terça-feira, 9 de outubro de 2018

ASSASSINARAM O CAMARÃO



                “Today is my birthday.” Diria hoje John Lennon, que estaria completando 78 anos de idade. Caso não tivesse sido morto, assassinado por um louco. Eles existem. Não são apenas matéria da ficção. E estão por aí, nos espreitando. O sonho acabou. O sonho de ver novamente os Beatles juntos, cantando sua alegre irreverência, com poucas palavras e versos simples, como I wanna hold your hands. Simples assim. Era o último ano de uma década explosiva. Na verdadeira acepção da palavra. Um ano antes, uma bomba havia explodido no Rio Centro, a culpa deveria cair sobre os civis, se não fosse a burrice dos militares. O sargento morreu, e o capitão saiu ferido. Era a máscara da ditadura que continuava a cair, e as pessoas na rua continuavam protestando.
                Hoje é o dia do meu nascimento, digo eu, quando completo 53 anos. É sempre uma data estranha para mim. Há poucos dias confessei isso aos meus alunos, enquanto catávamos parabéns para um deles. Disse-lhes que é um momento para reflexão. Ou, como bem disse Raquel de Queiroz, um dia para se contar quantos dias faltam antes do desencarne, antes da morte. É uma conta que não fazia quando menino, mesmo na adolescência. O mundo estava apenas se abrindo, se descortinando. E os sonhos, embotados de cimento e lágrimas, começavam a ser...apenas sonhos.
                Assim, busquei algo que me remetesse à infância, naquela década explosiva, que culminou, no dia 8 de dezembro com o assassinato de John Lennon. Quando de repente uma música começou a tocar na minha mente: “Assassinaram o camarão/ assim começou a tragédia no fundo do mar...” Quem não lembra dos Originais do Samba, grupo musical que tinha Antônio Carlos, o imortal Muçum, dos Trapalhões!? Pois que seja esse samba, de Ibrahin Zeré, a trilha sonora deste 9 de outubro. Até porque o momento político não é muito diferente. Corremos grande risco de termos aqueles dias de volta. Que Deus nos proteja. Foram dias tortuosos e torturantes, no verdadeiro sentido. E essa tortura foi muito bem engessada na metáfora da Tragédia no fundo mar: “O guaiamum que não se apavora/ disse ‘eu que vou investigar/ vou dar um pau nas piranhas lá fora, vocês vão ver/ elas vão ter que entregar’” Como é que não entrega?! Era essa a tônica da tortura. Imagino um governo que resolvesse diminuir a criminalidade, em nosso país, na base da tortura. As comunidades seriam invadidas por agentes da “inteligência” para prender os culpados. Mas os culpados estão protegidos, então quem iria sofrer seriam os peixinhos, como na Tragédia do fundo do mar.
                Mas hoje não é meu aniversário, eu apenas estou completando ano, como diria meu pai, seu Luís Alves. Ele sempre afirmava: “pobre não faz aniversário, completa anos”. Pois bem, estou eu cá completando anos, digo melhor, décadas. Quem está aniversariando é Mário de Andrade, o homem que iniciou a revolução modernista em 1922. Que desbravou palmo a palmo os rincões desta pátria para compreender seu povo e sua cultura. Quem está aniversariando hoje é Taiguara, Fernando Brant, Steve McQueen, Guillermo del Toro, Sean Lennon e seu pai, John.
                O mais ilustre dentre esses é John Lennon. Não pelos Beatles, não por Yoko Ono. Mas por Imagine, uma das músicas mais executadas da história. E que queria que fosse a trilha sonora de hoje. Mas o camarão foi ser assassinado! Que fazer. Queria ter acordado com os versos: “Você pode dizer que eu sou um sonhador/ mas eu não sou o único/ e eu espero  que um dia você se junte a nós”. Amém para todos nós, que eu também preciso!
(Professor Alves Andrade)

sábado, 29 de setembro de 2018

A HISTÓRIA E SUAS COINCIDÊNCIAS



            A História tem suas terríveis coincidências. Esse é o motivo pelo qual se deve conhecê-la, para que não se cometam erros de passados remotos ou de passados recentes. Uma data que se repete, pode trazer as mesmas consequências, senão piores. Assim foi o 11 de setembro de 2001, hoje, lembrada como a data em que ocorreu o maior ataque terrorista da história.
             Eram quase nove da manhã daquele fatídico dia, quando dois aviões se projetaram sobre as duas tores gêmeas em Manhatta, símbolo da hegemonia capitalista norte americana. Eram aviões sequestrados por integrantes da organização terrorista islâmica Al Qaeda, comandada por Osama bin Laden, que declaravam peremptoriamente seu ódio aos americanos e sua imposição no mundo. Era um recado que deve ter ecoado como vingança nas mentes de muitas pessoas que padecem também dessa horrível mania de imperar que os Estados Unidos da América tanto impõem às suas “colônias”, sobremaneira, da América Latina. Esse ataque deixou exatamente 2.996 (duas mil novecentas e noventa e seis) vítimas. Sem dúvida uma tragédia de grandes proporções. Mas nada se comparada ao ataque terrorista imposto pelos americanos quando...
            Eram quase nove horas da manhã de 11 de setembro 1973, ou seja, exatamente 38 anos antes da tragédia do World Trade Center. Naquele momento, Salvador Allende, presidente eleito pelo povo Chileno, com o objetivo de realizar as reformas populares que tanto incomodavam  os americanos, arautos da democracia, discursava ao seu povo, na Rádio Magallanes. Era o seu último discurso, antes de ser bombardeado pelos aviões da força aérea chilena, sob as ordens do futuro ditador Augusto Pinochet. São palavras dele, às 9:10 da manhã: “Seguramente esta será a última oportunidade em que eu possa me dirigir a vocês. A Força Aérea bombardeou as torres da Rádio Postales e da Rádio Corporación...” Sabia ele que logo a rádio em que estava também seria bombardeada e ele morreria, e consigo os sonhos do povo chileno. O que, como todos já sabem, aconteceu.
            Qual tragédia foi a maior, qual teve as maiores proporções? A resposta é simples: aquela cujo número de vítimas foi maior; aquela cujos prejuízos para  população foram desencorajadores; aquela cuja cultura foi vilipendiadas, massacrada; aquela cuja liberdade foi cerceada até a exaustão. A tragédia do Chile, imposta pelos americanos. Tragédia que se ramificara desde o início dos anos sessenta, por quase todos os países da América Latina. Só no Chile, foram mais de 40.000 (quarenta mil vítimas), quase 20 vezes mais do que os americanos mortos na tragédia das torres gêmeas.
            A história nos conta episódios maravilhosos de descobertas fabulosas, grandes avanços tecnológicos, impressionantes superações científicas. Já nos contou histórias terríveis de genocídios, de invasões bárbaras, de holocaustos e de coincidências. Mas coincidências não existem. Podem até haver coincidências de datas, como essa em questão. Mas coincidências de eventos não. Na verdade, é a história que se repete, é o ciclo das decisões coletivas, as quais, se não forem bem analisadas, trarão  consequências desastrosas.
(Professor Alves Andrade)

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

HOJE, NÃO QUERO SABER DE POLÍTICA



Só hoje, eu não vou falar em política. Mesmo sabendo que somos seres políticos, que ela está em tudo, até num simples beijo de namorados. Mas só hoje não falarei sobre política. Não falarei em eleição, tampouco de candidatos que querem o fim da democracia, tão incipiente em nosso país, tão jovem e tão vilipendiada. Hoje não falarei de política nem de políticos.

Hoje eu quero falar de Francisco, o nascido na cidade de Assis, que lutou contra as imposições de uma igreja opressora, mas que não a abandonou. E que, no seio dessa madrasta, desenvolveu seu apostolado, protegendo os que não tinham voz, os que não tinham vez. Defendendo homens, mulheres, todos, e, mais que todos, defendeu os doentes, os desvalidos e até mesmo os animais. E peço permissão para dizer que defendeu os que não tinham opção sexual majoritária. Porque tenho certeza que o apóstolo de Assis não tinha nenhum preconceito.

Hoje eu quero falar de Gandhi. O grande homem indiano que libertou sua pátria da escravidão britânica sem disparar um tiro, que desobedeceu aos princípios da guerra.  Gandhi, cuja arma que impunha era o princípio da não-violência e o amor, o mesmo amor com que Cristo virou a história da humanidade. Gandhi, que perdoava aqueles que eram seus inimigos, mesmo ele não sendo inimigo de ninguém. Gandhi, que foi assassinado por aqueles mesmo a quem libertara, porque, sendo tolerante, tornou livre o Paquistão, subjugado por sua própria nação.

Hoje eu quero falar de Madre Tereza, a albanesa que viveu entre os esfarrapados, entre os desgraçados, entre os humilhados, entre os doentes. Madre Tereza, que impunha o amor como arma para derrotar o ódio, o preconceito, a discriminação. Madre Tereza, que, tenho certeza, nunca perguntou a orientação sexual, a raça, ou mesmo a religião daqueles a quem as mãos tocavam e a quem seus lábios beijavam para minimizar o sofrimento. 

Hoje eu quero falar de Chico Mendes, seringueiro, cujo suor derramado enriqueceu seus algozes. Chico Mendes, cujo sangue derramado, por aqueles que o odiavam, pelo amor dedicado ao trabalho e aos companheiros, irrigou a terra em que tombou e fez crescer uma floresta de consciência entre os povos que viram sua luta.

Hoje eu quero falar Luther King, pastor americano que teve um sonho: o de ver todos os povos unidos, independente daquilo que supostamente os torna diferentes. Luther King, cujo sonho de igualdade entre os seres levou o ódio de seus perseguidores ao extremo de assassiná-lo. Luther King, cujo discurso ainda ecoa pelas ruas dos Estados Unidos e do mundo, levando a consciência do ideal de liberdade, igualdade e fraternidade, ideal este destruído por aqueles mesmos que o tornaram universal.
Hoje eu quero falar de Chico Xavier, homem cuja produção literária, psicografada pela pátria espiritual, tornou-o símbolo de humildade e amor. Chico Xavier, que, mesmo cuspido, agredido, perseguido, respondeu sempre com a arma mais poderosa que há: a palavra mansa, que assusta aos odientos e os leva aos exageros da violência. Chico Xavier, a quem o amor ao Cristo nunca lhe permitiu uma atitude de discriminação, de preconceito.

Hoje eu quero falar de Mandela, que mesmo preso nas grades da injustiça, não deixou que o ódio fosse seu companheiro na luta contra o Apartheid. Mandela, cuja percepção da intolerância de alguns, salvou-o do anonimato e o tornou primeiro presidente negro de uma África dominada pelo preconceito e ódio brancos.

Hoje eu quero falar de Paulo de Tarso, de Jan Hus, Joana D’Arc, Lutero não necessariamente nessa ordem. Só não quero falar de política. Vou deixar que os ouvidos, os olhos, as bocas sãos e as consciências grandiosas falem por mim. Que transformem esses discursos de ódio, perseguição, insanidade, em palavras vivas, que podem fazer florescer a divindade que cada um tem em seu íntimo.
(Professor Alves Andrade)