ANDANDO PELOS SERTÕES
REDONDILHAS
PARA
GONÇALO AMÉRICO SABÓIA
POR PROFESSOR ALVES
I
Andando pelo sertão, Vê-se muita coisa bonita, Coisa de encher os olhos E apertar o coração, Como diria Gonzaga, Aquele rei do baião.
Vê-se homem de pé no chão, Trazendo enxada às costas, Grande chapéu na cabeça, A terra é a profissão, Ambição, disso não cuida, Nos olhos muita emoção.
Vê-se mulher sem vaidade, Que trabalha fora e em casa, É devota de Maria Traz no seu peito saudade De algo que nunca viveu, Vive de fidelidade.
(Mas há os que andam de carrão, Ostentam roupa e dinheiro, Falam até línguas estranhas, No dedo trazem anelão, Prefeitos que o povo iludem. Esses num cogito não.)
II Conheci numa cidade Muito distante daqui Um sertanejo, antes, forte E de muita lealdade, Que sempre doou amor Aos seus e à sociedade.
Já o sabia é bem verdade, Porém foi numa entrevista, Que pelo rádio assisti, Que vi a realidade Compreendi de repente Sua virtuosidade.
O homem de que vos falo Mora lá em Independência É amigo de toda gente Bem conhece do sol o halo Tem sobrenome Sabóia: Eis em cena seu Gonçalo. III
Dezembro no dia dez, O ano era dois mil e cinco, Quando adentrou o recinto, Olhando meio de viés Tímido meio nervoso Pensou nos amigos fiéis.
Era um fato inusitado, Mesmo pra ele, corrido, Passado na casca do alho, Às falas acostumado, Cumprimentou a todos Por quem fora convidado.
Falando meio estorvado, Nas palavras tropeçando, Cuidando pra não errar, A respeito do passado Foi respondendo com calma, Logo estava acostumado.
Dominou a situação, Sorriu, falou de tristezas, Alegrias e revezes, Falou até de paixão, Por modéstia, é bem claro, Não falou sobre avião.
Na seqüência vou falar Aquilo que ele falou De modo meio impreciso Vou procurar precisar Vou repetir o que disse Se engenho e arte deixar.
IV
VIDA E PAIXÃO Lndeza, foi o local, Dia, dezesseis de junho, O ano, mil nove três nove, Vim de Dúlia e Pascoal, Criador e agricultor E de couro oficial.
Não precisei ser Jesus (com todo respeito é claro) Mas fui buscar minha sina, Lá longe no alto da Cruz, Nessas curvas encontrei Freitinha feita de luz.
Infância se tive não sei, Brincar não soube o que foi, Com pai trabalhava sempre, Não tive vida de rei, Com irmã não podia brincar, Labutando assim levei.
Cheguei à maioridade, O exército fui servir Lá a vida não era mole Tinha mais severidade Voltei depois para casa Pra minha realidade.
Quando já era rapaz feito: ─ Meu pai, vou namorar ─ Vai filho – disse ele – Depois que vier do eito. E assim foi a juventude, Cresci assim desse jeito.
Só tive uma paixão, Pouco tempo namorei, Com esta que vêem ao meu lado, Dona do meu coração, Mãe dos meus seis filhos... (A voz tremeu de emoção)
Mas não reclamo da vida, Foi muito melhor assim, No mundo, muito aprendi. É melhor seguir a lida, E crescer pegando calo Que família dividida.
V
DOS AMIGOS
Amigo é como um tesouro É uma palavra bem curta Com pouca letra se escreve É como uma lavra de ouro Quem tiver um que cuide, Por ele se venda o couro.
Dizem que estranho não há Nem inimigos existem O que existem são amigos Que esqueceram de mostrar Todos os entes do mundo Nos amam e nos deixam amar.
Mas é outra a realidade Que se encontra pelo mundo, Amigo existe bem pouco, Quase nenhum, é verdade, Poucos que há, quando se vão, Nos deixam muita saudade.
Às vezes penso comigo Onde está, meu primo, morto, O outro mora lá em Brasília, Busco na lembrança abrigo, Mas posso jurar a todos Meu pai: meu herói e amigo.
Minha mãe, vou esquecer não, As irmãs, as companheiras. Os meus filhos: brasa e Alice, Gileno e Pascoal, são, Verônica e Bonifácio, A verdadeira paixão.
VI
E SOBRE EDUCAÇÃO
Desde cedo trabalhei, Não tive como estudar, Mas acredito no estudo, Porém dele não cuidei, Mas respeito o professor E a cartilha que deixei.
Posso dizer por primeiro, No que consiste à escola, Preferi pegar cavalo, Lá distante no Pinheiro, Que abrir carta de abecê, Nisso sou bem verdadeiro.
Só no meio da existência, Instado por Altair, Minha irmã, que Deus a tenha, Busquei na escola a eminência, Hoje sou alfabetizado, Do mundo faço inferência.
Por não ter educação, Pros meus filhos trabalhei, Contei com ajuda da irmã Provei que aprendi lição, Batalhei de sol a sol Pra eles terem profissão.
Hoje estão todos criados E vivem bem independentes, Em suas casas morando, Na faculdade formados, Tudo por amor do estudo, Logo estou bem conformado.
VII
A RESPEITO DA MORTE
Sobre a certeza iminente, Da qual não escaparemos, Digo que nela não cria Até que foi um parente, Pensava ser fantasia, Fiquei triste certamente.
Quando a gente não conhece A face negra da morte, Que vida é eterna achamos, Até que um dia acontece: Leva um, dois, três, quatro e mais, Nunca mais desaparece.
Mas num é apenas de morte Que a gente aos poucos some, A terra é um grande flagelo Que define a nossa sorte Mata-nos ainda em vida, Mais o pobre, de sul a norte.
VIII
DE FELICIDADE E ALEGRIA
São muitas as alegrias Por que passei nesta vida: Ver o sol nascer é uma, Cruzar do país as vias, Ver o sol quentar a terra, A chuva correr por dias.
Cada filho que nasceu, Foi grande a felicidade, Cada um que se formou, Gota alegre mereceu, Pelos netos que vieram, Rio de lágrima correu.
Estar aqui meus senhores Me deixa bastante alegre, Voltar para casa agora Lhes juro não causa dores. Obrigado estou a todos Por falar de meus amores.
‘Brigado primeiro a Deus, Depois a Nossa Santana. Agradeço a minha esposa Que aceita os humores meus. Até breve, Abel, amigo, Um abraço aos caros seus.
FRASES DITAS DURANTE A ENTREEVISTA QUE REVELAM O CONHECIMENTO DE MUNDO DE SEU GONÇALO ALÉM DE SUA VEIA POÉTICA.
“Meu pai enquanto vivo foi o melhor amigo que tive.”
“Preferia pegar cavalo no Pinheiro que abrir carta de ABC.”
“Amigo a gente escreve com pouca letra, mas é complicado.”
“Camarada a gente tem muito, mas amigo é complicado.”
“Eu pensei que a gente não morria. Eu via os outros morrerem, mas pensei que os meus não iam morrer.”
“A terra não come a gente só quando a gente morre, ela começa a roer ainda em vida.”
“A minha infância é algo meio complicado. Entendo que infância é a vida de criança. E eu não tinha tempo não.”
“Comerciante eu não fui. Eu tinha uma merendeira. Os ricos colocam uma lanchonete e os pobres, uma merendeira. (risos)” 03/08/2006
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