domingo, 8 de agosto de 2010

LIÇÃO DE HAMSTER

Quando os levei para casa, não imaginava que fossem capaz de me ensinar algo. Muito embora sempre tenha achado que não dá para vivermos desapercebido das pequenas coisas. Até uma folha seca que cai de uma árvore com sua forma inaudível não o faz por acaso. Creio em que nada ocorre fortuitamente. É preciso que saibamos ler as entrelinhas das pequenas ocorrências, pois as grandes são como textos infantis, não precisam de interpretação. O choque de dois aviões contra as torres gêmeas, por exemplo, não necessita de comentários, pois seus significados foram e são muito claros.
Deixemos os americanos e seus problemas para lá, para tratarmos de algo mais puro. Pois bem. Quando levei aquele casal de hamster sírio para casa, fi-lo com o intuito de obedecer a mais um capricho do meu filho, como no caso da lagarta, cuja experiência também rendeu uma croniqueta igual a esta. Mas logo seu jeito meigo e fofo de se mexerem me cativou e fui me aproximando, pegando-os, fazendo-lhes carinho. Me encantei.
Na primeira barrigada, fiquei consternado com o espírito materno. Ela não abandonava a toquinha, que ficava num canto da gaiola e onde fizera o ninho, para nada, a naõ ser para comer, tomar água. Nem à noite, quando suas atividades se manifestavam, ela abandonava os filhotes, oito ao todo. Até que numa segunda feira, fui dar uma olhada nos filhotes e desscobri que só havia cinco. Onde foram parar os outros? Será que me enganei na contagem? Será que fugiram? Procurei em vários lugares para onde pederiam ter ido, em vão. Foi através da internet que descobri o que havia acontecido. Ela os devorara. Fazia parte de sua sabedoria. Os animais são mais espertos do que os seres humanos. Já havia assistido através de um programa de televisão que aranhas devoram o maior número de ovos quanto forem necessários para dar vida a outros tantos possíveis. Ela, a fêmea de hamster, Tinha feito isso. Fiquei chateado, resolvi não mais criá-los.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Mas depois entendi tratar-se de sua natureza. A necessidade de sobrevivência está arraigada no atavismo biológico, e apesar de não viverem na mata em que essas atitudes seriam extremamente necessárias, o tal atavismo falava mais alto.
Mas não foi essa a principal lição que tive deles. Quanto aos filhotes, iam nascendo aos montes, depois de sumirem alguns, os que desmamavam eram imediatamente dados a parentes e amigos. A fêmea, por ser bem mais velha que o macho, adoeceu bem mais cedo. Consultei um veterinário que me disse o óbvio. Que ela já havia atingido o limite de idade, já havia cumprido sua missão de hamster cá na terra e precisava deixar o outro só e triste, até que se arranjasee outra fêmea, da mesma forma que acontece com nós, seres humanos. Ela precisava desencarnar. E me alertou que era preciso separá-la do companheiro, para que ele não contraísse a mesma doença e se fosse também, antes da hora. Separei-os. Coloquei-a num espaço improvisado ao lado da gaiola em que ficou o companheiro. Coloquei ração, água e lhe dava, sempre que possível, um pouco de carinho para que, mesmo que não sarasse, soubesse do afeto que lhe tinha.
Foi então que me veio a maior lição de todas. O macho não dormia mais, comia menos ainda. Trepado na parte superior da gaiola, onde eu havia improvisado um mirante, fitava a companheira ao lado. Se durante o dia quando dormem os roedores ele ficava acordado na sua individual contemplação, à noite, quando os roedores entram em atividade, não se movia. A comida deixava-se quedada no cocho, intocada, a água evaporava aos poucos, como sua vida que se acabava ao lado. Compreendi que, se os seres humanos amam e matam e morrem por esse amor, os hamsters não são diferentes. A vida dele se ia juntamente com a dela, paulatinamente, inexoravelmente. Ele não ia se permitir ficar só. Consultei o vetrinário que deu o diagnóstico: tristeza de amor. E acrescentou que apesar da pouca idade ele não resistiria, pois a dor que ele sentia era a dor da falta, incomparável. Velei-os por toda a noite até que ao acordar, encontrei-o inerte. Ela se mexia de cá pra lá, no seu espaço improvisado. À tardinha também encontrei-a desencarnada. Consternado com a lição de amor que vivenciara naqueles dias, coloquei-os na toquinha azul, onde ela paria suas crias, enchia-a de pétalas de rosa e os enterrei num cantinho do condomínio onde há uma pequena estátua de Iracema, símbolo do amor de uma guerreira índia e de um guerreiro branco.


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