terça-feira, 26 de abril de 2011

A LIÇÃO FINAL

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        Quando comecei a ler, digo, ouvir A Lição Final, de Randy Pausch, na belíssima voz de Paulo Beth, achei que estava apenas diante de uma bela história escrita com o fim de nos estimular à prática de boas ações e belas atitudes. Principalmente por se tratar de uma narrativa em primeira pessoa, em que seu narrador-personagem realiza quase todos os seus sonhos de infância. Mas à medida em que ia tomando conhecimento da vida de Randy, mais fictícia me parecia. Apesar dessa certeza, fui pesquisar na internet. Para minha surpresa, descobri que Randy Pausch faleceu em 2008, de um câncer terminal, aos 47 anos e 08 meses.
      Trata-se de uma história fabulosa, de um paciente terminal que, ao invés de se lamentar porque estava às portas da morte, decide viver. E viver para ele não era apenas respirar. Para ele viver era ter vida e vida com abundância. Ao receber o diagnóstico final, ele resolve comprar um conversível, faz vasectomia, muda-se para Virgínia, onde moram os pais de sua esposa,  e juntamente com sua mulher, Jay, e seus filhos vivem intensamente cada momento que lhe resta. Mas Randy não era um homem comum, era um vencedor, teimoso, por isso resolveu também ministrar a última palestra na Carnegie Mellon University, onde trabalhara até então. Sua palestra versou exatamente a respeito do enfrentamento de seus últimos momentos, além de alguns conselhos de como tornar-se um ser realizado. Baseado nessa palestra, que se tornou grande sucesso e pode ser facilmente encontrada no youtube, ele escreveu o livro ao qual me referi, que se tornou também grande sucesso.
         Não é minha intenção aqui resumir ou fazer a crítica ao trabalho do professor da Carnegie Mellon. Gostaria de algumas reflexões sobre a morte, que segundo Raul Seixas é “o segredo desta vida”. Palavras vãs, reconheço. Mas é certo que as pessoas fazem grande celeuma diante do fato mais certo de nossa existência. Alguns que já leram ou ouviram o livro de Randy podem afirmar que é muito fácil morrer aos 47 anos para quem conseguiu realizar todos os sonhos de infância, pois o cara teve uma família muito bem estruturada, frequentou boas escolas, visitou a Disney quando criança e, quando professor, trabalhou e teve grande trânsito nesse espaço, além da fama que conquistou. Enfim teve tudo aquilo que vislumbramos só a distância. Mas é bom salientar que teve tudo, porque sonhou e correu atrás. Mas não é que seja fácil, é porque é necessário. As pessoas precisam encarar a morte como algo inexorável. Lembro-me de que em uma entrevista na Rádio FM 104.9, de Independência, meu sogro, Seu Gonçalino Saboia, quando abordado sobre esse tema, disse que para ele a morte só acontecia aos outros, nunca na sua família. E na mesma reflexão salientou que ela, depois que apareceu, nunca mais se foi. Referia-se aos falecimentos de seu pai, sua mãe e irmãs. Infelizmente, ele também não está mais entre nós. Mas esta é a sina de todos que estamos cá respirando. Raquel de Queiroz ironicamente nos mostra na crônica Vida que a “morte é o processo positivo”. Enquanto pensamos que estamos vivendo estamos é morrendo, “sim desde quele primeiro instante”.

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         Faz-se mister que as pessoas aprendam a ser felizes mesmos na iminência da morte. Concordo com Guimarães Rosa quando o mesmo afirma que “viver é tão bom que dá até pena morrer”. Mas se temos que partir que o façamos de forma digna, como o fez Randy Pausch. É verdade que ele passou por momentos de grande angústia, que chorou junto à esposa, teve noites de insônia, além de se lastimar sobre como seria não ver seus filhos crescerem. Meu pai faleceu aos 85 anos. Mesmo lúcido, firme, não tinha gosto pela vida, mas não queria a morte. Certo dia, quando cheguei à sua casa e o convidei para almoçar fora, ver o mar, olhou-me com um desdém que me fez ter pena. Logo ele que quando novo foi rei das noites, amante da lua e das mulheres. Todo aquele encanto se foi antes de descer ao túmulo.
        Queria muito, num futuro bem remoto (rsrs), ter a consciência que tenho hoje, para saber os poucos meses, anos, que me restam. Iria viajar, conhecer pessoas novas, ruas diferentes. Acho que as pessoas deveriam aconselhar seus velhos e velhas a fazerem isso, pois conhecer coisas novas rejuvenesce, nos dá a real sensação de que estamos vivendo.
(Professor Alves, 26/04/2011)

MORADA NO CÉU

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Um homem muito rico morreu e foi recebido no céu.

O anjo guardião levou-o por várias alamedas e foi mostrando-lhe as casas e moradias.

Passaram por uma linda casa com belos jardins.

O homem perguntou: «Quem mora ai?"

O anjo respondeu: "É o Raimundo, aquele seu motorista que morreu no ano
passado.


O homem ficou pensando: Puxa! O Raimundo tem uma casa dessas!

Aqui deve ser muito bom!

Logo a seguir surgiu outra casa ainda mais 'bonita. "E aqui, quem mora?»

Perguntou o homem.

O anjo respondeu: "Aqui é a casa da Rosalina, aquela que foi sua cozinheira."

O homem ficou imaginando que, tendo seus empregados magníficas residências, sua morada deveria ser no mínimo um palácio.

Estava ansioso por vê-la.

Nisso o anjo parou diante de um barraco construído com tábuas e disse:

"Esta é a sua casa!"

O homem ficou indignado. "Como é possível! Vocês sabem construir coisa
muito melhor.

"Sabemos - respondeu o anjo - mas nós construímos apenas a casa.

O material são vocês mesmos que selecionam e nos enviam lá de baixo.

Você só enviou isso!"

Moral da história

Cada gesto de amor e partilha é um tijolo com o qual construímos a
eternidade.



SCRAP, VIA ORKUT DE MIRIAN SEMERARO

domingo, 24 de abril de 2011

DA OUTRA HISTÓRIA AMERICANA AOS ÁUDIO-BOOKS



          O filme A Outra História Americana conta a história da mudança radical ocorrida com o “skinhead” Derek Vinyard. Ele, neonazista convicto, é preso depois de assassinar dois negros que tentavam roubar-lhe o carro. Um deles foi morto com requintes de crueldade. Na prisão, ele começa aos poucos a perceber que tudo em que ele acredita, de fato, não faz sentido algum. Mas está tudo confuso demais em sua cabeça. Com a ajuda de Bob Sweeney, professor negro do colegial e que combate grupos racistas, vê  a necessidade de mudar. Quando sai da prisão, Derek é outro homem, disposto a reparar todos os males causados à sua família e aos outros, assim como libertar seu irmão, Daniel, das ideias neonazistas que ele mesmo implantara.
      Mas o que realmente aconteceu a Derek para que sofresse tremenda mudança? É interessante salientar que no presídio ele dividia os trabalhos da lavanderia com um negro, com o qual evitou dialogar por algum tempo; conheceu um grupo de “skinheads”, no qual se imiscuiu , que recebia droga de um grupo hispânico e a vendia para seus compatriotas; depois de se afastar desse grupo, foi estuprado enquanto tomava banho; com a ajuda de seu colega da lavanderia, foi poupado pelos outros negros que ali cumpriam pena.
      Qual desses ocorridos foi responsável pela mudança de Derek? Nenhum. É claro que de certa forma tiveram seu peso. Mas foi a leitura dos livros que Bob lhe emprestara que mudou sua visão de mundo. Qualquer mudança só pode se fazer em alguém se este alguém tiver leitura. O livro, o hábito da leitura é a maior arma de destruição de massa que existe. Ela destroi toda uma população de ignorantes mais rápido do que ataques com armas de precisão. Hipérboles a parte, é certo que o livro muda as pessoas, pois aumenta-lhes a visão de mundo. Proporciona debates interiores, fazendo com que nos sintamos capazes de renunciar a conceitos que tínhamos como certo. Quando o poeta Roraima Alves afirma que somos mutantes, era essa mutabilidade a que ele estava estava se referindo.
        
        Entretanto Nosso povo não lê, por vários motivos. Primeiro porque os livros são muito caros aqui no Brasil, os adultos não têm o hábito da leitura por isso as crianças não o adquirem. Nossos professores, um bom número, também não o fazem, e os jovens, os alunos e alunas veem no professor uma referência de vida muito importante. Faz-se necessário nesse cenário de falta de leitura, falta de livro, que se divulguem os “áudio-books”. Já que os jovens de um tempo para cá são vistos com um acessório a mais, que são os fones de ouvido, seria uma boa estratégia para minorar nossa miséria intelectual. Existem bons sites que oferecem gratuitamente “audio-books” para “download” como http://baixarbonslivros.blogspot.com/search/label/audiobooks e http://ebooksgratis.com.br/tag/audiobook/page/3/ . É importante que se divulguem ideias, que se assimilem elas para que possamos iniciar uma revolução de fato nesse país.
(Professor Alves, 24/04/2011)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

DOM CASMURRO


        
            Um dos romances mais interessantes de se lê é Dom Casmurro, de Machado de assis. Quem não o leu, faça-o. Será um prazer tão imenso que possivelmente será difícil encontrar outro similar. Desculpem-me a exageração, como diria o próprio machado, mas vai aí um fundo de verdade. A linguagem de machado de Assis é responsável pelo sucesso da obra, até mais do que a história. O modo como é conduzida a trama é a linguagem. Vejamos esse pequeno trecho:
           "Não me pude ter. As pernas desceram-me os três degraus que davam para a chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume delas, às tardes, e às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas inferiores aos braços, e valem de si mesma, quando a cabeça não as rege por meio de ideias." (Capítulo XIII)
           Se a história é genial no que tange a dúvida  do adultério que permeia a mente de quem discute a obra sob esse ponto, a linguagem é genialíssima, como diria a personagem José Dias, pela objetividade, pela metáfora da existência que desenvolve, pelo vocábulo que lhe preenche as entranhas. 
       Fazia tempo que não o lia, e algumas passagens já me haviam esquecido. Tomei-o novamente e descobri mais uma vez o prazer da leitura. Quando eu era pequeno, dez anos, acho, li um livro que me pareceu divino: Amor, o pacto quebrado, de Bábara Cartland. Cinco anos, li-o novamente. A história me pareceu interessante, mas já encontrei algumas falhas de descrição, sequência. Mais à frente li-o novamente e já o achei uma lástima. A culpa não é da autora, mas minha, que cansei de ler histórias em quadrinho, livros de bolso e fui ler José de alencar, Aluísio Azevedo. 
          Com Machado, conforme dito acima, isso não acontece. Cada vez que lemos mais descobrimos maravilhosas construções. Enigmas linguísticos vão sendo desfeitos e releituras vão se fazendo em nossos conceitos. Vejam o trecho abaixo, para depois me dizer se vale ou não a pena ler Dom Casmurro.
                     "O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa." (Cap. II)
    (Professor alves, 13/04/2011)

terça-feira, 19 de abril de 2011

CIÚME

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Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme!”
(Caetano Veloso)

       Há alguns textos os quais tenho vontade de escrever, mas me falta competência; para outros, me falta disposição e para outros, coragem. Há alguns anos fiz um soneto sobre o tema ciúme. Queria mesmo era contar uma breve história que me aconteceu, felizmente ainda na adolescência, a respeito desse maléfico sentimento. Mas me faltou coragem. Deve ser assim, sempre que queremos escrever algo que denuncia um momento de fraqueza. O soneto não saiu como queria. Sou poeta fraco. Desculpem-me os leitores se teimo em fazer versos. A narrativa não sairá melhor, pois também não sou bom com as frases. Mas vá lá. Faço-o por descargo de consciência.
      Tinha eu dezessete anos e ela quinze. Era a minha primeira paixão. Primeira não, segunda. A primeira entra em uma outra narrativa a qual também não tive ainda coragem de abordar. Chamava-se Cristiane, era a mais linda garota que até então tinha namorado. Estava deveras apaixonado. Todo meu ser vivia para ela, por ela e com ela. Ficava-me difícil até as leituras com as quais passava os tempos vagos. As brechas que se formavam entre as palavras traziam-lhe o rosto lindo, alvo e sempre sorridente. Na igreja, as palavras do padre “Deus esteja sempre convosco” eram para mim e para ela, e eu quase podia sentir a presença do onipotente nos abençoando. As flores dos quintais eram por mim dedicadas a ela, que trazia dia após dia uma enfiada no vale, formado pelo relevo de sua geografia física, labirinto por onde vagavam meus sonâmbulos desejos. Era amor, ara paixão, era loucura, era a adolescência. Quem já foi ou é adolescente e amou ou está amando sabe do que estou falando.     Todos os dias ia buscá-la na escola. Estudávamos à noite, mas não me lembro por que não estava indo à escola naquele tempo. Às nove e trinta já estava eu à sua espera, que só saía às dez e meia. É que não queria deixá-la esperando. Quando saía da escola, dava-me a mão e andávamos a passos lentos, cumprimentávamos pessoas conhecidas, falávamos abobrinhas, ríamos não sei de quê. Até chegarmos à sua casa, um beijo, um abraço. Eu ia para casa para sonhar que nosso namoro ia além daquilo.
    Certo dia, estava na esquina conversando com uns amigos, esperando a hora sagrada, quando o Maurício chegou. Olhei apressado para o relógio, que marcava apenas oito horas e alguns minutos. Maurício era colega de sala de Cristiane, e isso me fez acender de pronto uma luz fosca. Indaguei-lhe sofregamente o que havia acontecido, ao que ele me informou que faltara luz na escola e os alunos foram liberados mais cedo.  
      — E a Cristiane!? Perguntei-lhe, tentando controlar minha ansiedade.
      — Libriano, não sei não, da última vez que a vi ela estava conversando com o Francisco Antônio.
     Aquele nome caiu na minha cabeça como se fosse uma marreta. Os olhos escureceram e o ar quase me faltou. Eles tinham namorado antes de nos conhecermos, diziam que ela o havia trocado por mim. Aquilo, longe de ser uma segurança, era o andaime em falso pelo qual minha mente me conduzia. O cara era o maior ganhão da paróquia, e ainda podia ocorrer-lhe uma ideia de desforra. Em nenhum momento pensei na idoneidade da menina. Crápula que fui! Ser abjeto, cujos sentimentos afluíam de súbito sem medidas e sem pudor. Peguei rápido a bicicleta que estava mais à mão, sem sequer pedir licença ao dono, e desenfreei para a escola, que ficava a três ou quatro quilômetros dali. Na minha mente torpe, passava a cena dela, Cristiane, nos braços do outro, rindo e corroborando com o que ele dizia: “otário”. Os nervos abalados não me permitiam ver nada, pois a luz fosca que me assolara há alguns instantes já se tornava roxa, que é a cor do ciúme. Dobrei a penúltima quadra na frente de um ônibus, que freou bruscamente, dando-me tempo para desviar. Não dei por isso. Meu espírito de porco tinha maior preocupação do que ser apenas atropelado por um ônibus. Meus olhos adiantaram-se aos metros que restavam. Não vi ninguém. A frente do colégio estava às escuras, o bar da esquina, onde costumava ficar quando chegava mais cedo para minha tarefa diária, estava vazio. A luz roxa enegreceu-se de vez, meu coração já não batia, pulava tão acelerado que o barulho dentro do peito me impediu de ouvir alguém me chamando. Era ela. Sentada numa cadeira da casa de uma colega, em frente da escola, sorria o mesmo sorriso lindo de sempre. O mesmo sorriso meu, que ela me dera um dia quando me beijou a primeira vez.
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      Ela me disse que eu parecia um louco dobrando a esquina com aquela velocidade. E eu sabia disso, eu estava louco. Despediu-se da amiga e fomos para casa. Aos poucos com sua naturalidade habitual, me contou o que aconteceu, desde que faltara luz, o furdunço que se formou, a barulheira dos colegas, a ideia de ir para casa, o convite da colega para me esperar ali. Cada palavra era entrecortada por um breve sorriso. Era esse seu modo adolescente de falar. E cada sorriso eu tentava interromper com um beijo. A partir daquele dia descobri quão ruim, mal, crudelíssimo é o ciúme. Imaginem quantas pessoas já se destruíram e destruíram por culpa dele. Nunca mais tive ciúme. Aprendi a confiar nas pessoas, ou melhorei minha auto-estima.
     Quanto a Cristiane, um dia chegou-me e disse que estava apaixonada pelo primo, recém-chegado a Fortaleza e que iria casar com ele. Rolaram-me lágrimas durante três ou quatro meses, disse-me que nunca mais me enamoraria de outra garota, jurei ser volúvel, curtir, curtir e curtir, até que conheci... Não vou dizer quem, isso já é outra história.
(Professor Alves, 19/04/2011)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

FÚRIA

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“O homem em fúria
tem a força de mil bois,
mas só realizará prodígios
com serenidade.”

       Há muito tempo, li esse trecho, que agora coloco em epígrafe, num desses livros de “cowboy” que lia amiúde. Abandonei a leitura desse gênero, mas a frase ficou. O sentido me foi logo compreendido, mas o que eu não sabia era que um dia iria presenciar a consecução final do seu enunciado.
    Era sábado, meu amigo e eu estávamos entrando no supermercado, digo, adentrando o estacionamento. Havia um bom número de carros esperando uma vaga. Meu amigo tamborilava no volante, estava tranquilo, pois sempre o fora assim. Nunca eu o vira descontrolado. Estava sempre calmo como as águas mansas de um riacho, cujo som que se houve são das pedrinhas por onde elas  passam. Baixou a mão para aumentar o som do carro, talvez porque ouvira uma notícia que o interessara. Alguém buzinou atrás de nós. À frente um motorista manobrava o carro em direção a uma vaga que acabara de surgir. A próxima seria nossa. Nisso o carro atrás de nós buzinou novamente. Meu amigo baixou o vidro um pouco para fazer ver ao motorista que havia espaço para que ele passasse. Nova buzinada, desta feita mais retumbante, quase um “sai do mei palhaço”. Meu amigo girou a direção para a direita, para colocar o carro mais um pouco ali para dar mais espaço para o outro passar. Mesmo assim o outro não passou, apenas se moveu. Mais à frente um carro começou a deixar livre uma vaga. Nossa vaga. Foi aí que vimos a verdadeira intenção do apressadinho que estava atrás de nós. Meu amigo ficou lívido e deu duas buzinadas para que o moço ou a moça visse que aquela vaga era nossa por direito. É um código de ética surdo que há entre todos os frequentadores de supermercado, mas infelizmente há sempre algum engraçadinho que tenta burlá-lo. Enquanto o carro mais à frente deixava a vaga o apressadinho que antes estivera atrás de nós, já manobrava na direção dela. Meu amigo passou a buzinar incessantemente como louco e se dirigiu com o carro mais para a frente. Vi que a lividez foi embora dando lugar a ira. Como um furacão que se forma nas águas tranquilas do oceano Pacífico, via uma tempestade de fúria se formar naquele semblante antes tão calmo. Com efeito, o motorista que ocupava o carro entrou na vaga que por direito era nossa. Nesse momento abriu-se uma outra vaga, mas meu amigo estava decidido a tomar satisfação com o penetra à nossa frente. Furioso, desceu do carro e se dirigiu aos motorista infrator. Este ao vê-lo e percebendo o perigo iminente, dirigiu a mão ao porta-luvas e retirou uma arma, era uma dessas pistolas de repetição tão em voga na mão dos bandidos. Fiquei atônito diante do movimento, curiosos já viravam seus rostos e alguns outros já se escondiam ante a iminência do tiroteio. Foi tudo muito rápido, mas essa rapidez durou uma eternidade para mim. O homem ergueu a arma para meu amigo que com uma habilidade totalmente desconhecida, talvez até por ele, tomou a arma do homem que ficou estático e como única defesa levantou os braços. Ouvi uma sequência de incontáveis disparos. Um segurança do supermercado correu e abraçou-se ao meu amigo que continuava a pressionar o gatilho da arma, já totalmente vazia. O homem continuava em pé com as mãos para cima, estático, paralisado. Fui até meu amigo e o conduzi para o carro, e nos afastamos do local. A arma ficou jogada no chão.
     Não houve uma desgraça. Pelo menos ali, mas sabemos que a todo instante pessoas armadas, deixando-se levar pela fúria, cometem assassinatos que destruirão suas vidas. Não foi assim no caso do Juiz Percy Barbosa, que num acesso de fúria inexplicada matou o vigia José Renato Coelho? Afastamo-nos do supermercado e fomos a um barzinho, onde tomamos em silêncio uma cerveja e meia, até que meu amigo abriu os lábios pela primeira vez para dizer “cara palhaço, rapaz!”. Deu um meio sorriso, levantou os braços para o céu, num agradecimento surdo, e nunca mais tocamos no assunto.
 (Professor Alves, baseado em fatos reais, 18 abril de 2011)