terça-feira, 27 de agosto de 2019

APERREIO DE RUBRO-NEGRO NA TORCIDA DO CEARÁ



(INFILTRADOS II)

Já contei aqui em prosa
Uma história que ocorreu,
Um destemor sem medida
Foi assim que assucedeu,
Comigo e com o Victor hugo,
Que esse fato aconteceu.

Era o ano dois mil e onze,
Jogo de campeonato,
Jogavam Ceará e Flamengo,
Um jogo de fino trato,
Eu e meu filho torcemos
Pelo Flamengo de fato.

Mas quem quiser saber disso
Leia, pois aqui não digo,
Ele está escrito num livro,
Que carrego cá comigo,
O nome do livro informo
“O homem que semeava amigos”.

Adianto que se trata
De um fato quase engraçado
Torcemos pelo Flamengo,
O caso ficou gravado,
Na torcida do Ceará,
E quase fomos surrado.

pois o mesmo aqui se deu
Nesse domingo passado,
Na arena castelão,
Vi rubro-negro caçado,
Correndo da Cearamor
Pra não ser assassinado.

Quando fui comprar o ingresso,
Havia entrada sobrando
Na torcida do Flamengo,
Mas eu logo fui comprando
Na torcida do vozão
Do passado não lembrando.



No dia do jogo saímos
Travestidos de alvinegros,
Calção e camisa escura
Não lembrava um rubro-negro,
Semblante fechado e duro
Como quem guarda um segredo.

O trajeto foi bem tenso,
Só se ouvia discussão,
Torcedor correndo atrás
De torcedor do Mengão,
Chegamos no estádio aflitos,
Era grande a comoção.

O local tava cheinho
De torcedor do Ceará
A torcida do Flamengo
Ficou do lado de lá,
Bem feliz ela torcia,
Eu medroso do de cá.

Fez uma festa medonha
A torcida do vozão,
Ela toda era risonha,
Lotou todo Castelão,
E eu balançando bandeira
Do mosaico em formação.

Do lado oposto a magnética
Gritando “vai, meu Mengão,”
Era grande a alegria
Da torcida exaltação
E eu de cá tinha que ouvir
“Pra cima deles vozão”.

Também do lado de cá,
Descobri um torcedor
Com a camisa rubro negra
No ombro sem destemor,
Gritando “vai meu Flamengo”
Demonstrando seu amor.

‘Nossa, mãe, que corajoso!’
Pensei eu aqui comigo,
‘Ou seria só loucura
Atacando nosso amigo!’
Percebi uma arrumação,
Vi ali grande perigo.

torcedores brutamontes
Do alvinegro o arrodeou,
Puxaram sua camisa,
E uma arma ele sacou,
Foi bala pra todo lado
Mas ninguém ele acertou.

Ouvindo primeiro tiro,
Saltei lances de cadeira,
No segundo e no terceiro
Já estava na carreira,
No quarto e no quinto tiro
Era grande a tremedeira.

Com muito custo voltei,
O susto tinha passado,
Era grande esta tensão
O cara foi desarmado,
Chamaram logo a polícia,
Os homens tinham chamado.

Chegaram os homens da lei
E o levaram com carinho,
O povo ficou irritado,
E ele dava era risinho
O soldado tinha calma:
“Vamos lá, capitãozinho”!

Logo vi que ele não tinha
Loucura nem um pouquinho,
Era mesmo um fuleragem,
Um possível bolsominho,
Que para matar só quer
Que lhe deem um pezinho.

Depois de tudo acabado,
Depois que o susto passou
A tensão foi só do jogo,
No campo o fogo pegou,
Flamengo fez um a zero
E a Cearamor se calou.






Por dentro eu era feliz,
Por fora grande tristeza,
Pois não podia vibrar,
Aclamar a realeza,
Mexia com a cabeça,
Para ator tenho destreza.

Mas o urubu rubro-negro
Foi pra cima do vovô,
Achando que tava morto
E as garras lhe enfiou,
Meteu dois e meteu três,
Sua carne descarnou.

Quando a partida acabou,
Voltamos pra casa inteiro,
Além da pisa que deu,
O Flamengo era o primeiro
Do sério campeonato
Do certame brasileiro.

Mas esse ano ainda tem
Flamengo contra o Leão,
Vou torcer no lado certo,
Não vou ter preocupação
Vou ser feliz e gritar
“Pra cima deles Mengão!”
(Alves Andrade, agosto de 19)

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

SER É TOLERAR A DOR DE SABER-SE


Por: Artur da Távola

Em certo momento diz alguém: - "Eu descobri que não sou a pessoa mais importante. Nem pra mim mesma..."

Essa frase, constatação que mistura a lucidez e a pré-maturidade com uma depressão inevitavelmente infiltrada nas datas especiais, aniversário, principalmente, é rica de vivências..., por outro lado, a frase é primor de saúde: "Não sou a pessoa mais importante do mundo". Amadurecer é aceitar passar de protagonista a coadjuvante da vida, como disse certa vez, em carta, um competente cavaleiro desta távola. Descobrir-se como parte, como companheiro, como participante da tarefa comum de viver, sabendo que os próprios problemas não são os únicos nem mais importantes que o dos outros. Amadurecer é o legado dos anos que passam fecundantes. É a saúde, ou seja: "a capacidade de tolerar a frustração", segundo a observação sempre precisa do mestre.

Sim, não ser a pessoa mais importante do mundo, frustra. Frustra, porque o impulso interior é o de ser. Mas, tolerar as frustrações inevitáveis ou as frustrações inerentes ao processo de viver, eis a saúde. Afinal, acrescento eu, ser é tolerar a dor do saber-se. Sem "se saber "não se É..." Saber-se é reconhecer as defesas construídas com tanto brilho e engenho, logo é sair do pódio e voltar à arquibancada da vida, ao lado dos demais, compartilhando, dividindo, conhecendo limites. Nesse sentido, portanto, a primeira parte da fala: "descobri que não sou a pessoa mais importante do mundo" revela alguma saúde, preliminar de amadurecimento.

Já a outra parte, não. Embora envolta numa ilusão de maturidade, a outra parte ainda traz uma poluição, uma doençazinha nela embrulhada. A outra parte é a conclusão: "Nem para mim mesma". Não ser a pessoa mais importante do mundo, sim, ; é uma importante descoberta. Porém não ser a mais importante nem para si mesma, não o será para ninguém. A saúde é justo o oposto: deixar de ser pessoa mais importante do mundo para ser a mais importante para si mesma.

A pessoa que se supõe madura quando se despe da onipotente sensação de ser o centro do universo. Mas imagina que, por consegui-lo, ficou tão humilde, tão bacana, tão gente, que deixa de ter importância até para si mesma! Ai', adoece pela cura! Cai no excesso inverso errado. Deixa de ver a dimensão própria, que não está nem no excesso nem na falta de importância. Ainda não é liberdade, pois. A liberdade não é a posição oposta à dos tempos de ilusão, prisão ou alienação. A liberdade é o novo. A liberdade é a terceira e nova conquista. Exemplifico pelos conceitos de dependência e independência. Enquanto dependentes, as pessoas são escravas. Mas, a independência ainda está marcada como reação à dependência, logo é uma frente inversa o mesmo sistema: é o pólo oposto de uma mesma realidade. Assim, toda independência, ainda é de certa forma determinada, marcada ou poluída pela dependência anterior.

Então, não há saída? Há. É o novo, o criativo. O que rompe a imposição do dualismo bipolar, aprisionante. O zen. O que é? Não sei. Sei que é; e só se acha quando se pára de procurar. E só se procura quando se desiste de saber.