segunda-feira, 18 de abril de 2011

FÚRIA

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“O homem em fúria
tem a força de mil bois,
mas só realizará prodígios
com serenidade.”

       Há muito tempo, li esse trecho, que agora coloco em epígrafe, num desses livros de “cowboy” que lia amiúde. Abandonei a leitura desse gênero, mas a frase ficou. O sentido me foi logo compreendido, mas o que eu não sabia era que um dia iria presenciar a consecução final do seu enunciado.
    Era sábado, meu amigo e eu estávamos entrando no supermercado, digo, adentrando o estacionamento. Havia um bom número de carros esperando uma vaga. Meu amigo tamborilava no volante, estava tranquilo, pois sempre o fora assim. Nunca eu o vira descontrolado. Estava sempre calmo como as águas mansas de um riacho, cujo som que se houve são das pedrinhas por onde elas  passam. Baixou a mão para aumentar o som do carro, talvez porque ouvira uma notícia que o interessara. Alguém buzinou atrás de nós. À frente um motorista manobrava o carro em direção a uma vaga que acabara de surgir. A próxima seria nossa. Nisso o carro atrás de nós buzinou novamente. Meu amigo baixou o vidro um pouco para fazer ver ao motorista que havia espaço para que ele passasse. Nova buzinada, desta feita mais retumbante, quase um “sai do mei palhaço”. Meu amigo girou a direção para a direita, para colocar o carro mais um pouco ali para dar mais espaço para o outro passar. Mesmo assim o outro não passou, apenas se moveu. Mais à frente um carro começou a deixar livre uma vaga. Nossa vaga. Foi aí que vimos a verdadeira intenção do apressadinho que estava atrás de nós. Meu amigo ficou lívido e deu duas buzinadas para que o moço ou a moça visse que aquela vaga era nossa por direito. É um código de ética surdo que há entre todos os frequentadores de supermercado, mas infelizmente há sempre algum engraçadinho que tenta burlá-lo. Enquanto o carro mais à frente deixava a vaga o apressadinho que antes estivera atrás de nós, já manobrava na direção dela. Meu amigo passou a buzinar incessantemente como louco e se dirigiu com o carro mais para a frente. Vi que a lividez foi embora dando lugar a ira. Como um furacão que se forma nas águas tranquilas do oceano Pacífico, via uma tempestade de fúria se formar naquele semblante antes tão calmo. Com efeito, o motorista que ocupava o carro entrou na vaga que por direito era nossa. Nesse momento abriu-se uma outra vaga, mas meu amigo estava decidido a tomar satisfação com o penetra à nossa frente. Furioso, desceu do carro e se dirigiu aos motorista infrator. Este ao vê-lo e percebendo o perigo iminente, dirigiu a mão ao porta-luvas e retirou uma arma, era uma dessas pistolas de repetição tão em voga na mão dos bandidos. Fiquei atônito diante do movimento, curiosos já viravam seus rostos e alguns outros já se escondiam ante a iminência do tiroteio. Foi tudo muito rápido, mas essa rapidez durou uma eternidade para mim. O homem ergueu a arma para meu amigo que com uma habilidade totalmente desconhecida, talvez até por ele, tomou a arma do homem que ficou estático e como única defesa levantou os braços. Ouvi uma sequência de incontáveis disparos. Um segurança do supermercado correu e abraçou-se ao meu amigo que continuava a pressionar o gatilho da arma, já totalmente vazia. O homem continuava em pé com as mãos para cima, estático, paralisado. Fui até meu amigo e o conduzi para o carro, e nos afastamos do local. A arma ficou jogada no chão.
     Não houve uma desgraça. Pelo menos ali, mas sabemos que a todo instante pessoas armadas, deixando-se levar pela fúria, cometem assassinatos que destruirão suas vidas. Não foi assim no caso do Juiz Percy Barbosa, que num acesso de fúria inexplicada matou o vigia José Renato Coelho? Afastamo-nos do supermercado e fomos a um barzinho, onde tomamos em silêncio uma cerveja e meia, até que meu amigo abriu os lábios pela primeira vez para dizer “cara palhaço, rapaz!”. Deu um meio sorriso, levantou os braços para o céu, num agradecimento surdo, e nunca mais tocamos no assunto.
 (Professor Alves, baseado em fatos reais, 18 abril de 2011)

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