sexta-feira, 26 de junho de 2020

O PEIDO QUE BRANCA DEU



(baseado em fatos reais)

Foi no mercado central,
Que aconteceu esse fato,
Um caso constrangedor,
Ua mulher de fino trato,
Protagonista distinta,
Dum acontecimento chato,
Todo mundo estremeceu
Com a catinga medonha
Do peido que a branca deu.

Não se ouviu nenhum barulho,
Foi tudo silencioso,
Pareceu bomba de neutro
Aquele pum criminoso,
Quase mata toda gente
Aquele cheiro horroroso
Meu Deus, como fedeu,
Dentro do elevador,
O peido que a branca deu.

Uma criança que ali estava
Os olhos esbugalhou,
A boca dele se abriu
O chão todo vomitou,
Ajoelhou-se o coitado,
As mãos pro céu levantou,
Por pouco ele não morreu
Por causa daquele pum,
Do peido que a branca deu.

Até mesmo o elevador
Não suportou e se abriu,
Um urubu que ali passava
Tapou o nariz e fugiu,
As asas bateram forte,
Pra muito longe partiu
Pra bem longe escafedeu,
Tão fedida era a catinga
Do peido que a branca deu.

Os andares do mercado
Se encheu daquele fedor,
Todo mundo então olhando
No rumo do elevador,
Olhava pra senvergonha
Que não tinha nem pudor,
Mas se sabia que era seu
O rabo daquele peido
O peido que a branca deu.

A catinga então saiu
Pelas ruas da cidade,
Na praça gerou espanto:
“Que é isso, por caridade?”
Perguntou uma senhora,
“É a bomba da maldade”!
Um militar respondeu,
Uma estátua se assustou
Com o peido que branca deu.

Somente dias depois,
É que se foi o mau-cheiro,
Muita gente ficou pálida,
Eu fui sendo o primeiro
Porque estava perto dela
Vendo seu ar sobranceiro,
Quando o fato aconteceu,
Senti grande mal estar
Com o peido que a branca deu.

Era uma mulher vistosa,
Parecia uma princesa,
Vestida com distinção,
Era de rara beleza,
Na cabeça chapéu caro,
Mas para grande tristeza
A riqueza não escondeu
A fedentina que tinha
O peido que a branca deu.

O peido quando saiu
Pela porta do intestino
Ardeu o canal anal,
Destruiu o reto fino,
Queimou a boca do cu
O orifício pequenino,
Uma bactéria morreu,
O resto não escapou
Com o peido que a branca deu.

Um estudo sobre o caso
Descobriu, dias depois,
Tudo que foi ingerido,
Primeiro feijão com arroz,
Salada bife a cavalo,
O velho baião de dois.
Muito mais ela comeu
Pra ter aquele fedor
O peido que a branca deu.

Como ela era de fora,
Resolveu experimentar
Aqui da nossa terra,
Todos os frutos do mar:
Camarão, lagosta, polvo,
Tudo queria provar.
Muito mais ela comeu
E o resultado sabemos
Do peido que a branca deu.

Bolinho de bacalhau,
Pastel de carne moída,
Espeto de piabinha,
Coxinha no óleo cozida,
Queijo coalho e azeitona,
Ovinha n’água fervida.
Algo mais ela comeu
E o resultado conhecemos
Do peido que a branca deu.

Repolho com muito azeite,
Cebola n’óleo fritada,
Queijo passado na brasa,
Linguiça na brasa assada,
Picolé de coco e umbu,
Franga no forno torrada.
Ainda mais ela comeu
E o resultado é sabido
Do peido que a branca deu.

Sarrabúi, sarapatel,
Pão de alho e dobradinha,
Carneiro com jerimum,
Muito pirão de farinha,
Feijoada de três dias
‘Té um recruta da marinha.
Tudo isso ela comeu,
Logo fez grande destroço
O peido que a branca deu.

Essa história é verdadeira,
Nunca soube eu inventar,
Baseada na verdade,
Pude pouco acrescentar.
Você deve ter sentido,
Independe onde morar,
Talvez nem se apercebeu,
Mas o fedor você sentiu
Do peido que a branca deu.

Com esse fato me vingo
De uma mentira contada
Pelo poeta Otacílio,
Por sinal mui bem narrada,
Que fala do peido da nega,
Nega muito depravada
Que nua cidade viveu,
Foi muito grande o escarcéu
Do peido que a nega deu.

Mas ela traz no seu bojo
Preconceito mais racismo,
Bem comum neste país
Que valoriza o egoísmo,
Trata mal a minoria
Com bastante debochismo.
Mas é fato e ocorreu
A história que aqui narrei
Do peido que branca deu

(Alves Andrade)

A Busca da Felicidade

segunda-feira, 22 de junho de 2020

FRANCISCA CLOTILDE


Mais uma poetisa cearense de grande vulto, escondida  pelo cânone masculino

PERFIL | Francisca Clotilde, Uma História de Amor e Lutas - 1 de 3 ...




AO CORAÇÃO

Porque suspiras, coração dolorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido.
Serás de afetos vãos da criatura,
Brilha em teu céu uma esperança pura,
É Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
Trazer-te a luz, que dimanou do bem,
E que fulgiu nos braços de uma cruz;

Despreza os bens efêmeros da terra,
Busca o tesouro que somente encerra
O amor perfeito que sonhou Jesus.


(Almanach dos Municípios do Ceará, 1908, pág. 121)

PRECE


Oh!  Bendita Virgem, Mãe piedosa,
Nívea dos céus, Maria Imaculada
Dentre as flores do céu mística rosa
Entre as mulheres, Santa proclamada!

Tua pureza Angélica e ilibada
Não teve manchas... Linda, fulgurosa
É corno de uma estrela, a luz radiosa
Que esgarça a treva aos beijos d’alvorada.

Conforta o nosso pranto, escuta a prece
Do triste, do exilado que padece,
Nesta vida cruel, desoladora;

Oh! Tu, Onipotente junto a Deus,
Desprende sobre nós do azul dos céus
Tua benção de Mãe consoladora.

(Revista A Estrella, Aracati, abril de 1915 p. 2)

PARA O IGNOTO

(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)

Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.

(Revista A Estrella, ago/set de 1915)

segunda-feira, 15 de junho de 2020

POESIAS DE ANTÔNIA SAMPAIO FONTES

“Antônia Sampaio Fontes nasceu em Baturité, aos 24 de fevereiro de 1884, filha de Antônio Jardim e Maria Sampaio Jardim. Mudando-se para esta Capital [Fortaleza], casou-se com Israel Pinheiro Fontes – figura ainda lembrada e venerada pelos familiares, que cedo fechou os olhos ao mundo no recuado ano de 1934.

Cumprindo o destino de todo nordestino e mais do cearense nômade, emigrou, na companhia do marido para o alto Acre, onde seu tio Justino fizera alguma fortuna com a exploração dos seringais, na época áurea da borracha. ainda a bordo do paquete “Pará”, que os levou àquela longínqua região do país, compôs sonetos 
e poemas com temática do mar e da floresta. 
Corria o ano de 1911. Regressando, aqui se 
fixou definitivamente até sua morte, ocorrida 
aos 02 de março de 1963.” Eduardo Fontes

No meu livro SAMAMBAIA
Eu canto Deus e o amor,
Canto o mar beijando a praia,
Canto a ave, canto a flor!

SAMAMBAIA, SAMAMBAIA,
No Acre eu te conheci,
És linda como a jandaia
E o canto do bem-te-vi!

Com teu vestido de festa,
Com o teu xale rendilhado,
Tu enfeitas a floresta
Deste Acre abençoado!

Esperei anos e anos
Por esta oportunidade,
Sem olhar o desenganos
Vence o poder da vontade!

Não sei se venci ou não,
Mas um livro aqui está
Para o grande coração
Dos filhos do Ceará.

Do Ceará brasileiro,
Do meu Brasil cearense,
Do povo forte e ordeiro,
Que luta, trabalha e vence! p.17

Fortaleza, 11 de fevereiro de 1963

Minha Infância

Paródia: Meus Oito Anos
de Casimiro de Abreu

Oh! Que saudade que tenho
Do despontar da existência,
Dos meus dias de inocência,
Do meu viver de criança.

Daquelas horas amenas,
Daquelas tardes fagueiras,
Daquelas noites ligeiras,
Saudades da minha infância.

Naquele tempo risonho
Não sabia o que era amor,
Vivia alegre e contente,
Brincava ao clarão da lua,
Achava o céu tão formoso,
Mas deste tempo saudoso
Resta-me a vida somente!

Fruía ternos carinhos
Dos meus pais, a quem amava,
Dentro d’alma idolatrava,
Tempo feliz que passou!
Levando sem piedade,
Nas suas asas austeras
Minhas oito primaveras
Que o vento as desfolhou!

De tudo tenho saudade,
Dos meus mimos infantis,
Do meu passado feliz
Feito de amor e esperança!
Quando pequena e travessa,
Dizia: – Oh! Deus que ventura,
Eu quero sempre a doçura
Do meu viver de criança!

Quero viver sempre alegre,
Quero brincar descuidada!
Minha mãe, a boa fada,
Sorrindo dizia, então:
– Brinca filha estremecida,
Que hoje terás carinhos,
Amanhã talvez espinhos
Tendo amor no coração!

Com a adolescência
Foi-se a inocência,
Foram-se os mimos e as flores,
Chegaram cedo os amores,
A bela quadra da vida!...

Sou feliz bem sei, não nego,
Tenho um esposo adorado,
Porém choro o meu passado,
A minha infância querida!... p.21-22

Acre, 1908


Saudade

Saudade, triste saudade,
Que me atormenta o viver,
Deixa-me só com o sofrer
Que me dói no coração!

Não vês que eu amo e padeço
Estas saudades cruéis,
Embora veja a meus pés
Alguém de minha afeição!?

Por tanto deixa-me, deixa-me
Já não quero mais a vida,
Vivendo assim nesta lida
Não é vida, é vegetar.

Do que me serve a saudade
Se vivo sempre sofrendo,
Quer ausente, quer o vendo
Tudo é sofrer e penar!?

Eu amo a toda saudade,
Quer rosa, branca, amarela,
Porém amo mais aquela
Que não lhe conheço a cor!

Parece ser mais ardente,
Mais forte, mais tormentosa,
Esta saudade ditosa
Da ausência do nosso amor! p.23

Acre, 1903


Desengano

Amar e ser amado é belo! É tudo, eu sei!
Amar sem ser amado é triste e é o que receio,
Embora eu fale assim, sem conhecer o amor...
Porém suponho e penso que assim seja, e digo:

– Não deve amar-se alguém sem ser correspondido,
Mas não amar sozinho, assim, é grande horror!
Amor! que me serve dizer, e a vós mentir que o tenho
Sem conhecer sequer um só traço, um só desenho...

Sem conhecer sequer o que significa Amor?
Não digo. É crime, sim, mentira, é feio.
Sou franca e pura a confessar não creio
Que venha amar-vos nunca, ó não senhor!

Criança sou, estou na flor da idade,
De vós aceito apenas a amizade
Simples, leal, qual seja a de um irmão!

Mas vosso amor, ó nunca e peço francamente,
Perdão se ofendo, esqueça-me da mente,
Que a vós não dou jamais meu coração! p.24

Acre, 1900

Obs.: Escrito quando a autora contava 16 anos e 10 meses de idade.


Amor

Amor tem mistérios, mistérios profundos,
Mistérios tão fundos que a vida contém,
Do amor para a posse se sofre, é verdade,
Amarga saudade, saudade de alguém!

Minha alma tristonha medita ansiosa
Sozinha, saudosa pergunta-me assim:
– Que força tamanha, que imã tão forte
É este que a morte, somente dá fim?

Eu amo e padeço, inda mesmo que ao lado
De mim bem sentado te veja. É forçoso!
Eu amo este amor e a teus pés deposito
Nas asas de um sonho meu ser, meu esposo! p.25


Ao Meu Adorado Noivo Israel

Quando eu te vejo a vir, dentre os caminhos,
Com passo lento em busca ao nosso lar,
Julgo avistar a flor entre os espinhos,
E em ti, meu anjo, a flor se transformar!

Quando eu te vejo a sós assim pensando,
A mão do homem à face reclinada,
Julgo talvez me estejas repassando
A mente louca só de amor formada!

Quando te vejo, solitário e triste,
Quieto, mudo, sem falar, sem nada,
Julgo afinal que nosso amor traíste,
Já não me amas, já não sou lembrada...

Perdão! Não julgues que ofender-te quero
Falando assim do nosso amor, ó não!
Perdão! Bem sei que serás sincero
Bem como a ti darei meu coração! p.26

Acre


Solidão do Acre

Ao meu esposo Israel Pinheiro Fontes

Na solidão das florestas,
Existe o prazer também,
Que pouco gosta de festas
Vivendo ali, vive bem!

Quem me dera voltar àquelas
Florestas cheias de vida,
A ver as alvas estrelas
Por entre as ramas floridas!

Mas penso que nunca mais
A elas hei de voltar,
Por isto mando meus ais
Nas brumas do meu luar!

E digo adeus a estas matas
Prazer, dos tristes dali!
Adeus! Caboclos, mulatos,
Trinados de bem-te-vi!

Adeus, passeios nas águas
Do rio Acre adorado,
Onde sem dores, sem mágoas,
Passei muito a teu lado.

Igarapés, seringueiras,
Tucanos, antas, cutias,
Adeus, barracas ordeiras,
Onde gozei muitos dias! p.27

Fortaleza/CE, 1912