segunda-feira, 27 de outubro de 2008

DE VIDAS, DE SONHOS, DE RENCONTROS

A partir dessa semana, será publicado um romance de nossa autoria. Toda segunda, será úblicado um capítulo desse romance, cujo título provisório é DE SONHOS, DE VIDAS, DE REENCONTROS. Abaixo segue a primeira postagem que é a introdução capítulo.


INTRODUÇÃO

“Beija-me com os beijos de tua boca;
porque melhor é o teu amor do que o vinho.
Suave é o aroma dos teus ungüentos;
como ungüento derramado
é o teu nome.”
(Cânticos: 1 – 2;3)

Como é Veneza? Em uma única palavra: apaixonante. Não existe outra cidade como ela. Não há melhor lugar para se passar uma lua-de-mel. E assim, eu casado com a solidão, de quem há muito havia me separado, resolvi ir até lá. É realmente embriagante andar pelas vielas de Veneza, sente-se o cheiro da Idade Média, pisando-se nas ruas de pedra. Mas a maior atração, com certeza, são os canais. Para minha sorte, cheguei a essa magnífica cidade no primeiro sábado de setembro, e no domingo, debruçado numa das cem janelas do Hotel Carlton e Grand Canal, que estão de frente para o Grande Canal, conforme o nome já sugere, já assisti à Regata Storica. Trata-se de uma competição de gôndolas de diferentes categorias. Nos dias que se seguiram fiz o que todo turista faz, ao lado de sua esposa: fui à praça San Marcos; visitei a Igreja de mesmo nome, depois de encarar uma fila quilométrica; passeei numa gôndola com almofadas em formato de coração, e... cansei. Era mais ou menos o décimo quinto dia em Veneza e minha esposa já me aborrecera. Uma impaciência me percorria as costas e me formigava o cérebro. Precisava urgentemente encontrar alguém para conversar ou pelo menos para observar.
Era uma tarde de sexta-feira quando um casal me chamou a atenção. Eu havia acabado de chegar de uma caminhada pelas verdadeiras ruas de Veneza, que são aquelas onde moram seus habitantes, dir-se-iam ruelas que deixam-nos ver um monte de pontezinhas sobre os inúmeros canais. Estava debruçado na janela do quarto admirando a beleza do Grande Canal, tentando descobrir os mistérios medievais submersos naquelas águas, quando esse casal passou numa gôndola. Era um casal como outro qualquer, entretanto algo, que não sei o quê, chamou-me a atenção, com certeza não foi o fato de ambos serem brasileiros, pois não dava para fazer essa identificação da distância que eu me encontrava deles.
À noite, estava em um restaurante observando as luzes da cidade refletida nas águas, quando os vi novamente. Ele deveria ter uns cinqüenta anos, enquanto ela era um pouco mais jovem. Os dois conversavam, enquanto a mulher com um brilho sapeca no olhar fazia trejeitos para diverti-lo, oferecendo-lhe os lábios umedecidos de vinho. Ele ria e beijava-lhe os lábios, beijava-os não, acarinhava-os com os seus. É esse o verbo que melhor define aquela atitude. Ela, então, molhava novamente os lábios no vinho e ofertava-os a ele, que sorvia o líquido e permanecia alguns segundos, embriagado na beleza do rosto da companheira. De súbito me veio uma idéia: aproximar-me deles e conhecer a magia daquele amor, afinal não é todo dia que vemos um casal com tamanha demonstração de carinho. “Devem ser recém-casados” – pensei. Por outro lado, indagava-me se tinha o direito de interrompê-los, pois se eles estavam ali, tão longe de casa, sozinhos, é porque não queriam companhia. Entretanto, para minha surpresa, foi ele que se aproximou de mim. Enquanto ela saiu, para ir ao toalete, ele levantou e veio até mim:
─ Boa noite! Você é brasileiro, não é? – perguntou-me, passando a mão pelos cabelos grisalhos que também brilhavam sob o reflexo das luzes.
─ Sim – respondi apertando-lhe a mão.
─ Aqui é tão difícil encontrar alguém de casa que, quando o vi, não pude controlar a vontade de falar português, com alguém que não seja lusitano. – justificou-se quase impaciente por eu não convidá-lo a sentar-se. Quando percebi essa minha gafe, prontifiquei-me a fazê-lo.
Logo estávamos familiarizados. Quando sua bela esposa chegou, ele ma apresentou e os três ficamos conversando sobre o Brasil e sobre Fortaleza. Coincidentemente eles também eram da capital alencarina. Por mais que eu me esforçasse, entretanto, não conseguia tirar os olhos de sua adorável senhora. Se os amigos leitores a vissem, com certeza saberiam o motivo. Quando voltei para o hotel levei deles a promessa de no dia seguinte almoçarmos juntos.
No dia seguinte, tínhamos acabado de almoçar, quando Daniel, era esse o nome do homem, virou-se para mim e disse:
─ Senhor Rodrigo, pode ser que o senhor não acredite em reencarnação, mas eu lembro do senhor de alguma vida anterior.
Eu estava estupefato. Afinal não é todo dia que alguém lembra de você de uma outra vida. O mais comum é alguém lembrar de você de algum lugar. Ele então repetiu a afirmação e virando-se para sua bela esposa, como quem casara há poucos dias, disse que a primeira vez que os dois se viram foi numa outra encarnação, há centenas de anos. Diante da minha surpresa ele contou rapidamente sobre seu dom de reconhecer as pessoas com quem vivera ou com quem apenas cruzara em outras vidas. Em seguida com poucas palavras me contou sua história. Eu estava entre surpreendido e impressionado. Aquela era, se não a mais bela, a mais surpreendente história de amor que alguém pode ter vivido. E ela estava ali ao alcance de meus ouvidos. No dia seguinte devolvi o favor. Fui almoçar com meus novos amigos. Levei comigo meu editor de texto portátil e o gravador. Pedi então para que Daniel me contasse sua história de sonhos e encontros. Ele assentiu, mas com uma condição: que, ao escrevê-la, eu o fizesse em primeira pessoa, pois queria que os leitores ouvissem sua voz e os ecos do passado recente e do passado remoto. É claro que eu aceitei essa condição, e, durante uma semana, em pontos diferentes de Veneza, ele me contou a história que vocês lerão a seguir.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

NÃO COMETA ESSE ERRO


A SINA DO ESCARAVELHO

Assim, como humanos seres há,
Que grande poder a si se arrosta,
Existe inseto que também se dá,
Falo do nojento rola-bosta.

Rola-bosta é apenas apelido,
Seu nome verdadeiro é escaravelho,
Como Narciso, o inútil é atrevido,
Coa caca, só descansa ante um espelho.

Vi-o enquanto olhava meu jardim,
Fiquei incrivificado com a criatura
Que desfilava bem perto de mim,
Cara fechada, preso em sua feiúra.

Ostentava tanta empáfia o infeliz,
Que chamou deveras minha atenção,
Resolvi logo ser dele aprendiz,
Para não repetir sua lição.

Duma lorica pesada era preso,
Erguia sua tromba como um falo,
Olhava os colegas com desprezo,
Como em sua cabeça houvesse um halo.

Os insetos menores tinham medo,
Pois não sabiam que, apesar de tudo,
Ele guardava um enorme segredo
Debaixo de seu focinho trombudo.

Por muitos dias perscrutei atento,
Aquele pesado fardo levar,
Aquele ser de penúria e lamento,
De viés aos outros seres olhar.

Eu juro que fiquei com muito dó,
Dele, vestido como um cavaleiro,
Porém levando a vida muito só,
Sem nunca ter momento alvissareiro.

Em surdina, dos insetos ouvi
Que ele tinha sido mais coitado,
Entanto era mais humilde ali,
E a ninguém ele tinha humilhado.

Um dia, deram para ele cuidar,
Porém, uma bosta bem grande e suja,
Que carrega então de lá para cá,
Vigiando como mamãe coruja.

Adora aos pequeninos indagar:
Sabem para que seve esta caca?
Respondem ingênuos: para brincar!
Dando um sorriso frio o babaca,

Mas não sabendo também responder
O que acabara de perguntar,
Sai trombudo a cumprir seu dever,
Sua grande bosta vai empurrar.

Entanto todo mundo tem alguém
Para consigo se preocupar.
Com ele aconteceu também,
Uma amiga havia pra consolar.

Disse-lhe ela: não seja tão sisudo,
Procure uma parceira para o ajudar,
Não seja assim, colega, tão cascudo
Há uma companheira para te amar.

Diante de grande demonstração,
O pobre resolveu pra ela se abrir
Não posso, amiga, dar meu coração,
Às fêmeas de lá tampouco daqui.

Só a você vou dizer a verdade,
Vou segredar o que sempre serei,
Que não se sabe na comunidade,
A verdade, colega, é que sou gay.

Estupefato ao ouvir-lo fiquei,
Diante de tamanha confissão,
Não sabia de nenhum inseto gay,
Sabia até de veado leão.

Mas sua amiga, do rola-bostas,
Era dessas amigas de verdade,
Disse-lhe passando a mão nas costas:
Todos precisam da felicidade.

Para tudo nesta vida tem jeito,
Não se importe meu amigo querido,
Ser boiola não é nenhum defeito,
Por que não arranja você um marido?

Arranje, amigo, um companheiro, então,
Que o ame de fato e ame-o também,
Formando de dois um só coração,
E que os anjos enfim digam amém.

Ele então seguindo esse conselho,
Logo passou com outro a desfilar,
Quando o via ficava vermelho,
E saíam os dois a namorar.

Mas não mudou nada o pobre coitado,
O motivo disso logo direi:
Não se pode amar inseto veado
Por um inseto que também é gay.

Juro sobre a bíblia e ante Deus,
Isso tudo aconteceu no meu jardim,
Passou-se assim perante os olhos meus
Descortinou-se bem perto de mim.
(Professor Alves, 03/08)

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

DÊ UMA CHANCE A PAZ


IMPOSSÍVEL SONHAR
Professor Alves

“Minha mão não tem mais palma!
Dói em reverência! Violência calma!”

Hoje queria escrever um texto no qual fizesse transbordar minha admiração infinda pela humanidade, que levasse aos olhos do leitor lágrimas de felicidade e lhe desse uma vontade enorme de sair às ruas e cumprimentar seus semelhantes. Queria contar uma história, pequena que fosse, mas que narrasse uma atitude digna de uma espécie a qual se orgulha de ser racional, e que servisse de exemplo para toda humanidade, principalmente à que se diz cristã.

Não, hoje eu não queria falar em políticos e seu cinismo indecente, diante da população rota, transida pela falta de tudo que lhes dê uma condição minimamente humana. Hoje eu queria dormir tranqüilo, ter sonhos bons que elevassem meu astral para o dia seguinte.

Queria falar sobre o sorriso das crianças; do amor, verdadeiro, dos anciãos; da ingenuidade dos namorados; da puerícia das cartas de amor; do infinito mistério do beija-flor e da impossibilidade do besouro.

Mas não é possível, depois do que eu presenciei. Uma cena indigna da inteligência humana. Foi um sonho dantesco, porém indigno da Divina Comédia Humana. Numa avenida, há tão pouco tempo calma, porém, já hoje, tumultuada pelo ir e vir dos carros, ironicamente, próximo a uma escola. Após uma pequena colisão, dessas que se vêem a todo instante numa cidade que cresce, sem nenhuma estrutura para dar alicerce a esse crescimento. O proprietário do veículo colidido, de arma em punho humilhava o outro, o vilão daquele sinistro. Enquanto vociferava, ordenando que o outro entrasse no seu veículo e fosse embora, mudava o revólver de mão. Naquele momento, como os cabelos de Sansão, a arma empunhada lhe dava poder, e ele crescia perante o outro, que, humilhado, constrangido, diminuía, apequenava-se diante da superioridade da arma. Não sei quem era maior, se o revólver ou o homem que se escondia por trás dela. Não sei quem era menor, se o homem humilhado ou a sua dignidade. Súbito percebi que a humilhação não era privilégio dele, ela era coletiva Todos que por ali passavam, fechados nos seus escudos de aço, sentiam-se abatidos por aquele homem poderoso e sua arma. Em câmara lenta, (Essa era a velocidade do momento, uma vez que a cena tornava-se infinita como num filme de John Woo), o homem com a moral destroçada entrava em seu carro.

Não vi o desfecho da cena. Não precisava. O desfecho foi a morte do homem, suposto responsável pela colisão. Impossível alguém sair vivo, pelo menos moralmente, depois de passar por aquilo. Infelizmente hoje à noite terei pesadelos.

(Fortaleza, 29/04/08)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O SAL DA TERRA


O SAL DA TERRA

“Vós sois o sal da terra. E se o sal é insípido, com que se há de salgar? Servirá apenas para ser jogado fora e ser pisado pelos homens.”

Voltando para casa, sete e meia da noite, mais ou menos, vejo um furdunço urbano. Uma turba jazia ante um cadáver, sobre o qual profissionalmente já se debruçava o fotógrafo da “perícia”. Ladeando a cena, dois carros do já famigerado “Ronda do quarteirão”. Passando lentamente, mais por curiosidade que por impedimento, pude vislumbrar o pé do ex-vivente. Era um pé pequeno, desses que ainda não trilharam muitos caminhos nem o farão por já não terem futuro. Era uma criança. Quantos anos? Não importa. Era uma criança. Causa mortis? Bala. Motivo: tentativa de assalto. Não, ele não foi assaltado. Tentou fazê-lo e o resultado foi esse.

Infelizmente, não se trata de um fato isolado. Acontecimentos como esse ocorrem todos os dias numa cidade como Fortaleza. O que me leva a narrá-lo aqui, a dedos frios e coração palpitante foi o fato de me virem à mente naquele momento as palavras do mestre: “Vós sois o sal da terra...” E se o sal não tem sabor? Na verdade, quando Jesus disse isso não estava pensando em salvar almas, mas estava dizendo para todos os jovens, que são o sal da terra, a luz da vida. Mas infelizmente cada vez mais o sal está perdendo o sabor, e a luz, o brilho. Sem educação, sem orientação, o sal já não serve para dar sabor à vida, somente para ser pisado, humilhado, manipulado pelos outros.

Minha ignorância diante de algumas coisas me constrange às vezes. Uma vez, ante uma prateleira de supermercado, ainda lembrando as palavras do sábio filho de José, fiquei impressionado com a variação de preço do sal. Ao que um senhor me acorreu explicando que o valor do sal oscilava de acordo com o grau de pureza, ou com a procedência. Quanto mais refinado, mais caro se torna. Pensei assim que mesmo aqueles jovens que ainda têm algum sabor precisam ser refinados, pois mesmo que não sejam jogados fora, serão mal aproveitados, serão discriminados na prateleira do mercado de trabalho. Não sei como um país quer alcançar o topo onde se encontram os países de primeiro mundo sem refinar seu sal, sem lhe tirar as impurezas, sem lhe acrescentar a quantidade de iodo necessária!

Infelizmente, enquanto não houver vergonha na cara das autoridades, nossa juventude será sal grosseiro, daquele manipulado por mãos rudes, molhado no sal das lágrimas e suor. A falta de iodo no refino levará ao bócio social. Um grande número, crescente a cada dia, sem gosto, será jogado fora, pisado pelos homens; alguns servirão para enrijecer a argamassa que se multiplicará em prédios país a fora; e só alguns poucos servirão para a mesa do “chef” francês.

(Professor Alves)

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A FLOR E A DOR




A FLOR E A DOR
OU A ETERNA LUTA DO BEM CONTRA O MAL
(para Dra. Karol, uma flor vestida de anjo)

A dor surgiu sub-repticiamente,
De leve, cansada, espaçosa,
Logo foi tomando espaço na mente,
Em breve, era toda vitoriosa,
Impedindo os atos comumente.

Até que de triunfo deu seu grito,
Quedou-me com violência no chão.
O doutor mandou-me seguir o rito,
Ressonância era o exame padrão.
Saiu então o diagnóstico maldito.

“Exuberante protrusão discal
Póstero-mediana” – disse o médico
Descrevendo qual era o meu mal –
“Contraindo” – continuou sádico –
“A margem ventral do saco dural”.

Sentia-me como se fosse fuzilado,
Estava perplexo diante daquilo,
Ele ria por ter-me humilhado,
Recompus-me e perguntei tranqüilo:
– Há vida pra mim depois desse laudo?

Não é nada para desesperar,
Vamos fazer forte medicação,
Fisioterapia muita se fará,
Após dez meses de dedicação,
Bom de novo você estará.

Triste, macambúzio e desolado,
Voltei então dessa forma para casa,
Sem contar com a dor física do lado.
No tratamento, logo mandei brasa,
Pior, juro, nunca havia estado.

Em poucos dias estava arrasado.
Os comprimidos e as injeções
Deixaram-me o corpo debilitado,
Fui afastado, pois, das diversões
E do trabalho fui logo sacado.

A angústia e a má solidão
Tornaram-se assim minhas companheiras,
Fui presa fácil da televisão,
Nem em sonhos ia a brincadeiras,
Mas pensava: “dias melhores virão”.

Meu consolo era o computador,
Do orkut, os amigos e amigas,
Xadrez, música, e, como leitor,
Jornais e até revistas antigas,
Eram os lenitivos para a dor.

Bons dias vieram antes que eu pensava!
“Há malas as quais vem para o trem”
Há pouco um amigo, brincando, falava,
– Há males os quais vêm para o bem –
Esse provérbio ele parodiava.

E foi no momento em que adentrei
A sala de fisioterapia:
Um ente celeste encarnado encontrei!
A tal dor de repente não sentia,
De pronto, logo, logo melhorei.

Era um anjo meigo e lindo, Meu Deus!
Desses os quais pouco vêm à terra –
Que encanto para os olhos meus –
Quando vêm, numa redoma se encerram.
Inacessível a um coração ateu!

Era um ser feito de luz e harmonia,
Era um manto de pura perfeição,
O jaleco branco e o que dele fluía!
Tomou a minha dor em sua mão,
Senti-me conduzido à sacristia.

Mas passado o primeiro momento,
A dor voltou, plena, aguda, fria.
Era para mim deveras tormento
Quando vinha então a analgesia,
Só seus olhos me traziam lenimento.

Ela era assim como uma flor,
Cujos espinhos do conhecimento
Combatiam naquele vale de dor,
Impondo-nos severo tratamento,
Severamente, entanto com amor.

Era bastante um discreto sorriso,
Mostrando duas ebúrneas fileiras,
Para o mal se abater ante esse viso,
Pois sabia que não era brincadeira,
Recuava, mostrando ter bom siso.


Era a luta dos seres antitéticos:
Quando a dor sorria cinicamente,
Utilizando seus meios ecléticos;
A flor agia pacientemente,
Utilizando expedientes éticos!

Até que do bem começou a vitória.
A dor tentou, ainda em desespero,
Ostentar uma enganosa glória,
Mas a bela flor tinha o dom do esmero
E mudou por completo a história.

As noites, torturadas pela dor,
Ganharam agora uma nova feição,
São embaladas pela voz da flor,
Que, palpitante tal qual coração,
Abre os lábios, pétalas de olor.

O mal, vendo-se por fim derrotado,
Saiu deixando o campo da batalha.
Era o disco, que antes protrusado,
Pedia desculpas por sua falha;
Vitória do bem, em anjo encarnado.

Quando voltei então ao ortopedista,
Ele ficou assim sobressaltado,
Vendo-me andar como um nacionalista,
Senti-o um pouco decepcionado,
Pois, passou de leve a mão na vista.

O que vejo, amigo, um sério colosso!
Que fizeste, pois o que miro é raro,
Andas forte como se fosse um moço,
Encontraste algum santo, meu caro!?
Respondi-lhe – Uma, de carne e osso”

(Porofessor Alves)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O CIRCO DA MINHA INFÂNCIA


Muitas coisas da nossa infância nos assaltam de vez em quando. O interessante é que existem modelos, criam-se em nossas mentes paradigmas para o que acontece mais de uma vez. Os circos da minha infância foram inúmeros, de diversas cores e nomes, com artistas dos mais diferentes matizes. Entretanto aquele que meu inconsciente elegeu para repetir através das gerações foi um só.


      Em épocas determinadas do ano aparecia o circo. Estava brincando no quintal quando ouvia a algazarra, gritos da molecada a que eu deveria me juntar, se mamãe deixasse, é claro. Do quintal ainda ouvia os primeiros gritos: “Hoje tem espetáculo, tem sim, senhor... O palhaço o que é? É ladrão de mulher...” Corria para a calçada a fim de ver passar o cortejo liderado pelo palhaço da perna de pau, e sorriso largo, e roupa colorida. Depois de passada a parada, restava-nos saber onde estava sendo armada a enorme tenda. Que alegria! Desta feita era lá no campo, bem próximo à nossa casa.



       À tarde, depois de voltar da escola, fomos para lá, ver a armação do circo. E lá estavam todos os artistas uniformizados de operários. A gente os reconhecia porque eram diferentes de pele e cabelo. As moças eram todas loiras e brancas, os homens delgados ou fortes ao extremo. O mastro central subia e com ele o pano que obstruiria de nossas famintas mentes o mistério do circo, apesar da infinidade de buracos.

        No dia, seguinte já armado, o circo se preparava para a estréia. Minha cabeça era repleta daquele mistério. Ai que vontade de ser invisível para ir lá, saber o que estava se passando, sobre o que conversavam. O pior é que logo vinham as histórias, criadas pelas mentes ou vistas de fato, pelas frestas impenetráveis da estrutura circense: “Quem tiver gato que esconda porque o domador está comprando gato para dar de comer aos leões.” “Dizem que o filho de dona sicrana sumiu, que foi pisoteado pelo elefante e enterrado numa das barracas”...

      À noite estávamos lá, ávidos pela magia do circo, sentados nas arquibancadas de madeira, que tremiam e beliscavam nossas bundas, mas nem sentíamos. Sob a má iluminação, vinha o equilibrista, andando no arame, de vez em quando desequilibrava, tirando um “UUU” da garganta da plateia, cujos olhos não desgrudavam um décimo da cena. Em seguida era a vez do atirador de facas, que maestria, que segurança; a moça, pregada na tábua, ria desafiando as pontiagudas lâminas que cortavam o ar e se colavam a milímetros do seu corpo! Diante de uma salva de palmas, entrava o homem mais forte do mundo, que antes se apresentara como equilibrista e atirador de faca. Como era forte, segurava dois carros de motor ligado e acelerador pisado! O mágico e o palhaço encerravam a noite. E íamos dormir com as mentes repletas de sonhos. Embalado por Morfeu, ainda tinha tempo de sonhar com a bela loira das facas, que era também ajudante de mágico e a trapezista.

     Quando começava a perder a graça, quando os truques do mágico já eram abertamente desvendados nos balcões dos bares, quando já se punha em xeque a força do homem mais forte do mundo, o circo levantava pano, ia embora para bem longe. Ia despertar a imaginação, alimentar os sonhos de outras crianças. Apenas uma história era verdade: Depois da partida, uma mãe aparecia chorando, sua filha fora roubada pelo desalmado do palhaço. E a velha chorava até que alguns meses depois a filha pródiga voltava à casa materna, e trazia consigo uma criança, Talvez fosse o pagamento do palhaço à mãe entristecida.

(Professor Alves)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

EM BUSCA DA FELICIDADE


A BUSCA DA FELICIDADE

Quando era criança, não entendia direito por que as pessoas eram tão infelizes. Por que passavam mais tempo sisudas do que sorrindo. Depois compreendi que elas sorriam quando eram felizes, mas, como passavam a maior parte do tempo infelizes, passavam mais tempo casmurras. Só os loucos eram sempre felizes ou sempre resmungões.
Eu próprio me testava, e quando estava triste me perguntava por quê, na medida em que não havia acontecido nada de entristecedor. Quando era feliz sabia exatamente o motivo. Algo de bom havia ocorrido. Depois compreendi que não precisa haver motivos para a infelicidade, só o fato de não acontecer nada de novo e de bom já é motivo para sermos infelizes.
Depois li a célebre frase de Freud: “A felicidade é como uma borboleta. Se a perseguimos desenfreadamente, ela foge de nós, mas se a esperamos no cumprimento do dever, logo ela vem pousar em nosso ombro.” Mas compreendia também que borboletas voam, mudam de pouso a todo instante. Talvez por isso a felicidade é tão efêmera.
Mas foi depois de assistir ao filme À procura da Felicidade que compreendi mais ainda a estranha mania das pessoas de estarem ao lado da infelicidade. Nele a personagem Cris vive um casamento infeliz devido à falta de dinheiro. Logo a felicidade, isso ele compreende sempre, está onde se encontra a estabilidade financeira. Até que, passando em frente a uma corretora de seguros, ele vê que as pessoas saem de lá sorrindo. Ele descobre que lá reside a felicidade. E resolve trabalhar lá para também ser feliz. É de seu conhecimento também, devido ao conhecimento da Carta da Independência dos Estados Unidos, escrita por Tomas Jéferson, que a felicidade é efêmera. Jéferson diz na referida carta que, entre os direitos dos americanos, há o direito à busca da felicidade. Não o direito à Felicidade, mas à prerrogativa de procurá-la. Quando finalmente consegue entrar para o quadro efetivo da seguradora, Cris diz “essa parte da minha vida chama-se felicidade”. Ele sabia que não seria eternamente feliz a partir daquele momento. Estava feliz e isso é diferente.
O que quero dizer é que a nossa missão aqui na terra é buscar a felicidade e sabermos aproveitá-la sempre que ela surgir. Por isso é preciso entender que logo após o primeiro momento, o da euforia que se segue a uma conquista, precisamos ir em busca de novas realizações. Precisamos compreender que não podemos passar a vida toda “curtindo” um momento, pois logo o sabor irá saturar, e o gosto que nos ficará será um leve amargo. A angústia logo será nossa vizinha. É preciso comemorar sorrir, mas logo levantarmos a cabeça e seguirmos nossa eterna busca da FELICIDADE.
(Professor Alves)