terça-feira, 3 de dezembro de 2019

INCÊNDIO, PISA E PISOTEIO


(Alves Andrade)
Em um depoimento à Rádio Bandeirantes, um professor de Direito disse que muitas vezes se sente um professor incompetente ao dar aulas para alunos que não leem, não vão ao cinema ou ao teatro, não viajam. E que em outros momentos se sente o melhor professor do mundo, quando está diante de alunos que têm acesso à leitura, ao cinema, ao teatro, a viagens etc. Com  poucas palavras, se faz entender e o tempo rende, e o aprendizado é quase imediato.
Lembrei-me dessa entrevista devido aos resultados do PISA, exame internacional de proficiência básica em Leitura, Matemática e em Ciência. O Brasil mais uma vez fica atrás de cinquenta  países, ocupando a posição 57ª entre setenta países examinados. O máximo que se conseguiu foi a compreensão de uma ideia explícita. Interpretar uma letra de Caetano Veloso, impossível. Apesar de o novo presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, ter associado o poeta, músico e pensador baiano ao analfabetismo de nossos jovens. Segundo ele, os livros didáticos têm muitos textos de Caetano, Chico, Gabriel (o Pensador) etc, por isso nossos jovens não conseguem tirar boa nota no PISA (grifo nosso)*.
Voltando às palavras do professor de direito supracitadas, lembro-me de que tenho colegas na rede pública de ensino que também trabalham na rede particular, em grandes escolas, cujos alunos são bem alimentados, possuem padrão de vida confortável, viajam, vão ao cinema (nunca ao teatro), mas não leem. Por esse último motivo, continuam analfabetos e, se um dia se formarem em universidades particulares, continuarão analfabetos. Esses colegas, pelo que me consta, realizam o mesmo trabalho, com o mesmo denodo com que o fazem na rede privada.
O professor de Direito está certo. Se trabalhamos com alunos mais predispostos ao entendimento, eles vão brilhar mais rápido. O problema é que nem lá (na privada) nem cá (na pública) existem leitores, logo não haverá entendimento. E se aqueles vão se formar e continuar o legado de seus pais, estes não irão, mas o legado será continuado por motivos óbvios.
Aqui, a fome, a falta de oportunidade de leitura e o a falta de empenho do estado são os grandes culpados pela derrota do menino. Lá, eles nunca serão vitoriosos, porque diploma não resgata dignidade. Continuarão obnubilados pela incerteza da existência. Terão dinheiro, filhos na mesma escola, quiçá fama, mas não serão livres das amarras da ignorância, que os prendem nas teias do preconceito ou da boçalidade mesmo.
Aqui, a polícia, a serviço do Estado, continuará a mandar para o cemitério milhares de jovens, como aqueles pisoteados em Paraisópolis, ou aqueles que são chacinados todos os dias nos morros cariocas e nas ruas de Fortaleza, Teresina, São Luiz, como os onze que foram violentamente assassinados pela polícia do Sr. Camilo Santana, em 2015. A truculência do estado não tem partido, não tem ideologia. Quando não for a polícia, serão as péssimas condições de vida que os empurrarão para a vala comum, como as duas crianças que morreram hoje, pela madrugada, queimadas em barracos Brasil a fora. Seja no jangurussu, em Fortaleza, ou num barraco na zona sul de são Paulo, conforme a que estampou o portal G1, deste 03/12.
No entanto o capitão manda a manobra,  E após fitando o céu que se desdobra,  Tão puro sobre o mar,   Diz do fumo entre os densos nevoeiros:   "Vibrai rijo o chicote, marinheiros!  Fazei-os mais dançar!..." E o chicote estala. O mesmo chicote citado por Castro Alves (não tem metáfora, não tem figuras, é tudo verdade) foi o que encurralou os jovens num beco sem saída lavando-os ao pisoteio, lá em Paraisópolis. O Capitão dos navios negreiros continuam em ação, seja no Planalto seja nos camburões. Lembremos que todo camburão tem um pouco de navio negreiro.
E os ídices do Pisa? Que ídice? Precisamos primeiro lutar para que os índices de assassinatos de jovens diminuam para que pensemos em crescimento nos índices da Educação.
*(https://www.cartacapital.com.br/educacao/pisa-metade-dos-estudantes-brasileiros-ainda-nao-consegue-compreender-um-texto/)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

FEMINICÍDIO: CRIME E COVARDIA



(Por Alves Andrade)

“Mulher, irmã, escuta-me: não ames!
Quando a teus pés um homem terno e curvo
Te jurar amor, chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher. Ele te engana!
As lágrimas são as galas da mentira
E o juramento, o manto da perfídia!”
                                          (Macedo)

Queria aqui refletir,
Sobre coisa acontecida,
Quisera ser coisa boa,
Não é de morte morrida,
É sim de morte matada,
Que abre em corações ferida.

U’a matança de mulher,
Tal qual fosse planejada,
No Brasil de norte a sul,
Não tem classe desejada,
Pobre e rico mata e morre,
E a justiça não faz nada.

Porém isso não é de hoje,
Desde que era pequenino,
Sabia histórias assim,
Morte ao sexo feminino
Executada por homens
Desse sexo masculino.

***
Creusa, uma linda mulher,
Cujo marido a matou,
Foi com lâmina afiada
Que o crime se perpetrou.
Faz tempo que aconteceu
Minha infância o relembrou.

Ela, nossa conhecida,
Mulher de muita alegria,
O marido um capadócio,
Vida rastrera vivia,
tinha ciúmes da esposa,
Nada pra ver, e ele via.

A notícia, divulgada
Pelas rádios da cidade,
Monstro abalo onde morávamos,
Grande a infelicidade,
Moça mui bonita e jovem
Vítima de atrocidade.

***
No ano de setenta e seis,
Fato triste ali se deu:
Musa, libérrima e audaz,
Ângela Diniz morreu.
O assassino endiabrado
Era o companheiro seu.

Este fato foi pior
Porque o canalha saiu
Da prisão dias depois,
O país inteiro viu
Dizer-se pra todo mundo:
Ela  o marido traiu.

Falo de Ângela Diniz,
De Doca Street companheira,
Dizimada então por ele
Teve a imagem na lameira
Mas isso mexeu com a turma
Feminina brasileira.

A tese dessa defesa
Acusava-a de adultério,
Prostituta e muito mais.
Vejam só que despautério!
Denegriu a imagem sua,
Às portas do cemitério.

Foi grande a iniquidade,
Foi tamanha a covardia,
O caráter dessa musa
Foi tratado à revelia.
O bandido fora preso
Mas já é livre hoje em dia.

***
Mil novecentos e um,
Início de um tempo novo,
O orbe não tinha acabado,
Era bom o preço do ovo
Havia muita esperança
Na face rubra do povo.

A mulher bonita e jovem
Na casa de jogo entrou,
Foi lá buscar o marido,
Que o dinheiro ali jogou.
Surrou-a perante todos
E em casa ele a matou.

Esse fato aconteceu
No sul do nosso Brasil,
Foi em Caxias do Sul
Que esse indivíduo vil
Matou sua amada esposa
E o albor do século viu.

***
Há pouco uma empresária,
Aqui mesmo em Fortaleza,
Morreu de morte matada,
Foi bem grande a malvadeza,
Todo mundo sabe disso,
Mas é grande a safadeza.

O bandido advogado,
Querendo o dinheiro seu,
Matou logo a coitadinha
Pelo amor que ela lhe deu,
Não foi nem por um ciúme
Que o crime ele cometeu.

Foi tudo pela ganância
Que o bastardo praticou
Feminicídio violento,
De suicídio ele chamou,
E a justiça cearense
No calhorda acreditou.

Tenho pena da família
Daquela pobre criatura,
Filho chora noite e dia,
A pobre mãe inda atura
A face desse indivíduo
Mentindo tanto que jura.

***
Vê como a justiça é falha,
Numa praia mesmo aqui,
Um indivíduo assassinou,
Na praia do Icaraí,
A filhinha e a mulher,
Já está solto por aí.

Mesmo tendo confessado
Como o crime consumou,
O juiz mamanaégua
Logo logo ele soltou,
Incentivando outros crimes.
Nem mesmo nisso ele pensou?

***
Um indivíduo seboso
Na cidade Pedra Branca
Matou uma bela menina
Muito rica e muito franca
Porque ela decidiu
Acabar com sua banca.

O homem nojento e feio
Chegou na fazenda lá,
Se fazendo de bonzinho,
Começou a trabalhar,
Se botou para a menina
Que o mandou coquim catar.

A besta fera queria
Seus desejos afogar,
Planejou um plano velho
Para a coitada estuprar,
Até dinheiro o matador
Conseguiu ele ajuntar.

Depois do fato consumado,
Não ainda satisfeito,
Matou a bela menina,
Porque era um mau sujeito,
Foi embora pro sertão
Onde foi preso, com efeito.

***
Esses são apenas casos
Que ecoam pela mídia,
Mas há milhares no olvido
Repletos de igual perfídia,
Perpetrados por maldade,
Feitos com toda insídia.

Todo dia é uma loucura
O que vimos na telinha,
Notícia de mulher morta
Por doutor ou flanelinha,
Ninguém escapa da fúria
Desse trem fora da linha.

Não é de hoje não
Que acontece coisa assim,
Mas os casos eram vistos
Tal coisa banal, enfim,
Homens donos de mulheres,
Era uma coisa ruim.

Mas ao longo da história
Bastante coisa mudou,
A mulher saiu de casa,
Foi à rua e lutou,
Bateu o pé, disse não,
Seu direito conquistou.

Entretanto o bicho homem
Indignado se tornou
E na recente história
Endiabrado ele ficou,
Arrogância lhe sobrando
A companheira ele ceifou.

A justiça então criou
O termo feminicídio,
Que não deve ser tratado
Como mero homicídio,
E não se deve ter dúvida
De que não foi um suicídio.

É quando o homem assassina
A companheira ou namorada
Por ciúme ou baboseira
Ou pra ter a alma lavada,
Agora vai pra cadeia,
Vai curtir cela fechada.

Entretanto me parece
Que o efeito não surtiu,
Pois duzentas mulheres
Morreram de forma hostil,
Apenasmente neste ano!
Perda que o filho sentiu.

Pela ira do assassino,
A morte elas encontraram
Por todo tipo de arma,
Facão e pistola usaram,
Pau, pá, enxada e pedra
Até pelas mãos  mataram.

É preciso que a justiça
Deste Brasil imenso
Pare esse rio de choro
Que encharca do filho o lenço
Mostre ao homem mau
Que a mulher não lhe pertence.

Peço assim divulgação
Para esse apelo chegar
A milhares de consciência
E o homem mentalizar
Que o amor de uma mulher
Não dá pra se apropriar.

Que é bom esquecer o passado
Quando a lei estipulava
Que a mulher era submissa
Ao homem com quem casava,
Mesmo se era infeliz
Mesmo quando mal passava.

Mas hoje os dias são outros,
Mulher e homem iguais,
Esteja junto ao marido,
Seja na casa dos pais,
É bom ir se conformando,
O tempo não volta mais.
Fim!