sexta-feira, 31 de maio de 2019

DE QUEM É A CULPA?

(Alves Andrade)
Há duas semanas, durante uma aula de Espanhol, trabalhando com adjetivos, enquanto analisávamos alguns exemplos em Português dessa classe gramatical e sua função de modificador, um aluno me perguntou se eu iria dar aula de Português. Expliquei-lhe, então, que estava trabalhando com aqueles exemplos para em seguida transitar para o Espanhol, lembrando-lhes o aspecto concordância nominal.  Feito.
Na mesma semana, em uma outra turma, trabalhando com o gênero sinopse, ao mesmo tempo em que trabalhávamos com vocabulário Ligado à teoria Literária, fiquei assaz surpreso ao perceber que para o grupo, que já havia estudado teoria literária em Literatura de Língua Portuguesa, aqueles vocábulos eram muito estranhos. Os vocábulos eram ficción, versión, argumento, técnica narrativa, novela etc. Era-lhes difícil relacionar esses termos com os outros que haviam estudado em Português.
Nesta semana, estudando os tempos do pretérito, buscando no apagar das luzes, uma definição para o pretérito pluscuamperfecto, encontrei em um site a seguinte definição:
"El pretérito pluscuamperfecto de indicativo se utiliza en español para expresar la anterioridad de una acción pasada respecto a otra también pasada. Es decir: es el pasado del pasado."
Transcrevi a explicação, omitindo a expressão “en español”. E fiquei me perguntando de quem é a culpa pelo pouco aprendizado dos alunos com relação aos conteúdos ministrados em sala de aula e em qualquer disciplina. Será dos professores, que não estamos lendo, estudando, nos preparando o suficiente para as aulas? Será dos alunos, os quais não estão nem aí para o que tentamos ensinar-lhes ou pela sua pouca inteligência? Será dos pais, que não estão preparando seus filhos para encarar com seriedade o mundo, a partir do universo sala de aula? Ou será da falta de peia, como adoram dizer alguns, criticando a juventude hodierna?
Observo dia a dia a prática dos meus colegas em nosso local de trabalho. Vejo sua faina diária como intuito de buscar a melhor forma de trabalhar cada conteúdo. Como são belos, em suas magistrais posturas. Cortando papel, preparando slides, ouvindo músicas, montando jogos, selecionando conteúdos… Estão, pois, devidamente absolvidos.
Se cada pessoa tem seu momento, ou o seu tempo, para aprender algo. Se cada aluno tem uma capacidade diferenciada de assimilar conteúdos diversos. Se cada criança possui uma predisposição para determinada área de conhecimento. Então todos têm o mesmo nível de inteligência, portanto todos estão aptos a aprenderem, em seu tempo, Português, Matemática, História… Também não podemos dizer que não estão nem aqui para os ensinamentos, pois sabemos que muitos se esforçam ano após ano, às vezes exaustivamente, mas no conjunto os ensinamentos não ficam. Estão, portanto, redimidos.
Os pais, por menos preparados que sejam, estão sempre preocupados com o futuro dos filhos, salvo raras exceções. Sabem que o melhor está na escola, no aprendizado de conteúdos que os levarão a uma universidade ou a um curso técnico que lhes possibilitará um emprego no futuro. Assim, estão isentos da culpa.
É sabido que à época da palmatória ou da vara no lombo foi um dos períodos negros da educação e que essa prática afugentava os alunos, sobremaneira da Escola Pública, onde essa prática era constante. O Educador Hippolyte Denizard Rivail, na França novecentista, alertava que educar é antes de tudo um ato de amor. Pregava Alan Kardec (pseudônimo de Rivail na codificação do Espiritismo) que o principal elo entre o educando, o educador e o aprendizado é a empatia, é o tratamento amigável. Pregava ainda que qualquer um que não tivesse esses atributos não poderia ser educador. Desse modo, a vara e a palmatória estão fora do processo.
Mas quem ou o que é o culpado do entrave no aprendizado dos alunos? Simples o sistema educacional vigente. Cheguei a essa conclusão a partir da reflexão feita sobre os ocorridos registrados aqui, nos três primeiros parágrafos. Os conhecimentos, que deveriam estar interligados, estão todos soltos, como se Português, História, Matemática e Literatura, por exemplo, fossem conhecimentos estranhos entre si. Mas o que me surpreende é quando se trata de ensino de línguas. Não existe adjetivo em Língua Portuguesa, Língua Espanhola, Língua Alemã ou mesmo Língua Chinesa. Adjetivos existem em todos os idiomas, assim como os tempos do pretérito e a Teoria Literária. Não nos esqueçamos que aprendemos linguística interativa através do russo Mikhail Bakhtin.  Mas, infelizmente, os alunos não sabem isso. O sistema, não só educacional, mas político, já que todas as nossas ações são políticas, busca em grande azáfama destruir o elo que une as pessoas. Para ele, quanto mais separar melhor. Assim a ideia do coletivo vai mais uma vez para o espaço. A desagregação é generalizada. Não somos mais um povo, somos católicos, mulçumanos, judeus, evangélicos, brasileiros, venezuelanos, petistas, nazistas. Nada temos em comum. É preciso que cada um ocupe seu espaço e tome o do outro, que cada um diga que é o melhor, que mande no outro, uma vez que não podemos trabalhar juntos. Assim a nossa Democracia nunca se consolidará. E no meio desses fogos cruzados, dessas balas cuspidas, está o jovem, devorado e devorador, destruído e destruidor, perdido e perdedor.
Como bem disse Caetano, precisaremos de mais zil anos, para juntar os pedaços do uno que fomos, porque enquanto os homens exercerem dessa forma seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede serão sempre gestos naturais.

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