sexta-feira, 27 de abril de 2012

EU TE AMO


              
         “Eu te amo.” É a frase mais dita e ouvida no mundo inteiro. Mas o interessante é como se diz: “Eu te amo...” baixinho, quase sussurrando, deprecando, quase implorando ao ser amado que devolva esse amor. Ou então “EU TEAMO!” arrogante, mandando, exigindo que a pessoa amada também o ame e propague ao mundo esse amor. Já ouvi, acho que numa música, um “Eu te amo, porra.” Esse não é arrogante, é intimidador, ameaçador. “Não vai me amar...? tente pra ver o que lhe acontece...” Coitado do ente ‘amado’. Já ouvi num desses cartõezinhos que são veiculados na rede um "Sorria, eu te amo". Dá pra perceber a importância do ser amado! Nenhuma. Importante aí é quem ama, pois é o motivo da alegria  de quem é amado, quando deveria ser exatamente o contrário. E assim vai.
              Durante o Romantismo, refiro-me ao período do século XIX em que predominou esse estilo de época, dizer “Eu te amo”, era um bom negócio. A sociedade estava precisando de ‘bons casamentos’ para produzir ‘boas famílias’. Mas “eu te amo” também era dito a beira de penhascos, em bosques ermos. E nos dois casos se a resposta fosse “mas eu não te amo”, o precipício seria a morada derradeira do amante não correspondido. Ou se dizia “eu te amo” entre quatro paredes, a sós, sem ninguém para ouvir. Só o amante e sua solidão. E assim já sabemos como fica o verbo amar.
              Já no período em que a máscara dos amantes caíra, refiro ao período do Realismo, dizer “eu te amo” era um caso de adultério, pois só as amantes casadas ouviam de seus amantes e não dos maridos “eu te amo”, flácido, apenas com interesses que não eram financeiros.
              Mas foi talvez no período das novelas televisivas iniciadas já na década de sessenta que dizer “eu te amo” tornou-se moda. E todos repetem inspirados nas novelas das seis, sete... “eu te amo”, mas sempre com tons suplicantes, arrogantes, ameaçadores. E o amor assim se torna moeda de troca ou de compra ou de mando. Não vamos mexer em jornalismo, mas quantas pessoas morreram só nos últimos anos ou mataram porque quem era amado não correspondia a esse estranho amor!

              O certo é que ninguém doa amor, ninguém ama para amar e ser feliz. Ninguém diz “eu te amo, obrigado”. Obrigado pelo quê!? Pela pessoa amada existir. Ninguém fala: “Eu te amo, obrigado por você existir, por eu ter a quem amar. Minha vida era tão sensabor, inodora, incolor até que você apareceu e eu encontrei um motivo para viver, um motivo para respirar. Minha vida hoje é um arco íris cujas cores alegram e enfeitam o que antes não tinha sentido.  Que alegria ter você no mundo. Não, não precisa me amar, viu. Seria ótimo se você me amasse, mas não dá, eu sei. Valeu mesmo, muito obrigado.”
(Professor Alves, 04/12)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

ÀS SEIS DA TARDE


Às seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.

Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução
Marina Colasanti

quinta-feira, 19 de abril de 2012

EMBRIAGA-TE


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Devemos andar sempre bêbados.
Tudo se resume nisso.
Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te pesa sobre os ombros e te verga ao [encontro da terra,  
Embriagar-te sem cessar.
Mas com quê!
Com vinho, com poesia, ou com a virtude.
A teu gosto.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas de uma vala, na [solidão morna do teu quarto, no adro de uma catedral ou sob o sol causticante da [caatinga tu acordares com a embriaguez atenuada ou desaparecida, 
Pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se cala, a tudo o [que grita, a tudo o que canta, a tudo o [que fala;
Pergunta-lhes que horas são: 
"São horas de te embriagares.
Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, injustiçado dos homens, 
embriaga-te, embriaga-te sem cessar. 
Ma como quê!
Com vinho, com Poesia. com a virtude".
A teu gosto!
(Baudelaire, adaptado)

sábado, 7 de abril de 2012

O GATO E O GALO

               

Sempre que observo uma pessoa preocupada se há alguém pronta a molestá-la, lembro-me de uma história que meu pai contava sobre o camundongo que saiu pela primeira vez ao quintal. É bem provável que você já tenha ouvido uma versão dessa história, e é provável também que já tenha feito a reflexão que me perpassa a mente quando me lembro dela.
               Conta a narrativa que uma camundongo, com poucos dias de estada (estadia é só pra navio) no mundo, implorou à mamãe ratazana que o deixasse passear uma pouco no quintal. A mãe, temendo pela segurança do filhote, já adiara esse passeio algumas vezes. Mas agora não tinha jeito, era esse o destino dos filhos, ela sabia “que depois que cresce o filho vira passarinho e quer voar”. Deu então a permissão para que o filhote fosse enfim conhecer o mundo. Mas não sem antes cobri-lo de cuidados: “Cuidado com o sereno, não vá se expor ao sol, cuidado com comida estragada e... cuidado com o gato. Que bicho terrível é esse tal de gato. Vive a nos perseguir, não nos deixa em paz. É deveras espalhafatoso, tem uma cauda enorme e, quando vê um de nós, se arma todo. Ai, quantos de nós já padecemos nas mãos desse terrível assassino”.


               Assim, no dia seguinte, saiu para passear, cheio de cautela, nosso amigo ratinho. Com um gorrinho na cabeça, para não padecer ao frio, nem sucumbir ao sol. Assustado observando atentamente a presença do perigo. Olhando para uma janela, viu um animal muito bonito. Este dormia e não pôde vê-lo. Como era lindo, pensou o ratinho, fofo, com pelos alvos como as nuvens contadas pela mamãe. Devia ser um desses bons amigos de nossa família. De súbito ouviu um barulho terrível, assustado, viu aquele animal cheio de penas, amarelas e pretas num contraste assombroso e fazendo um cocoricar de arrepiar os pelos do pobrezinho, que de imediato concluiu: “aquele deve ser o tal de gato, que tantos males nos faz”.  E voltou assustado para a toca.
(Professor Alves, baseado em uma fábula popular)

terça-feira, 3 de abril de 2012

A LIÇÃO DOS GANSOS


            Duas vezes por ano, cinco milhões de gansos enfrentam uma verdadeira maratona. Durante três meses, percorrem mais de cinco mil Km, migrando das regiões árticas para lugares mais quentes e voltando novamente na primavera para procriar.
            A motivação para essa jornada é garantir a própria vida. O ambiente é de cooperação. Em grupo, adotam uma formação em V na qual todos se beneficiam do impulso gerado pela batida das asas de seus companheiros. Quando está voando sozinho, o ganso sente a resistência do ar e se cansa rapidamente. Assim, o trabalho de cada animal facilita a vida dos outros. Todos dão o máximo de si para alcançar o objetivo. O trabalho de cada um é valorizado. Quando o ganso que lidera o grupo cansa, rapidamente outro chega para ajudá-lo, ocupando seu lugar. Quando um animal fica doente, gansos saem da formação e o acompanham para protegê-lo. Voando na formação em V, os gansos fazem um grande barulho. O objetivo? Animar os companheiro e manter o ritmo de voo.
            E você? Gostaria que seus companheiros de trabalho fossem como os gansos?                                

"Um exército de ovelhas liderado por um leão derrotaria um exército de leões liderado por uma ovelha."

sexta-feira, 30 de março de 2012

NOITE DE ALMIRANTE

   

OU A ETERNIDADE AMOROSA

         Ontem estive lendo pela centésima vez (estou hiperbólico) a desafortunada vida amorosa de Deolindo Venta Grande, personagem do conto Noite de Almirante de Machado de Assis (este era, é e será sempre O CARA). Nesse conto, Deolindo, trabalhador embarcado de um navio, em terra, se apaixona por Genoveva (também conheci uma na adolescência, e a história não foi muito diferente. rsrs). O amor foi tão avassalador que os dois pensaram em morar juntos. Deolindo abandonaria a embarcação e ancoraria sua vida à de Genoveva, um lócus amoenus, numa aurea mediocritas. Se não fosse a velha Inácia, espécie de tia da moça, eles teriam feito besteira. Deolindo precisava trabalhar, e no dia do embarque, choro, tristeza, juras e muitas juras: ambos juraram amor eterno. Como se Cupido fosse preguiçoso. Dez meses depois, ele retornou para o seio de Genoveva, “colozinho de Genoveva”. Trazia-lhe um mimo, um lindo par de brincos, comprado com as economias e trazia-lhe o corpo casto, embora não fossem poucas as tentações. Anos depois João Guimarães Rosa definiria Jó Joaquim, personagem de Desenredo, assim: “bom como o cheiro da cerveja”. Era assim Deolindo. Bom e querido por todos.
            Quando Venta Grande se aproximava da casa de Genoveva, deve ter estranhado a ausência da moça à janela. Era assim que deveria ser. A musa esperando melancólica seu poeta, como bem mais tarde Wando assinalaria em “A Menina e o Poeta”, imortalizada na voz de Roberto Carlos. Mas nada. Estava tudo fechado. Quando Dona Inácia veio abrir a porta, Deolindo nem a cumprimentou, perguntou ansioso pela amada. O chão afundou, com o peso do marinheiro ao saber ele que a moça havia se amancebado com o mascate. A polidez machadiana jamais permitiria o uso desse termo, mas peço licença para utilizá-lo. Amancebou-se Genoveva com o mascate. Pode?! Deolindo de endereço na cabeça saiu, pisando firme, imaginando a faca vingadora ensanguentada. Ia tão desapercebido em seus devaneios vingativos que nem percebeu Genoveva, à janela. Diante da moça, não sabia o que fazer, ela era espontânea, interrogativa, feliz com vê-lo. Não tinha o peso da vergonha culposa sobre os ombros. Até porque nada tinha feito nada para isso. Era inocente, quase anjo, sem mácula. Desarmado, Venta Grande balbuciava e respondia às perguntas da moça a respeito das viagens... Até que chegou o solene momento em que o mestre da Literatura e do conto manipula Deolindo à pergunta que não pode calar: e a jura! você não jurou amor eterno! Então não era verdade? Claro que era! Quando jurei era verdade!

            Alguém duvida da honestidade de Genoveva? Claro que não. É assim o amor. São dois mestres da poesia que bem definem a eternidade amorosa. O primeiro é Vinícius de Morais:

                            “Que não seja imortal, posto que é chama
                             Mas que seja infinito, enquanto dure!”

O outro é Pedro Lira:

                       “...Isso já estava morto e martelava
                       Por hábito por vício ou por capricho
                       (...)
                       Quem trai faz um favor, derrete o nó
                       E segue a natureza por que aquilo
                       Não era mais amor, era insistência”  


Eis o quanto dura a eternidade amorosa: um nada. Ou uma vida inteira. O tempo é com certeza o maior inimigo dos juramentos amorosos. Na presença ou não de um padre, ou de Deus. Mas é isso a eternidade, é enquanto ela dura. Um amor pode durar uma noite, uma semana, uma vida. O importante é aproveitá-lo sem se preocupar quando ele vai se esvair.
Deolindo foi fiel, não se envolveu com nenhuma mulher nas suas andanças. Genoveva também. Só que Genoveva devido á sua condição feminina estava parada, sonhando, pensando no amante. Aí veio o mascate. Papo vai papo vem...
O certo é que o marujo não matou nem se matou, pois a vida continua. É certo também que na próxima viagem ele terá mais olhos para as suecas, dinamarquesas, africanas.
(Professor Alves, março de 2012)


quarta-feira, 28 de março de 2012

INCLUSÃO: REALIDADE OU EMBROMAÇÃO?

       Há alguns anos, numa escola particular regular, deparei com uma situação no mínimo constrangedora para mim: um aluno surdo entre mais ou menos trinta ouvintes. Chamemo-lo  de Lucas para ocultar sua identidade. O que me constrangia era principalmente a minha incompetência para lidar com o mesmo.

          Lembro-me de que ele era, pelo menos me parecia, proficiente em leitura labial. Por isso ocupava um dos primeiros lugares na frente e se punha estrategicamente de modo que pudesse fazer a leitura dos professores enquanto eles expunham sua matéria. Eu, como professor de Língua Portuguesa, sentia-me perturbado, pois no íntimo, por intuição, sabia que boa parte das definições que ali punha e expunha eram desnecessárias para o Lucas. O pior de tudo era que meu despreparo fazia com que me esquecesse do menino. Assim de vez em quando ficava falando de costas para a turma, enquanto escrevia, até que alguém dizia: “Professor, o Lucas não está conseguindo ler seus lábios”. Restava-me policiar-me para tentar não cometer o mesmo engano.
          Ouvia amiúde na sala dos professores comentários de colegas, e seus constrangimentos não eram menores que o meu. Entretanto nunca vi em nenhuma reunião pedagógica os gestores dessa área fazerem nenhuma citação sobre o problema. Ou seja, para eles o Lucas era apenas mais um aluno dentre tantos.
             Há mais tempo ainda, em uma outra escola, deparei-me com um problema similar. Uma aluna deficiente visual. Quando iniciava a aula ouvia ininterruptamente o barulhinho do material de braile que ela utilizava. Era necessário a todo instante que ficasse falando o que iria escrever. Mas o que eu mais admirava era a dedicação que os alunos tinham para com ela. Todos os dias os alunos se revesavam na tarefa de ajudá-la, numa clara demonstração de que os jovens estão sim preparados para receber e acolher com satisfação colegas "especiais". Lembremos que o mesmo ocorria no caso Lucas. Mais uma vez não lembro de essa escola ter convidado alguém do Instituto dos cegos para palestrar a respeito de como lidar com a deficiência visual total.

          Hoje trabalho na Escola Pública e vejo dia após dia comentários a respeito de escola inclusiva. Todos os anos fico sobressaltado, esperando alunos com deficiências visuais ou auditivas entrarem em minha sala e eu não saber como lidar com elas. Por isso resolvi por conta própria me matricular em um curso de LIBRAS, para que não ocorra o que aconteceu no caso Lucas. Mesmo assim sei que a Escola Pública fala muito em inclusão, mas não está preparada, nem tampouco se preparando para receber alunos com necessidades especiais.
(Professor Alves, texto produzido como Atividade Reflexiva do curso de Libras on line, Portal da Educação)