CAPÍTULO I
“ Mas onde se achará a sabedoria?
E onde está o lugar do entendimento?
O homem não conhece o valor dela,
Nem se acha ela na terra dos viventes.”
(Jó: 28, 12 e 13)
Não me lembro bem da primeira vez que tive aquele sonho. Mas sei que era muito pequeno. Talvez tivesse menos de oito anos. As marcas que ele me deixou na época, entretanto, me são lembradas até hoje. Até porque ele se repetiu indefinidamente, até que um dia sumiu; suas lembranças, porém, ficaram registradas, e eu, na rua, chegava a identificar pessoas as quais não conhecia, mas que estavam lá, povoando esses momentos oníricos.
Mas o que na verdade é o sonho, que magia é essa que nos acompanha durante nossa existência e para qual não temos explicação, enquanto seres materiais? É realmente uma incógnita esse estado de espírito. Para alguns é a realização de um desejo. Mas como se pode desejar a morte de um ente querido, como um filho ou os pais? Seria então uma projeção do futuro ou uma memória do passado? Ou será tudo isso, dependendo do estágio de nosso pensamento e de nossa alma? Vamos, pois, ao sonho que me impressionou a infância e que me abriria finalmente as portas da compreensão da existência.
Como havia afirmado anteriormente, à primeira vez que tive esse sonho deveria ter por volta dos oito anos. Até então nenhum sonho me havia chegado com tanta clareza, não que eu me lembre. Esse sim. Posso ainda sentir o cheiro da maresia e a cor do céu. Eu estou numa praia nunca vista antes por mim, a cor da terra é escura e há enormes diques de pedras, e há muitas pedras por toda parte, como se estivéssemos sempre esperando uma invasão do mar. Eu caminho pela praia catando conchas as quais deposito numa sacola feita de couro que trazia à tira colo. Próximo e um pouco além muitas pessoas caminham, pescam ou admiram o mar. De repente ouço um barulho semelhante ao rugido de um leão. Ao levantar a cabeça, vejo uma enorme onda, despontando no horizonte, vindo em direção à praia. Apesar do grande susto, olho em volta para ver se posso fazer algo pelas pessoas, e sem pensar corro na direção de umas crianças que brincam inocentemente e procuro afastá-las para o ponto mais alto possível. Com uma mão transporto algumas delas dali, enquanto com a outra escalo as pedras. Ajo rápido porque a onda se aproxima da praia com uma ira destruidora. Desesperado, vejo uma moça com os cabelos cobertos por um véu marrom tentando subir as pedras, entretanto sua roupa longa a impede de fazê-lo. Com pouco esforço, consigo alcançá-la. Mas é tarde! A onda com sua fúria indescritível nos arremessa contra o rochedo.
E eu acordei, mas não apavorado como quem tem um pesadelo, era como se eu apenas recordasse de um acontecimento de um passado remoto. Afinal, aquilo fora um sonho, não um pesadelo.
Durante os dias que se seguiram, eu não conseguia me livrar da imagem daquela moça. Seu rosto moreno e olhos assustados, no momento em que a peguei nos braços, fitaram meu rosto com um ar de gratidão e isso me abalou os nervos. Aquele rosto não me era estranho, por esse motivo eu o busquei em todas as pessoas adultas que cruzavam o meu caminho, até que cansei e voltei a ser criança. Passados alguns meses não me lembrava mais do sonho.
Não posso afirmar com precisão quanto tempo, mas um ano depois, aproximadamente, o sonho se repetiu. Era o mês de setembro. Depois eu me perguntaria se tinha algo a ver com o mês do meu aniversário, outubro. O certo é que nesse ano e nos outros que viriam o sonho me vinha sempre no mês de setembro. Não era o mesmo sonho ipse image, mas era parecido. Às vezes eu penso ser o mesmo sonho apenas com algumas alterações da minha imaginação, como se eu quisesse refazê-lo para adequá-lo a uma situação contemporânea.
Dessa feita eu não estou na praia, e sim no mar, no entanto o ambiente é o mesmo, a cor do céu, a tez escura das rochas e o verde da água. Eu estou insulado numa pedra, pescando. A minha fisionomia é a mesma da vez anterior. Minha pele escura, curtida pelo sol não contrasta com meus cabelos da mesma cor. Da vez anterior eu não lembrava de meus sentimentos, mas agora eu os tenho bem claros, meus sentidos estão alerta como se meu espírito captasse algo de anormal por acontecer, ou se estivesse ansioso por algo prestes a se realizar. Assim eu ouço o rugido do leão enfurecido, é a onda gigante que desponta no horizonte. Como da outra, vez viro-me para a praia e vejo pessoas correndo, dirijo-me com fortes braçadas até a areia e lá consigo salvar as três crianças, mas meu pensamento está na mulher que eu pretendo desesperadamente tirar do perigo. Desta vez salto para a praia numa busca quase insana daquela minha protegida, vejo-a correndo para mim de braços abertos, mas antes que a abrace a onda nos atinge novamente, sinto, então, uma dor profunda no peito, mas não sei se é dor física ou se é meu coração que dói por falhar novamente na minha missão.
E mais uma vez, como uma imagem de tevê é cortada quando há falta de energia, o sonho se apagou. Eu acordei.
Novamente minha curta existência se transformou numa busca daquele rosto, até que a infância e tudo que a compõem me chamaram novamente à vadiagem, as imagens daquele sonho tornaram-se latentes.
“ Mas onde se achará a sabedoria?
E onde está o lugar do entendimento?
O homem não conhece o valor dela,
Nem se acha ela na terra dos viventes.”
(Jó: 28, 12 e 13)
Não me lembro bem da primeira vez que tive aquele sonho. Mas sei que era muito pequeno. Talvez tivesse menos de oito anos. As marcas que ele me deixou na época, entretanto, me são lembradas até hoje. Até porque ele se repetiu indefinidamente, até que um dia sumiu; suas lembranças, porém, ficaram registradas, e eu, na rua, chegava a identificar pessoas as quais não conhecia, mas que estavam lá, povoando esses momentos oníricos.
Mas o que na verdade é o sonho, que magia é essa que nos acompanha durante nossa existência e para qual não temos explicação, enquanto seres materiais? É realmente uma incógnita esse estado de espírito. Para alguns é a realização de um desejo. Mas como se pode desejar a morte de um ente querido, como um filho ou os pais? Seria então uma projeção do futuro ou uma memória do passado? Ou será tudo isso, dependendo do estágio de nosso pensamento e de nossa alma? Vamos, pois, ao sonho que me impressionou a infância e que me abriria finalmente as portas da compreensão da existência.
Como havia afirmado anteriormente, à primeira vez que tive esse sonho deveria ter por volta dos oito anos. Até então nenhum sonho me havia chegado com tanta clareza, não que eu me lembre. Esse sim. Posso ainda sentir o cheiro da maresia e a cor do céu. Eu estou numa praia nunca vista antes por mim, a cor da terra é escura e há enormes diques de pedras, e há muitas pedras por toda parte, como se estivéssemos sempre esperando uma invasão do mar. Eu caminho pela praia catando conchas as quais deposito numa sacola feita de couro que trazia à tira colo. Próximo e um pouco além muitas pessoas caminham, pescam ou admiram o mar. De repente ouço um barulho semelhante ao rugido de um leão. Ao levantar a cabeça, vejo uma enorme onda, despontando no horizonte, vindo em direção à praia. Apesar do grande susto, olho em volta para ver se posso fazer algo pelas pessoas, e sem pensar corro na direção de umas crianças que brincam inocentemente e procuro afastá-las para o ponto mais alto possível. Com uma mão transporto algumas delas dali, enquanto com a outra escalo as pedras. Ajo rápido porque a onda se aproxima da praia com uma ira destruidora. Desesperado, vejo uma moça com os cabelos cobertos por um véu marrom tentando subir as pedras, entretanto sua roupa longa a impede de fazê-lo. Com pouco esforço, consigo alcançá-la. Mas é tarde! A onda com sua fúria indescritível nos arremessa contra o rochedo.
E eu acordei, mas não apavorado como quem tem um pesadelo, era como se eu apenas recordasse de um acontecimento de um passado remoto. Afinal, aquilo fora um sonho, não um pesadelo.
Durante os dias que se seguiram, eu não conseguia me livrar da imagem daquela moça. Seu rosto moreno e olhos assustados, no momento em que a peguei nos braços, fitaram meu rosto com um ar de gratidão e isso me abalou os nervos. Aquele rosto não me era estranho, por esse motivo eu o busquei em todas as pessoas adultas que cruzavam o meu caminho, até que cansei e voltei a ser criança. Passados alguns meses não me lembrava mais do sonho.
Não posso afirmar com precisão quanto tempo, mas um ano depois, aproximadamente, o sonho se repetiu. Era o mês de setembro. Depois eu me perguntaria se tinha algo a ver com o mês do meu aniversário, outubro. O certo é que nesse ano e nos outros que viriam o sonho me vinha sempre no mês de setembro. Não era o mesmo sonho ipse image, mas era parecido. Às vezes eu penso ser o mesmo sonho apenas com algumas alterações da minha imaginação, como se eu quisesse refazê-lo para adequá-lo a uma situação contemporânea.
Dessa feita eu não estou na praia, e sim no mar, no entanto o ambiente é o mesmo, a cor do céu, a tez escura das rochas e o verde da água. Eu estou insulado numa pedra, pescando. A minha fisionomia é a mesma da vez anterior. Minha pele escura, curtida pelo sol não contrasta com meus cabelos da mesma cor. Da vez anterior eu não lembrava de meus sentimentos, mas agora eu os tenho bem claros, meus sentidos estão alerta como se meu espírito captasse algo de anormal por acontecer, ou se estivesse ansioso por algo prestes a se realizar. Assim eu ouço o rugido do leão enfurecido, é a onda gigante que desponta no horizonte. Como da outra, vez viro-me para a praia e vejo pessoas correndo, dirijo-me com fortes braçadas até a areia e lá consigo salvar as três crianças, mas meu pensamento está na mulher que eu pretendo desesperadamente tirar do perigo. Desta vez salto para a praia numa busca quase insana daquela minha protegida, vejo-a correndo para mim de braços abertos, mas antes que a abrace a onda nos atinge novamente, sinto, então, uma dor profunda no peito, mas não sei se é dor física ou se é meu coração que dói por falhar novamente na minha missão.
E mais uma vez, como uma imagem de tevê é cortada quando há falta de energia, o sonho se apagou. Eu acordei.
Novamente minha curta existência se transformou numa busca daquele rosto, até que a infância e tudo que a compõem me chamaram novamente à vadiagem, as imagens daquele sonho tornaram-se latentes.
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