quarta-feira, 28 de março de 2012

INCLUSÃO: REALIDADE OU EMBROMAÇÃO?

       Há alguns anos, numa escola particular regular, deparei com uma situação no mínimo constrangedora para mim: um aluno surdo entre mais ou menos trinta ouvintes. Chamemo-lo  de Lucas para ocultar sua identidade. O que me constrangia era principalmente a minha incompetência para lidar com o mesmo.

          Lembro-me de que ele era, pelo menos me parecia, proficiente em leitura labial. Por isso ocupava um dos primeiros lugares na frente e se punha estrategicamente de modo que pudesse fazer a leitura dos professores enquanto eles expunham sua matéria. Eu, como professor de Língua Portuguesa, sentia-me perturbado, pois no íntimo, por intuição, sabia que boa parte das definições que ali punha e expunha eram desnecessárias para o Lucas. O pior de tudo era que meu despreparo fazia com que me esquecesse do menino. Assim de vez em quando ficava falando de costas para a turma, enquanto escrevia, até que alguém dizia: “Professor, o Lucas não está conseguindo ler seus lábios”. Restava-me policiar-me para tentar não cometer o mesmo engano.
          Ouvia amiúde na sala dos professores comentários de colegas, e seus constrangimentos não eram menores que o meu. Entretanto nunca vi em nenhuma reunião pedagógica os gestores dessa área fazerem nenhuma citação sobre o problema. Ou seja, para eles o Lucas era apenas mais um aluno dentre tantos.
             Há mais tempo ainda, em uma outra escola, deparei-me com um problema similar. Uma aluna deficiente visual. Quando iniciava a aula ouvia ininterruptamente o barulhinho do material de braile que ela utilizava. Era necessário a todo instante que ficasse falando o que iria escrever. Mas o que eu mais admirava era a dedicação que os alunos tinham para com ela. Todos os dias os alunos se revesavam na tarefa de ajudá-la, numa clara demonstração de que os jovens estão sim preparados para receber e acolher com satisfação colegas "especiais". Lembremos que o mesmo ocorria no caso Lucas. Mais uma vez não lembro de essa escola ter convidado alguém do Instituto dos cegos para palestrar a respeito de como lidar com a deficiência visual total.

          Hoje trabalho na Escola Pública e vejo dia após dia comentários a respeito de escola inclusiva. Todos os anos fico sobressaltado, esperando alunos com deficiências visuais ou auditivas entrarem em minha sala e eu não saber como lidar com elas. Por isso resolvi por conta própria me matricular em um curso de LIBRAS, para que não ocorra o que aconteceu no caso Lucas. Mesmo assim sei que a Escola Pública fala muito em inclusão, mas não está preparada, nem tampouco se preparando para receber alunos com necessidades especiais.
(Professor Alves, texto produzido como Atividade Reflexiva do curso de Libras on line, Portal da Educação)

terça-feira, 27 de março de 2012

RECORDO AINDA...


(Para Dyonelio Machado)
Recordo ainda… e nada mais me importa…
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta…
Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança…
Estrada afora após segui… Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino… acreditai…
Que envelheceu, um dia, de repente!

terça-feira, 20 de março de 2012

SUS OJOS


             
                  “Yo no creo en las brujas
                      pero que las hay, las hay”
                                     (Provérbio espanhol)

¿Donde está aquella niña
Cuyos ojos me han quedado?
¿Dónde está que no la miro?
De pasión me ha embrujado.

Desde algún tiempo,
Desde que la miré
No tengo más quietud!
Nunca más la tendré?

No se dio ni cuenta
Qué cuando la he mirado
Esclavo de sus ojos
Me he de pronto tornado.

Así, tonto, desde entonces,
Quedome, sin fuerza, minado
Como un borracho por las calles,
Rengo he siempre estado.

Pero no sé su nombre
Pero siquiera oí su voz
Solamente sus ojos
Me han sido feroces.

Donde está aquella niña
Quien tiene ojos tan claros,
Que me cautivaron de pronto
Ojos  tacaños, avaros?
                 (Professor Alves, 11/2007)

quarta-feira, 7 de março de 2012

DIA INTERNACIONAL DA LUTA DA MULHER






Dia 08 de março é dia internacional da luta da mulher. Essa luta também é nossa, dos homens. Somos feitos de amor e todo esse amor adveio para nós da essência feminina. "Nós só não somos totalmente maus porque adviemos de um ventre feminino". (alguém já o disse) É por isso que se faz necessário que empreendamos esforços nessa trincheira, pois o que estamos defendendo de fato é a nossa própria essência, o nosso ego, o nosso mundo interior. às mulheres cabe a frente da batalha.

Infelizmente, vivemos num país em que mulheres são assassinadas em escala bélica. Morre mais mulheres no Brasil de assassínio do que em muitas guerras morrem homens. E o pior é que quem as está assassinando somos nós. É o nosso ego violento, ciumento, autoritário. Faz-se mister que não as presenteemos só com flores, chocolates ou coisa que o valha, mas com aquilo de que elas realmente precisam: confiança, amor, respeito.

(PROFESSOR ALVES)

terça-feira, 6 de março de 2012

AMOR E DESPEITA


SONETO I
(do anonimato)

Sabe, Senhorita, o quanto suspiro
Toda vez que teu cheiro por mim passa
Sabe que se a teus pés não me atiro
É a voz do orgulho que o meu peito enlaça.

Sabe que os meus olhos seguem teus passos,
Quando mudas de rumo a face viro,
Sem querer me olhas, sonho ter teus abraços,
Assim que partes, triste me retiro.

No entanto mal surge o dia seguinte
‘Magino sorridente  o teu semblante
E anseio logo estar perto de ti.

Vejo, então, feito um reles pedinte,
Do anonimato, o peito radiante,
Teu olhar que sempre igual nunca vi.

(Professor Alves)

SONETO II
(do enlace fatal)

Porém, Senhorita, em breve estarás
Matrimônio ao pé do altar contraindo
Como um cisne, em véu contente sorrindo,
Triste, sombrio, meu peito deixarás.

Quando pisares o degrau vermelho
E as estrelas brilharem por teu encanto
Em teu louvor derramarei meu pranto
E então sonharei ser teu espelho.

A vida seguirá seu curso normal
Entanto algo em meu ser estará vazio
Um pedaço de mim estará faltando:

É teu olhar agora inda mais formal
É teu sorriso ainda mais fugidio:
A esperança anônima enfim findando.

                    Professor Alves,  setembro de 2003
  

POST CONUBIUM
(da despeita)

Senhora, ontem casualmente a vi,
Fiquei pasmado com sua ímpar figura
Tão que no que vi, Senhora, não cri:
Há muito não via tanta feiura.

Lembra-me a beleza que antes medi:
Porte airoso, corpo esbelto, tez pura,
Sua fina mão que outrora segui,
Seu lindo sorriso, digno de mesura.

Porém, a imagem que hoje vislumbrei,
Dois cambitos, bucho proeminente,
O rosto diferia do que eu beijei.

Tão pouco tempo, meu bem, se passou
(Se não me engano, faltam-lhe dois dentes)
E o casamento com você acabou!
                  
 ( Professor Alves, janeiro de 2005 ) 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O PEIXINHO


(Para Mário Quintana)

O peixinho era tão pequenino
E eu tão desastrado
Ele tinha uma cor rosa
E eu não tinha o direito de ser desastrado
Ele rodopiava no saco  alegre como uma criança
Eu fui colocá-lo em sua casa
Ele caiu no ralo
Agora me há um vazio tão grande
"Que mesmo que eu bebesse o mar
Encheria o que eu  tenho de fundo".

Hoje eu compreendo a fragilidade das coisas pequenas
E eu compreendo a fragilidade da infância
Por que devemos cuidar dela
Para que ela não escape de nossos dedos
Para que não caia no ralo da vida
Para que não entre pelo cano.
               (Professor Alves,   Janeiro de 2004)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A ÚLTIMA NOTA





Quando chegamos ao apartamento dele, nada mais restava do que fora em vida. Apenas uma massa putrefata jazia estendida no assoalho. A mão esquerda crispada como se procurasse uma nota silenciosa no violão, que tantas vezes nos alegrava no ritmo de sua voz.
Foi tudo muito rápido. Do telefonema à entrada no apartamento com a ajuda da polícia. Era como se a realidade se invertesse, perdesse o sentido a nos amedrontar com suas armadilhas infelizes. O show mais uma vez tinha sido maravilhoso, encerrado como sempre com uma performance de The Wall, em que o violão quase falava. Depois sentou-se à mesa conosco, e elogiamos o repertório e falamos de mulheres e de sua solidão.
     Didi Nascimento tinha entre trinta e dois e trinta e seis anos. Era um moço bonito além de talentoso. Sabíamos vagamente que havia sido casado e que a separação tinha sido por motivos levianos, não de sua parte, mas da companheira. Decidira-se morar só. O corpo do violão seria sua eterna companhia. Fortuitamente saía com algumas mulheres, sempre diversa, para se proteger de armadilhas do coração. A melancolia, entretanto, não era o forte de seu repertório. O romantismo no máximo chegava a Chico Buarque, Mil perdões e coisas do gênero. Não foi por acaso que instamos com ele, quando recebeu o diagnóstico de arritmia cardíaca, para que casasse ou mesmo encontrasse alguém para dividir o apartamento, podia ser um amigo. Para nos acalmar disse que iria pensar no caso. Não deu tempo.
       Naquela noite, estávamos a fim de ficar em casa. Não iríamos como de costume à Praia de Iracema onde ficam os “barzinhos” da cidade onde podemos, ainda, ouvir uma boa música. Quando o telefone tocou, não sei por que senti um frio na espinha. Bobagem! Ao atender, ouvi do outro lado a voz embargada de nossa amiga Albetiza. Ela instava para que fôssemos à casa de Didi. Ele não havia ligado nos últimos dias e não havia aparecido no The Wall Bar, onde deveria estar trabalhando. Chegamos ao condomínio e fomos informados de que depois que chegara naquela quinta-feira ele não havia saído de casa. Ligamos para a polícia e constamos o óbvio. Sozinho, nosso amigo foi acometido de uma crise de arritmia, tentou desesperadamente chegar até o telefone, no outro lado do quarto, sobre um criado-mudo, onde conservava ainda a foto da ex-esposa, perto do amigo violão. Tentou em vão chegar ali, talvez com a finalidade de ligar para alguém, mas morreu com as mãos crispadas entre a esperança de alcançar o aparelho ou de tocar a foto da amada ou mesmo a última nota de sua vida.
(Professor Alves)