domingo, 14 de novembro de 2010

ENSINANDO A TORCER



               Manhã de domingo. Final do campeonato mundial de vôlei feminino. O narrador, Luís Roberto, eufórico, descreve o jogo, sem deixar ninguém respirar direito:
               -- Vai pra cima delas..., força..., bate..., corta... - Parece um general comandando seu exército na batalha decisiva...
               Nas arquibancadas, a torcida vibra, com uma espécie de porrete verde-amarelo na mão, grita:
               -- Uuuuuuuuuuuu, Uuuuuuuuuuuu... - lembrando membros de uma suposta tribo pré-histórica em pé de guerra.
               Em determinado momento do segundo set, a atacante brasileira corta a bola, que atinge de forma violenta o nariz da adversária, cujo nome é “Shocolova”...
               — Poonto do Brasiiil! – grita em êxtase o narrador. Enquanto a jogadora “adversária esfrega o nariz, numa tentativa quase desesperada de respirar. A torcida vibra e brande os porretes como quem dissesse: “quisera eu lhe dar essa porretada no nariz...”.
               Fim do set. o Brasil venceu esse. Para euforia dos amigos do narrador que se encontram numa sala reservada a fim de comentar o jogo. Uma cantora, um campeão mundial e uma campeã da mesma categoria. Possivelmente por não ter o que falar ou por maldade mesmo, a cantora diz:
               — Sou muito fã dessa jogadora russa (com certeza foi a primeira vez que ouviu falar da mesma), mas adorei essa bolada que ela levou. – Para delírios dos que lá estão e do narrador, que ri um sorriso sem sentido, pobre de quem não sabe o que está fazendo direito. O coitado é pau-mandado da Rede Globo, não tem autonomia, só diz aquilo que os comandantes querem que diga, por isso não tem força moral para retrucar o que foi dito pela colega “artista”, não tem ânimo, alma, na verdadeira acepção da palavra, para dizer algo como: “Não devemos pensar assim, porque deve ter doído e causado, mesmo que de momento, certo sofrimento...”.   

               Assim fico imaginando uma população de milhões e milhões de miseráveis, famintos de educação e respeito ao próximo, num país que se equivale ao Zimbabue, um dos  mais pobre do mundo, no quesito Educação. Imagino-os durante todo o ano ouvindo esses comentários e sentimentos que se repetem em partidas de futebol, voleibol, basquete... É assim que estamos educando nossa população, é dessa forma que nossas crianças estão aprendendo a torcer!
               Depois quando acontece uma desgraça, causada pela selvageria de torcedores alucinados, vemos os mesmos imbecis da  Globo, caras compungidas, cenhos franzidos, lamentando aquilo que eles mesmos incentivaram.
              (Professor Alves, domingo, 14 de novembro de 2010)       

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

CORNO E AVILTADO

Uma aluna me fez uma pergunta que me deixou cabreiro (interessante essa expressão). A pergunta foi a seguinte:
"Professor, quem trai é adúltero ou adúltera. E quem é traído é o quê, só corno?"
Caraca, realmente não havia pensado nisso. Prometi a ela então pesquisar para poder lhe dar uma resposta decente. Nunca fui de ficar tentando inventar resposta. Muni-me, pois, de alguns dicionários (etimológico,  sinônimos e antônimos, sinônimos). Mas nenhum deles continha o termo adequado para responder à duvída de minha aluna. 
O certo é que a própria palavra "traído´" não diz muita coisa, pois o radical do verbo é muito claro, uma vez que traído, por exemplo, é o povo brasileiro, que acreditou numa mudança radical a qual pudesse modificar o país, e deu com os burros n'água; traído é o goleiro, quando acredita que a bola vai em suas mãos e vê a jabulani entrando no gol, pelo lado totalmente oposto; traído é o consumidor quando compra um produto, ciente de que este vai facilitar sua vida, tem uma enorme dor de cabeça quando o aparelho não funciona e ainda por cima não consegue falar com o suporte que promete resolver seus problemas. 
Definitivamente esse termo não serve. Encontrei alguns outros, como ultrajado, enganado, aviltado. Também não servem. Nessa pesquisa, concluí que o termo adúltero também não é adequado para indicar o traidor ou a traidora, o infiel ou a infiel (estes são mais adequados) uma vez que adúltero é mais adjetivo que substantivo, pois indica modificado, falsificado, adulterado. Só em alguns dicionários mais chinfrins (essa é lídima), como o do Sr. Aurélio, é que adúltero/a aparece na conotação que conhecemos.
Fica o enigma da palavra, e eu tento decifrar o enigma da coisa.

CORNO é o indivíduo que ouve seus próprios clamores, berrando ser a companheira uma pessoa de pouca confiança, uma vez que seus olhos  e ouvidos (dele) percebem tudo de forma ADULTERADA. Se as pessoas riem é porque estão zombando de sua insignificante criatura; se ouve um assobio, é o amante dando sinais, e essas baboseiras que já vimos, lemos e ouvimos na vida real, na literatura ou na cinematografia (esse é do baú). Esse é o corno, que esconde a mulher dos olhos dos outros e, quando a expões, é sempre com "cara-de-marido" (esse é de Chico Buarque).
TRAÍDO, AVILTADO, ULTRAJADO é o indivíduo, coitado, que não teve sorte e casou-se com uma mulher de maus bofes e sem caráter.
Pronto explicado, ou pelo menos tentado.
 (Professor Alves)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ANONIMATO (NEM TÃO ANÔNIMO)



SONETO I

Sabe, Senhorita, o quanto suspiro
Toda vez que teu cheiro por mim passa
Sabe que se a teus pés não me atiro
É a voz do orgulho que o meu peito enlaça.

Sabe que os meus olhos seguem teus passos,
Quando mudas de rumo a face viro,
Sem querer me olhas, sonho ter teus abraços,
Assim que partes, triste me retiro.

No entanto mal surge o dia seguinte
Magino sorridente o teu semblante
E anseio logo estar perto de ti.

Vejo, então, feito um reles pedinte,
Do anonimato, o peito radiante,
Teu olhar que sempre igual nunca vi.

SONETO II

Porém, Senhorita, em breve estarás
Matrimônio ao pé do altar contraindo
Como um cisne, em véu contente sorrindo,
Triste, sombrio, meu peito deixarás.

Quando pisares o degrau vermelho
E as estrelas brilharem por teu encanto
Em teu louvor derramarei meu pranto
E então sonharei ser teu espelho.

A vida seguirá seu curso normal
Entanto algo em meu ser estará vazio
Um pedaço de mim estará faltando:

É teu olhar agora inda mais formal
É teu sorriso ainda mais fugidio:
A esperança anônima enfim findando.

Setembro de 2003


POST CONUBIUM

Senhora, ontem casualmente a vi
Fiquei pasmado com sua ímpar figura
Tão que no que vi, Senhora, não cri:
Há muito não via tanta feiúra.

Lembra-me a beleza que antes medi:
Porte airoso, corpo esbelto, tez pura,
Sua fina mão que outrora segui,
Seu lindo sorriso, digno de mesura.

Porém a imagem que hoje vislumbrei,
Dois cambitos, bucho proeminente,
O rosto diferia do que eu beijei.

Tão pouco tempo, meu bem, se passou
(Se não me engano faltam-lhe dois dentes)
E o casamento com você acabou!

janeiro de 2005

Professor Alves

domingo, 24 de outubro de 2010

SONETO DA BUSCA EM VÃO



Ó Senhora, quanto amor tive sem dizer
Quanto de amor tenho, Senhora, por viver
Quanto amor vi em tua retina, Senhora,
Por que me deixaste, de repente, ir embora?

Vi em teu semblante que me amavas, meu bem,
O quanto nenhum ser jamais amou alguém,
Permitiste, por meu grande pesar, entanto,
Qu’inda não percebesse, todo teu encanto.

Fui-me sem os teus doces beijos, minha vida
Sem o calor de tua voz me dispersei
Ouvindo surdo o retumbar da despedida.

E assim, minha loucura, pelo mundo errei
Sentindo às costas pesado o fardo da lida
Sem ter teu carinho, só espinho colherei.

(Professor Alves, 07/03/03)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O HOMEM QUE SEMEAVA AMIGOS


(Para Gonçalino Saboia, no dia da sua passagem)

Seu Gonçalo era um homem que semeava amigos. Por onde passava, onde quer que estivesse, com seu sorriso, sua generosidade e sua honestidade ia semeando novos amigos. Quando o conheci, fiquei surpreso ao ouvi-lo dizer:
─ E aí, meu amigo!
Fiquei surpreso porque nunca o havia visto antes. Mas na sua simplicidade ele nada me disse sobre isso. Só tempos depois é que viria a compreender o significado dessas palavras.
O homem que semeava amigos não via estranhos, só amigos a serem apresentados. Ele não tinha irmãos nem irmãs, não tinha genros, cunhados; sequer filhos tinha. Tinha amigos, pois até estes eram seus amigos. Era assim que ele via a vida, uma imensa  fábrica de amigos. Amigos sem cor, sem religião, sem idade, sem status. Apenas amigos e amigas.
Certa vez andando ao seu lado fiquei estonteado com o número de pessoas de todos os naipes que o cumprimentavam, e ele retribuía o carinho com o mesmo carinho. Quase compreendi sua filosofia, quase, porque não havia filosofia.  Na sua infinita simplicidade de seu sorriso infinito sabia que amor se ganha amando.
Quando um amigo se ia deste mundo, ele não dizia “adeus”, mas “até breve, amigo, logo terminaremos a nossa conversa”. Porque o homem que plantava a amizade adorava conversar. Passava horas e horas dando e recebendo ouvidos.


Até que chegou para ele o magno dia de também se ir. Aqui na terra, multidões vieram dizer “até breve”. As coroas de flores em sua homenagem tomaram três caminhões e muitas outras tiveram de ficar aqui. Seu féretro congestionou toda uma Br, até sua cidade natal, cujas ruas não comportaram tantos automóveis. O padre teve que fazer um apelo para que as pessoas parassem de chorar pelo homem que sabia fazer amigos, pois havia perigo de uma enchente...


Quando chegou ao céu, o homem que semeava amigos foi recebido por uma multidão que veio abraçá-lo e cobrar que se botassem as conversas em dia. Por trás da multidão, São Pedro, bonachão, balançava a cabeça, enquanto o homem que semeava amigos abria caminho entre a multidão, sussurrando a um, sorrindo ante o comentário de outro. Só horas depois transpôs aquele mar de amigos.  Ao ver São Pedro, foi logo dizendo num largo sorriso:
─ E aí, meu amigo... 
                                        (Professor Alves)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ESTA VIDA


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.

Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; 
esta vida não vale grande cousa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, o pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida

Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.

Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.

Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!

Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.
 
 (Guilherme de Almeida, do Site: www.revista.agulha.nom.br/gu.html)