segunda-feira, 27 de outubro de 2008

DE VIDAS, DE SONHOS, DE RENCONTROS

A partir dessa semana, será publicado um romance de nossa autoria. Toda segunda, será úblicado um capítulo desse romance, cujo título provisório é DE SONHOS, DE VIDAS, DE REENCONTROS. Abaixo segue a primeira postagem que é a introdução capítulo.


INTRODUÇÃO

“Beija-me com os beijos de tua boca;
porque melhor é o teu amor do que o vinho.
Suave é o aroma dos teus ungüentos;
como ungüento derramado
é o teu nome.”
(Cânticos: 1 – 2;3)

Como é Veneza? Em uma única palavra: apaixonante. Não existe outra cidade como ela. Não há melhor lugar para se passar uma lua-de-mel. E assim, eu casado com a solidão, de quem há muito havia me separado, resolvi ir até lá. É realmente embriagante andar pelas vielas de Veneza, sente-se o cheiro da Idade Média, pisando-se nas ruas de pedra. Mas a maior atração, com certeza, são os canais. Para minha sorte, cheguei a essa magnífica cidade no primeiro sábado de setembro, e no domingo, debruçado numa das cem janelas do Hotel Carlton e Grand Canal, que estão de frente para o Grande Canal, conforme o nome já sugere, já assisti à Regata Storica. Trata-se de uma competição de gôndolas de diferentes categorias. Nos dias que se seguiram fiz o que todo turista faz, ao lado de sua esposa: fui à praça San Marcos; visitei a Igreja de mesmo nome, depois de encarar uma fila quilométrica; passeei numa gôndola com almofadas em formato de coração, e... cansei. Era mais ou menos o décimo quinto dia em Veneza e minha esposa já me aborrecera. Uma impaciência me percorria as costas e me formigava o cérebro. Precisava urgentemente encontrar alguém para conversar ou pelo menos para observar.
Era uma tarde de sexta-feira quando um casal me chamou a atenção. Eu havia acabado de chegar de uma caminhada pelas verdadeiras ruas de Veneza, que são aquelas onde moram seus habitantes, dir-se-iam ruelas que deixam-nos ver um monte de pontezinhas sobre os inúmeros canais. Estava debruçado na janela do quarto admirando a beleza do Grande Canal, tentando descobrir os mistérios medievais submersos naquelas águas, quando esse casal passou numa gôndola. Era um casal como outro qualquer, entretanto algo, que não sei o quê, chamou-me a atenção, com certeza não foi o fato de ambos serem brasileiros, pois não dava para fazer essa identificação da distância que eu me encontrava deles.
À noite, estava em um restaurante observando as luzes da cidade refletida nas águas, quando os vi novamente. Ele deveria ter uns cinqüenta anos, enquanto ela era um pouco mais jovem. Os dois conversavam, enquanto a mulher com um brilho sapeca no olhar fazia trejeitos para diverti-lo, oferecendo-lhe os lábios umedecidos de vinho. Ele ria e beijava-lhe os lábios, beijava-os não, acarinhava-os com os seus. É esse o verbo que melhor define aquela atitude. Ela, então, molhava novamente os lábios no vinho e ofertava-os a ele, que sorvia o líquido e permanecia alguns segundos, embriagado na beleza do rosto da companheira. De súbito me veio uma idéia: aproximar-me deles e conhecer a magia daquele amor, afinal não é todo dia que vemos um casal com tamanha demonstração de carinho. “Devem ser recém-casados” – pensei. Por outro lado, indagava-me se tinha o direito de interrompê-los, pois se eles estavam ali, tão longe de casa, sozinhos, é porque não queriam companhia. Entretanto, para minha surpresa, foi ele que se aproximou de mim. Enquanto ela saiu, para ir ao toalete, ele levantou e veio até mim:
─ Boa noite! Você é brasileiro, não é? – perguntou-me, passando a mão pelos cabelos grisalhos que também brilhavam sob o reflexo das luzes.
─ Sim – respondi apertando-lhe a mão.
─ Aqui é tão difícil encontrar alguém de casa que, quando o vi, não pude controlar a vontade de falar português, com alguém que não seja lusitano. – justificou-se quase impaciente por eu não convidá-lo a sentar-se. Quando percebi essa minha gafe, prontifiquei-me a fazê-lo.
Logo estávamos familiarizados. Quando sua bela esposa chegou, ele ma apresentou e os três ficamos conversando sobre o Brasil e sobre Fortaleza. Coincidentemente eles também eram da capital alencarina. Por mais que eu me esforçasse, entretanto, não conseguia tirar os olhos de sua adorável senhora. Se os amigos leitores a vissem, com certeza saberiam o motivo. Quando voltei para o hotel levei deles a promessa de no dia seguinte almoçarmos juntos.
No dia seguinte, tínhamos acabado de almoçar, quando Daniel, era esse o nome do homem, virou-se para mim e disse:
─ Senhor Rodrigo, pode ser que o senhor não acredite em reencarnação, mas eu lembro do senhor de alguma vida anterior.
Eu estava estupefato. Afinal não é todo dia que alguém lembra de você de uma outra vida. O mais comum é alguém lembrar de você de algum lugar. Ele então repetiu a afirmação e virando-se para sua bela esposa, como quem casara há poucos dias, disse que a primeira vez que os dois se viram foi numa outra encarnação, há centenas de anos. Diante da minha surpresa ele contou rapidamente sobre seu dom de reconhecer as pessoas com quem vivera ou com quem apenas cruzara em outras vidas. Em seguida com poucas palavras me contou sua história. Eu estava entre surpreendido e impressionado. Aquela era, se não a mais bela, a mais surpreendente história de amor que alguém pode ter vivido. E ela estava ali ao alcance de meus ouvidos. No dia seguinte devolvi o favor. Fui almoçar com meus novos amigos. Levei comigo meu editor de texto portátil e o gravador. Pedi então para que Daniel me contasse sua história de sonhos e encontros. Ele assentiu, mas com uma condição: que, ao escrevê-la, eu o fizesse em primeira pessoa, pois queria que os leitores ouvissem sua voz e os ecos do passado recente e do passado remoto. É claro que eu aceitei essa condição, e, durante uma semana, em pontos diferentes de Veneza, ele me contou a história que vocês lerão a seguir.

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