veio abraçá-lo e cobrar que se botassem as conversas em dia. Por trás da multidão, São Pedro, bonachão, balançava a cabeça, enquanto o homem que semeava amigos abria caminho entre a multidão, sussurrando a um, sorrindo ante o comentário de outro. Só horas depois transpôs aquele mar de amigos.  Ao ver São Pedro, foi logo dizendo num largo sorriso:
─ E aí, meu amigo... 
                                        (Professor Alves)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ESTA VIDA


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; 
esta vida não vale grande cousa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, o pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.
 
 (Guilherme de Almeida, do Site: www.revista.agulha.nom.br/gu.html)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FRASES DE CHÊ



8 de outubro é dia de se refletir sobre ser revolucionário. Nesse dia em 1969, Ernesto Guevara, o Chê, foi preso, para ser executado na manhã do dia seguinte,  a mando dos Estados Unidos da América. Abaixo algumas de seus célebres ensinamentos.

Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.

Não quero nunca renunciar à liberdade deliciosa de me enganar.

Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.

Derrota após derrota até a vitória final.

Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.

O revolucionário deve sempre ser integral. Ele deverá trabalhar todas as horas, todos os minutos de sua vida, com um interesse sempre renovado e sempre crescente. Esta é uma qualidade fundamental.

As tantas rosas que os poderosos matem nunca conseguirão deter a primavera.

Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.

domingo, 3 de outubro de 2010

SONETO DA FÊMEA VII



(Para Clau, poetisa gaúcha)

Cuidado 
                meu amigo 
                                  muito cuidado
Não exponhas teu ser às suas flechas:
A mulher 
                fonte e abismo 
                                         barro e nuvem
É uma serva 
                       - quando desejante;
Uma tirana 
                      - quando desejada.
Ora pousa 
                      ora flana 
                                      indecidida.
Quer se doar:  
                         por tática se nega;
Quer se negar: 
                          por ímpeto se doa.
E se abandona 
                        sem nenhum recato;
E te abandona 
                        sem nenhum remorso.
Não quer ser objeto 
                                   mas mas se enfeita;
Luta por ser sujeito 
                                   mas se entrega.
Nem anjo é mais suave 
                                     quando ama;
Nem fera é mais cruel 
                                    depois de amar.
 (Pedro Lira, in Desafio: uma poética do amor)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

E AGORA ZEZINHO



E AGORA, ZEZINHO
(homenagem ao músico
que enchia de ternura a solidão
dos outros)

Há um violão nun canto
esperando seu lento dedilhar
sem som, perdido no quarto escuro
as cordas mudas,
esticando-se na ânsia de um acorde

Há uma música no ar
que sonha com a tua voz
que quer ser tua alegria
que te acompanhou
por todos esses dias
Música, violão e voz
quanta falta é que nos farão
tua voz serena
teus dedos longos e aventureiros
buscando sons, melopeias
na solidão alheia.

Há mulheres, amigo,
solteiras, viúvas, órfãs
dos teus amores e de tuas risadas
Porque as deixaste
agora são indignas de compreensão
o abandono não se explica

Há amigos e até distantes
que nada entendem de vida
que nada entendem de morte
são vultos a se espelharem em ti
nesses olhos tristes, viajeiros,
caminhantes de um passado
andarilhos das noites vis.

Há dias distantes e agorais
dias plenos de tua pessoa
mas não há dias futuros
não te ouvirão
nada saberão de ti jamais
o vinho da festa já se foi

Só tua lembrança é que há
teus passos lentos
tua voz amiga
nem alegre nem triste
mas amiga de quem sequer te conheceu.

Não existes mais, Zezinho,
não entre nós
só o espírito renascente
esperando a hora de voltar
aqui só restou a solidão
a um canto triste de um violão.
(Professor alves, 01/10/2010)