sábado, 21 de setembro de 2019

UMA FÁBULA



Havia, há muito tempo, no reino dos animais esopoístas, uma velha corsa, cuja idade, tinha levado seus pelos lanosos e deixado apenas os cardos, curtos e hirsutos. Isso possivelmente era o motivo do recolhimento, tão impróprio desses animais. Mas que talento tinha ela para mandar! Adorava criar atividades para os outros animais realizarem.
               Certa vez, ordenou que todos os animais treinassem para uma corrida que ocorreria em comemoração ao dia dos bichos, que fora a nomeação do rei das selvas, matas e rios. Como treinaram os infelizes!! Dia e noite sob o olhar lacrimoso da velha fêmea do veado, lá estavam os bichos, sem reclamar, a treinar desenfreadamente. Até a tartaruga esqueceu de sua própria fábula e corria feito uma lebre. Porém, no dia consagrados a coroação do Rei Leão, a corça tinha desaparecido, não apareceu para dar consecução ao espetáculo de voar e correr. De modo que os animais se atrapalharam, os que deveriam voar, corriam, os que deveriam correr nadavam.
               O papagaio, palrador, não deixou por menos e fez ver aos animais que tinham sido ludibriados pela velha corça, que os fizera de bobos e trabalharam inutilmente. Quando soube das falações do pena verde, a corça ficou louca, e, por pouco, não teve um surto e morreu.
Mas o que não mata desperta. E assim, depois de perseguir o pobre papagaio para fazê-lo nu em pelos, a corça, voltou a passear pelas matas, savanas, não mais com a elegância desses cervídeo, mas com seu andar meio coxo. Tornou a dar as ordens, feitio dos animais que se põem em soberba para submeter os outros. E lá foram camundongos, cotias, veados, lebres, tartarugas na consecução de um grande projeto: uma festa em homenagem à onça pintada, comemorando o dia em que o felino livrara-se de terríveis caçadores. Tudo sob os olhares duvidosos do loro, que de vez em quando dizia:
Curupaco, isso não vai dar certo. Depois tão tudo arrependido.
Porém no dia da festa estava tudo pronto, bonito, enfeitado e a coça velha comandou tudo com presteza impressionante. Foi tanto o sucesso que a onça pintada nomeou a corça velha para sua amiga imediata.
Pena que se esqueceram de agradecer ao papagaio palrador por sua genial contribuição, pois a moral de tudo isso é...
TODA CRÍTICA É CONSTRUTIVA!
Essa fábula não é de Esopo, mas bem poderia sê-lo.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

APERREIO DE RUBRO-NEGRO NA TORCIDA DO CEARÁ



(INFILTRADOS II)

Já contei aqui em prosa
Uma história que ocorreu,
Um destemor sem medida
Foi assim que assucedeu,
Comigo e com o Victor hugo,
Que esse fato aconteceu.

Era o ano dois mil e onze,
Jogo de campeonato,
Jogavam Ceará e Flamengo,
Um jogo de fino trato,
Eu e meu filho torcemos
Pelo Flamengo de fato.

Mas quem quiser saber disso
Leia, pois aqui não digo,
Ele está escrito num livro,
Que carrego cá comigo,
O nome do livro informo
“O homem que semeava amigos”.

Adianto que se trata
De um fato quase engraçado
Torcemos pelo Flamengo,
O caso ficou gravado,
Na torcida do Ceará,
E quase fomos surrado.

pois o mesmo aqui se deu
Nesse domingo passado,
Na arena castelão,
Vi rubro-negro caçado,
Correndo da Cearamor
Pra não ser assassinado.

Quando fui comprar o ingresso,
Havia entrada sobrando
Na torcida do Flamengo,
Mas eu logo fui comprando
Na torcida do vozão
Do passado não lembrando.



No dia do jogo saímos
Travestidos de alvinegros,
Calção e camisa escura
Não lembrava um rubro-negro,
Semblante fechado e duro
Como quem guarda um segredo.

O trajeto foi bem tenso,
Só se ouvia discussão,
Torcedor correndo atrás
De torcedor do Mengão,
Chegamos no estádio aflitos,
Era grande a comoção.

O local tava cheinho
De torcedor do Ceará
A torcida do Flamengo
Ficou do lado de lá,
Bem feliz ela torcia,
Eu medroso do de cá.

Fez uma festa medonha
A torcida do vozão,
Ela toda era risonha,
Lotou todo Castelão,
E eu balançando bandeira
Do mosaico em formação.

Do lado oposto a magnética
Gritando “vai, meu Mengão,”
Era grande a alegria
Da torcida exaltação
E eu de cá tinha que ouvir
“Pra cima deles vozão”.

Também do lado de cá,
Descobri um torcedor
Com a camisa rubro negra
No ombro sem destemor,
Gritando “vai meu Flamengo”
Demonstrando seu amor.

‘Nossa, mãe, que corajoso!’
Pensei eu aqui comigo,
‘Ou seria só loucura
Atacando nosso amigo!’
Percebi uma arrumação,
Vi ali grande perigo.

torcedores brutamontes
Do alvinegro o arrodeou,
Puxaram sua camisa,
E uma arma ele sacou,
Foi bala pra todo lado
Mas ninguém ele acertou.

Ouvindo primeiro tiro,
Saltei lances de cadeira,
No segundo e no terceiro
Já estava na carreira,
No quarto e no quinto tiro
Era grande a tremedeira.

Com muito custo voltei,
O susto tinha passado,
Era grande esta tensão
O cara foi desarmado,
Chamaram logo a polícia,
Os homens tinham chamado.

Chegaram os homens da lei
E o levaram com carinho,
O povo ficou irritado,
E ele dava era risinho
O soldado tinha calma:
“Vamos lá, capitãozinho”!

Logo vi que ele não tinha
Loucura nem um pouquinho,
Era mesmo um fuleragem,
Um possível bolsominho,
Que para matar só quer
Que lhe deem um pezinho.

Depois de tudo acabado,
Depois que o susto passou
A tensão foi só do jogo,
No campo o fogo pegou,
Flamengo fez um a zero
E a Cearamor se calou.






Por dentro eu era feliz,
Por fora grande tristeza,
Pois não podia vibrar,
Aclamar a realeza,
Mexia com a cabeça,
Para ator tenho destreza.

Mas o urubu rubro-negro
Foi pra cima do vovô,
Achando que tava morto
E as garras lhe enfiou,
Meteu dois e meteu três,
Sua carne descarnou.

Quando a partida acabou,
Voltamos pra casa inteiro,
Além da pisa que deu,
O Flamengo era o primeiro
Do sério campeonato
Do certame brasileiro.

Mas esse ano ainda tem
Flamengo contra o Leão,
Vou torcer no lado certo,
Não vou ter preocupação
Vou ser feliz e gritar
“Pra cima deles Mengão!”
(Alves Andrade, agosto de 19)

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

SER É TOLERAR A DOR DE SABER-SE


Por: Artur da Távola

Em certo momento diz alguém: - "Eu descobri que não sou a pessoa mais importante. Nem pra mim mesma..."

Essa frase, constatação que mistura a lucidez e a pré-maturidade com uma depressão inevitavelmente infiltrada nas datas especiais, aniversário, principalmente, é rica de vivências..., por outro lado, a frase é primor de saúde: "Não sou a pessoa mais importante do mundo". Amadurecer é aceitar passar de protagonista a coadjuvante da vida, como disse certa vez, em carta, um competente cavaleiro desta távola. Descobrir-se como parte, como companheiro, como participante da tarefa comum de viver, sabendo que os próprios problemas não são os únicos nem mais importantes que o dos outros. Amadurecer é o legado dos anos que passam fecundantes. É a saúde, ou seja: "a capacidade de tolerar a frustração", segundo a observação sempre precisa do mestre.

Sim, não ser a pessoa mais importante do mundo, frustra. Frustra, porque o impulso interior é o de ser. Mas, tolerar as frustrações inevitáveis ou as frustrações inerentes ao processo de viver, eis a saúde. Afinal, acrescento eu, ser é tolerar a dor do saber-se. Sem "se saber "não se É..." Saber-se é reconhecer as defesas construídas com tanto brilho e engenho, logo é sair do pódio e voltar à arquibancada da vida, ao lado dos demais, compartilhando, dividindo, conhecendo limites. Nesse sentido, portanto, a primeira parte da fala: "descobri que não sou a pessoa mais importante do mundo" revela alguma saúde, preliminar de amadurecimento.

Já a outra parte, não. Embora envolta numa ilusão de maturidade, a outra parte ainda traz uma poluição, uma doençazinha nela embrulhada. A outra parte é a conclusão: "Nem para mim mesma". Não ser a pessoa mais importante do mundo, sim, ; é uma importante descoberta. Porém não ser a mais importante nem para si mesma, não o será para ninguém. A saúde é justo o oposto: deixar de ser pessoa mais importante do mundo para ser a mais importante para si mesma.

A pessoa que se supõe madura quando se despe da onipotente sensação de ser o centro do universo. Mas imagina que, por consegui-lo, ficou tão humilde, tão bacana, tão gente, que deixa de ter importância até para si mesma! Ai', adoece pela cura! Cai no excesso inverso errado. Deixa de ver a dimensão própria, que não está nem no excesso nem na falta de importância. Ainda não é liberdade, pois. A liberdade não é a posição oposta à dos tempos de ilusão, prisão ou alienação. A liberdade é o novo. A liberdade é a terceira e nova conquista. Exemplifico pelos conceitos de dependência e independência. Enquanto dependentes, as pessoas são escravas. Mas, a independência ainda está marcada como reação à dependência, logo é uma frente inversa o mesmo sistema: é o pólo oposto de uma mesma realidade. Assim, toda independência, ainda é de certa forma determinada, marcada ou poluída pela dependência anterior.

Então, não há saída? Há. É o novo, o criativo. O que rompe a imposição do dualismo bipolar, aprisionante. O zen. O que é? Não sei. Sei que é; e só se acha quando se pára de procurar. E só se procura quando se desiste de saber.

terça-feira, 11 de junho de 2019

CONTINUAR A REVOLUÇÃO É PRECISO

(Por Alves Andrade)
31 DE MARZO
(JUAN GELMAN)

Ha terminado el mes
Y el hijo sin venir
Y mi hermano sin volver

Ha terminado el mes y no te amé las piernas
Y no escribí ese poema de Otoño en Ontario
Y pienso pienso pienso
Se fue otro mes y no hicimos la revolución todavía.

Juan Gelman é um dos poetas argentinos o qual podemos chamar de engajado. Sua poesia está sempre prenhe de convites para que façamos a revolução. Entre esses poemas está o supraescrito “31 de Marzo”. No primeiro verso, percebemos a preocupação com a passagem do tempo. Terminou o mês (Ha terminado el mes). Daí o título, 31 de Março, mas poderia ser 30 de abril, 31 de julho. A preocupação do eu-lírico é com a passagem do tempo e com a não realização do que é preciso acontecer.
Terminou o mês e o filho sem vir, sem chegar (“Y el hijo sin venir”). Acontecimento trágico, a não chegada do filho. Mas filho de quem? Os filhos da pátria,  exilados, torturados, ou já mortos pela ditadura argentina (1976 – 1988). São os filhos das “Madres de la Plaza de Mayo”, que ainda hoje se reúnem em torno dessa praça para chorar, orar, protestar contra uma ditadura que nunca acaba, por ser sempre uma ameaça à frágil democracia latino-americana. Sãos os filhos das mães brasileiras, chilenas, paraguaias. Muitas, como as da “Plaza de Mayo”, ainda esperando pelos restos mortais dos filhos, para lhes dar finamente descanso sepulcral. Ainda estão aquelas “madres”, hoje “abuelas” (avós), reunidas, e seus gritos, suas preces ecoam para lembrar dos dezoito anos de ditadura, de sofrimento, de arbitrariedade, mas, ao mesmo tempo, uma tentativa de impedir que a história se repita.
Terminou o mês e meu irmão sem voltar (“Y mi Hermano sin volver”). Outra tragédia. Mas irmão de quem? Irmãos de todos os que lutam por ou que pelo menos têm um ideal, todos que comungam da ideia de pacifismo, de liberdade, de justiça. Não precisa ser irmão consanguíneo, basta ser companheiro, compartilhar do mesmo pão. Como bem disse Hernesto Guevara: “Se você treme de indignação diante de uma injustiça social, então você é meu companheiro (irmão)”. Ou seja, faz parte da mesma confraria, pode sentar-se à mesa e con-frater-nizar comigo. Essa ideia de irmandade, presente no poema em questão e  nas palavras do médico citado, é muito profunda, vai muito além da consanguinidade. Beira o Amor de Cristo pela humanidade, nivela-se ao de Francisco em seu trabalho de reedificação da Igreja romana em Assis, e, perdoe-me, é maior que o de Madre Tereza, porque aqui temos o ideal de redenção dos povos através da união, da irmandade, da verdadeira fraternidade.
Terminou o mês e não te amei as pernas, não te admirei as perna (“Y no te amé las piernas”). Mas por que ele não desejou as pernas, metonímia semelhante à usada por Carlos Drumond em “Poema de sete faces” (“meu Deus, mas pra que tantas pernas”)? E é o mesmo Drumond que justifica Juan Gelman: “A tarde talvez fosse azul/ Não houvesse tantos desejos”. São os desejos gratuitos, ou mesmo fortuitos, por algo que não tem importância, como o interesse pela vida sexual de um jogador de futebol ou um cantor de pagode. E isso trava o processo de evolução que é o mesmo processo de revolução. Não fosse esse desvio, a humanidade já estaria em um patamar elevado, e as “madres” não teriam que retornar à praça ano após ano, pois a democracia estaria, no mundo, consolidada.
Esse é o mesmo motivo pelo qual o eu-lírico não teve tempo de ir a Ontário, escrever o poema Otoño. Há preocupações outras, pois o filho não chega, o irmão não volta. E ele pensa, pensa e se entristece porque mais um mês se foi e não fizemos a Revolução (“y no hicimos la revolución”).
É esse, portanto, o grande convite que o poeta nos faz, fazer a revolução. Mas o convite maior seria para continuar a revolução, uma vez que esta já se realiza no dia-a-dia. Não podemos pensar hoje em uma revolução sangrenta, como o foi a Revolução Francesa, a Russa, ou mesmo a Cubana, revoluções feitas pelas mãos do povo, das massas incitadas, mas que serviram a poucos. Chegados ao topo, faz-se necessário se desfazer daqueles que os colocaram nos ombros e os ergueram até o trono, o poder. Aprenderam bem a lição de Maquiavel. Para aqueles revoltosos da revolução é preciso a guilhotina. E assim estamos até hoje sob os pés de uma elite, seja civil ou militar (ou judiciária), que nos acossa, nos humilha e, sempre, que nos ver respirar, acocham um pouco mais o nó. E nos vem com a mentirosa ideia de que, quando as coisas melhorarem, o nós será afrouxado.
É por isso que o convite deveria ser para continuarmos a revolução, pois, cada vez que o poeta pega na caneta, no lápis ou nas teclas para escrever, está fazendo a revolução, lutando para transformar a consciência. Só a Literatura, a Arte, a Música engajadas são capazes de romper a estrutura de alienação que enclausura nosso pobre povo. Mas estamos afastados da Literatura, da Poesia, da Arte. E esse afastamento não é por acaso, uma vez que o acaso não existe. Está tudo devidamente calculado. A mídia televisiva dispõe todos os dias cerca de trinta minutos do seu horário nobre para tratar sobre assuntos sem importância alguma, como a vida sexual de um craque de futebol ou a morte de um cantorzinho de música sem sentido. As redes sociais não precisam dispor esse tempo, uma vez que a população escravizada, sem a presença dos meios de liberdade, já citados, buscam desenfreadamente essas notícias e, talvez, até sonhem com velórios de “celebridades” ou com viagens a Paris.
Recentemente, relendo o poema “Operário em Construção”, de Vinícius de Morais, uma estrofe me chamou em especial a atenção. Segue:



 Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce                                        
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
(disponível em  http://www.suasletras.com/letra/Vinicius-de-Moraes/O-Operario-Em-Construcao/10181)


Nesse poema, o operário (outra metonímia muito bem utilizada, já que representa toda classe trabalhadora) acorda de uma grande letargia que o impedia de ver a importância de um tijolo e do suor do seu rosto. Até que veio para ele o magno dia de sua libertação, quando percebe que tudo que existe era ele que o fazia, portanto era dele. Essa consciência leva-o à “dimensão da poesia”. Mas o que o teria levado à consciência? Possivelmente, a poesia levou-o à consciência e, assim, ele atinge a própria dimensão da poesia, da sensibilidade. A partir desse dia, o operário começa a dizer “NÃO”. Peremptoriamente! Sem delongas, ele começa a conscientizar outros operários e sofre por isso, apanha, é torturado, judiado. Mas continua dizendo “NÃO”. A revolução fez-se nele e consequentemente naqueles que o ouviram. Mas a revolução precisa continuar, porque já existe, já ocorre, só que na inconsciência. No momento em que as pessoas que a fazem tomarem consciência de sua existência, ela estará concretizada, e as mudanças necessárias à sociedade serão, em fim, realizadas.

Mas quem são esses revolucionários que já fazem inconscientes essa revolução? Todos que de alguma forma lutam por mudar uma sociedade, cuja elite (damas, socialites, empresários, oficiais de alta patente, políticos, juízes…) se entristece ao ver a possibilidade de um trabalhador pegar o mesmo avião que ela e/ou frequentar os mesmos shoppings. A elite que paga escolas caras e que não quer ver o filho do pobre ocupar o mesmo acento em uma universidade pública que o seu.  A elite que faz o apartheid social, que segrega, que discrimina. A elite culpada pelo fato de o filho da periferia estudar numa escola sem ar condicionado, sem internet, sem bibliotecas, sem merenda de qualidade, sem nada. Pois, repitamos, isso não é por acaso, o acaso não existe. Esses revolucionários são os professores que saem de casa em um carro popular ou em um ônibus lotado para ministrar aulas para 50 alunos numa sala onde cabem 30. Mesmo que alguns não saibam, mesmo que alguns achem que vão à escola buscar dinheiro, eles estão sim fazendo revolução, estão fazendo transformações. Esses revolucionários são os estudantes da escola pública, que saem todos os dias de casa, a pé, muitas vezes em sol escaldante, para passar até 5 horas sem uma alimentação decente, sem material escolar decente, sem inclusão digital decente. Embora eles pensem que vão para a escola para brincar, zombar das aulas de Geografia, História, Matemática, enquanto miram no celular os últimos acontecimentos da vidas das “celebridades”, com o perdão da palavra, mas estão fazendo a revolução. Imaginemos o dia em que a ficha cair, e o menino e a menina resolverem ser rebeldes e contrariarem as expectativas dessa elite inútil! Resolverem ser estudiosos, pois estudar e frequentar a escola não basta. É preciso ser estudioso, para romper de vez os elos dessa cadeia, desse ciclo vicioso que é gastar o tempo e não fazer nada. O estado mente, a federação mente, o município acompanha, e os três fazem proselitismo na mídia, fingem que gastam dinheiro, que é de todos nós, para educar o filho do pobre, fingem que estão preocupados com seus futuros. Mas entra ano e sai ano e nossos egressos do ensino médio, salvo raras exceções, e as exceções não contam, continuam ao deus dará, pelas esquinas, coçando literalmente o saco, na falta do que fazer.

É por isso que o convite de Juan Gelman para fazermos a revolução deve ser compreendido como um convite para continuarmos o que já está em curso. É preciso que os estudantes da escola pública se conscientizem do seu real papel de revolucionários e sejam rebeldes, para ratificar a frase de domínio público que diz:

“Quando se nasce pobre, o maior ato de rebeldia contra o sistema é ser estudioso”.