terça-feira, 15 de novembro de 2011

EVALDO BRAGA E CARLOS ALEXANDRE: UMA COINCIDÊNCIA?

http://jconlineblogs.ne10.uol.com.br/toques/f

     
            Era o início dos anos 70. Uma das músicas que mais se ouviam no rádio era “Sorria, sorria”, de Evaldo Braga. Sinto ainda as vibrações daquela época, em que não tínhamos noção do que ocorria na política, afinal tinha apenas 8 anos de idade, e as únicas notícias que se ouviam pelo rádio eram as de assassinato de mulheres ou as de futebol. Quase todos os dias o programa A Cidade e A Lei divulgava essas atrocidades cometidas por homens contra suas companheiras, em geral.
          No dia 30 de janeiro de 1973, os jornais trouxeram a imagem de um acidente. Era terrível a cena! Uma carreta e um monte de ferros retorcidos, que antes houvera sido um carro. Era o fim de um jovem negro que conseguira fama, dinheiro, mulheres , depois de uma infância paupérrima de abandono pela própria mãe em uma lata de lixo. As áudio-exibições das músicas do Ídolo Negro ecoaram pelo Brasil inteiro e muitas pessoas choraram.
          Algum tempo depois, surgiu uma voz semelhante à de Evaldo Braga. Não sei se essa semelhança não foi notada ou apenas desprezada. Carlos Alexandre, aos 21 de idade, como seu ídolo Evaldo Braga, desprezado como ele e criado por terceiros, explodia no mercado fonográfico, as rádios tocavam suas músicas o dia inteiro. À época as notícias que mais me chamavam à atenção, porque eram as mais frequentemente divulgadas, continuavam sendo os uxoricídios e os sensacionalismos futebolísticos. Feiticeira ganhou o Brasil e parte dos países que falam a língua portuguesa, sobremaneira Portugal. Mas...
http://www.minhahistoria.com.br/3/fot

          … Em 31 de janeiro de 1989, dezesseis anos após a morte de Evaldo Braga, Carlos Alexandre, nas mesmas circunstâncias, perdia a vida. As imagens e as comoções não foram menos trágicas. E ainda hoje se ouvem as músicas de um de outro. Canta-se ainda o amor, mesmo que frustrado, mesmo que em forma de lixo, mesmo que antitético entre o riso e o choro, entre a cruz e a fama, entre a arma de vingança dos meninos pobres e a sociedade que os despreza ou os usa, como as mulheres assassinadas Brasil a fora, feiticeiras de sua própria desgraça, escravas do machismo insolente e perpétuo, que não cabe mais numa sociedade livre.
(Professor Alves)

domingo, 13 de novembro de 2011

EFEMERIDADE



         Não, eu não amanheci melancólico. Acho que é um adjetivo com o qual não convivo. Não sou de olhar o dia e desejar que já fosse noite, ou olhar a lua e desejar que o sol estivesse a pino. Portanto não sou melancólico. Apesar de refletir sobre a efemeridade do tempo, da vida e do que já fui. Estou sim é chateado com a arrogância humana. Como há pessoas que se acham imortais! Sim pois só esse sentimento justifica, por exemplo, a arrogância, a petulância do nosso governador ao se defrontar com os servidores exigindo seus direitos. O que me levou a essa reflexão foram duas coisas. Primeiro uma propaganda de uma escola particular. A segunda foi a lembrança de um amigo a respeito de um ex-governador já morto.
       A propaganda da escola a qual me referi faz referência a, desculpe a tautologia, equipamentos, como bip, vídeo cassete, máquina de datilografia. Que já estão no esquecimento. As novas gerações já não sabem o que representou isso. Em seguida o publicitário apresenta a Educação como algo que dura para sempre. E conclui: “invista em algo realmente duradouro”. Xou de bola, com x e tudo mais. Tudo nessa vida é passageira, menos o trocador, o motorista e o conhecimento. O governador em pouco tempo será um monte de ossos putrefatos na “frialdade inorgânica da terra”, para lembrar augusto dos Anjos, imortal.
Todos mortos, profundamente mortos

      Quanto ao ex-governador morto, não há nada do que falar, só que ele se foi, como todos nós iremos, e só deixou alegria. Assim é com todos os ditadores, com todos os bonzinhos, estes deixarão saudades. Aqueles, repito, só alegria. Lembro-me fortuitamente de Hitler, Mussoline, Manuel Bandeira, “Estão todos dormindo/ Estão todos deitados/ Dormindo Profundamente”.
(Professor Alves)


domingo, 6 de novembro de 2011

A RUA DOS POSTES



          Passou a chamar-se Rua dos Postes porque foi a primeira rua em que apareceram aqueles gigantes de cimento. Eram finos e compridos. Um dia chegou um caminhão e os despejou ao longo da Outra Rua. Era assim que chamávamos a Rua Rio Tocantins antes dos postes. A novidade foi tanta que mudamos o tratamento, e passou a se chamar simplesmente Rua dos Postes.
           Passamos a ter um respeito quase que imperial pelos habitantes daquela rua. Íamos lá agora com apenas um intuito, ver os postes estirados ao longo do caminho. Os moradores de lá, sobretudo os meninos da nossa idade, nos olhavam com desprezo, e nós os víamos com submissão. Talvez por isso tempos depois ainda tínhamos certa admiração por aquela gente.

            Em breve nossa rua também foi agraciada com os postes. Mas não tínhamos tanto orgulho deles. Os da outra rua, bem mais espertos, foram os primeiros a se levantarem de seu sono secular. Para cumprirem seu trabalho que era iluminar a rua às noites. Os nossos demoraram mais tempo para cumprir sua missão, por isso agora íamos à rua dos postes para ver, mirar as luzes amarelas que brotavam dos pratos brancos que pendiam no alto dos postes. Quando as luzes chegaram aos nossos magricelas cinzentos, já não havia novidade. Mas pelo menos não precisávamos mais nos humilhar par ver a luz que não empretecia as paredes. Agora as luzes iluminavam mesmo e não soltavam o odor do querosene queimando.
          Junto com essas novidades veio a televisão. A partir de agora, à noite, ao invés de corrermos atrás das bandeiras ou brincar de roda, íamos à casa dos vizinhos mais afortunados, ver um pouco daquela luminosidade que continha imagem. Mais uma vez era a submissão que condicionava nosso comportamento. Eu e meu irmão tomávamos banho cedo, e, a contragosto de nossa mãe, íamos em busca dos raios iluminados que a televisão disparava com movimentos em preto e branco. Até que a televisão também chegou à nossa casa, e junto com ela uma leva de outras crianças menos afortunadas ainda que nós.

         Não sei porque escrevo essas lembranças. Talvez para fazer uma catarse, pois são muitas as lembranças que me acometem e me fazem refletir sobre o que de fato traz essa tal felicidade. Sei que aquelas humilhações a que nos submetíamos apenas para matar a curiosidade, ver os postes no chão, as luzes ou os raios da televisão não traziam alegria, traziam um sentimento de impotência diante de algo que não tínhamos. Não era nada que valia realmente a pena, mas que precisávamos ver, sentir. Certa vez, levantei-me do chão, onde nos era permitido sentar, e pedi, não sei ainda com que coragem, para tocar no vidro da televisão. Acho que riram, entretanto permitiram. Eu o achei duro, frio. A mesma sensação que guardo até hoje da televisão.

         Tudo era novo para nós, era o mundo novo entrando em nossas vidas. Antes tínhamos a lamparina, o rádio, a voz. Agora era a luz, as imagens e com tudo isso a angústia de não ter, de não ser o primeiro. Não sei se isso nos torna tímidos, menores, submissos. Mas sei que aquele sentimento que tive no dia em que o caminhão chegou na outra rua, não na minha, e despejou os postes, me perseguem por toda a existência. Como se fosse meu destino nunca ser o primeiro nunca ter o direito de causar inveja nos outros.
(Professor Alves, novembro de 2011)    

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A PROFESSORA NOVA


          
      Trinta anos de profissão, sala de aula, dura lida com aqueles meninos e meninas, mais aqueles que estas, esculpindo-a paulatinamente. Chegou então o grande dia, já fora de hora: a aposentadoria. Os meninos estavam tão risonhos e felizes que até contrariavam a velha mestra. Mas essa ideia contrastava com a festa de despedida. Durante dias os meninos e as meninas se revezaram num esforço contínuo, às escondidas, segredo de lesa-turma. Ninguém podia saber da festa. A despedida. Pediram discurso, os pequenos. Ela com lágrimas nos olhos quase desistiu de vestir a camisola. Mas foi. Abraçou um a uma, e eles o fizeram, como nunca tinham feito.
            Havia, porém, uma incógnita: quem substituiria Professora Maria, na árdua tarefa de ensinar a ler e escrever àqueles pestinha? Logo que se iniciou a semana seguinte ao afastamento, os pequenos, e principalmente os pequenos, exigiram uma professora nova. A ponto de irem até o gabinete da diretora para falar a ela que queriam uma professora nova. A diretora, durante o intervalo, comentou com os professores e as professoras sobre os meninos:
          — Ora vejam só, a gente pensa que esses pestinhas não gostam de estudar! Mas foi só a Maria se aposentar, já vieram à minha sala exigir uma professora nova. Bem ajuizados são eles. Benza-os, Deus!

          A semana se prolongou com dona Fátima solicitando à Secretaria de Educação uma professora nova para substituir Maria, alegando que, além de estarem com o aprendizado prejudicado, os pequenos gostavam muito de estudar e não podiam perder o gosto pelas aulas. O dilema, felizmente, durou pouco. Duas semanas após os acontecimentos narrados, chegou à escola dona Lúcia. Vinha da própria Secretaria. Além de exímia professora era considerada uma das mais experientes técnicas em educação infantil. Faltava a ela cinco anos para a aposentadoria, e era seu desejo terminar sua carreira em sala de aula. Quando dona Fátima recebeu essa notícia, um sorriso lhe alargou a boca de orelha a orelha. “nossa! como os meninos vão ficar felizes”. E foi ela pessoalmente apresentar a nova mesta aos pequenos estudiosos. Entretanto, para sua surpresa, não houve nenhuma atitude que denotasse a alegria dos pequenos, sobretudo dos pequenos. E o sobressalto foi maior quando um dos bem pequenos levantou-se em protesto para dizer em nome da turma:
             — Diretora, nós queremos é uma professora nova, novinha estralando!

(Professor Alves, baseado em um fato ocorrido na EEFM Gonzaga Mota, em Messejana)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

TRÊS GERAÇÕES E UM SÓ DESTINO

        Três gerações trabalham nas obras do estádio Castelão, emFortaleza.” Esse é o título de uma matéria veiculada pelo programa Globo Esporte, da rede Globo.
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       Em 1971, na construção do Estádio Castelão, Juraci Damasceno e seu pai (provavelmente morto) trabalharam de pedreiro. Hoje, quarenta anos depois, na reconstrução do mesmo estádio, ele, Juraci, e sua filha, Francisca Falcão Damasceno, trabalham na mesma profissão. Apesar de ela ter nome de Juíza, desembargadora, médica, não o é. É pedreira, como seu avô e seu pai, trabalhando de sol a sol, alimentando-se mal e não tendo condições de dar uma educação digna ao filho ou a filha, pois só assim o círculo se quebraria.
         Não interessa o tom de glamour que a Globo tenha dado ao caso. Trata-se apenas de mais uma história de perpetuação da miséria humana. Como acontece no romance A Bagaceira, em que Soledade perpetua a miséria da família de retirantes iniciada gerações antes. Por sua vez Lúcio, filho do antigo dono da fazenda, é agora o senhor dela. Com Francisca Falcão Damasceno ocorre o mesmo. É preciso que o espelho se quebre, que a linha cíclica que une três gerações, ou muitas outras, se desfaça. Que alguém dessa pobre família tenha acesso aos estudos de fato, para, ao invés de no futuro continuarem se orgulhando de serem pedreiros e trabalharem numa grande obra, se orgulhem de ser engenheiros, médicos, advogados, cientistas.
         Tenho batido nessa tecla com meus alunos tantas vezes, que às vezes acho que eles me odeiam ou no mínimo me acham chato. Quando trabalhava na escola particular, tive como aluna uma das filhas do então governador. Ela estudava numa “classe especial”, com mais uns trinta e nove alunos e alunas. Mas ela não estava lá por ser filha do governador. Estava lá porque tinha competência. Nessa sala só havia alunos com média acima de 9,3. E ela estava lá para perpetuar sua família no topo da pirâmide social. Fico imaginando onde estudou Francisca Falcão, que apesar do sobrenome não teve chance de voar alto. Possivelmente numa escola pública em que os professores, como eu, fazem greve anos sim ano não, para tentar forçar ao governo um reajuste salarial miserável. Imagino-a sem livros, sem tablet, sem bola de cristal (para fazer alusão aos alunos do Christus que já veem as questões de forma antecipada). Vejo-a ainda sem lazer, sem conforto, tendo que acompanhar o pai desde os quatorze anos, virando massa, empurrando carrinho, para só mais tarde aprender a assentar o tijolo, jogar o chapisco, rebocar a parede.
http://imgsapp.esportes.opovo.com.br/app/noticia

         Não vejo como aviltante nenhuma profissão. Meu pai foi pedreiro e meus irmão lhe seguiram o caminho. Eu quebrei o espelho e criei um novo rumo. O que vejo como aviltante é o fato de as pessoas se dobrarem a esse maldito determinismo. Não criarem a consciência de que, apesar das escolas, dos governos, dos políticos e da rede Globo, elas podem fazer sua própria história para reconstruir o caminho das gerações vindouras, e que só a Educação será sua arma para tal fuga.
Que me desculpem o mal tom!  
(Professor Alves)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

SHADOW OF THE COLOSSUS OU A VIOLÊNCIA GRATUITA




       Há três anos, meu filho chegou com uma novidade: queria derrotar dezesseis colossus, no jogo “Shadow of the colossus”. Como sempre faço, fiquei ao seu lado assistindo a aventura de Wander e seu inseparável cavalo Agro. É realmente um jogo para PS2 ímpar. Por isso ganhou tantos prêmios. Wander é encarregado de um uma missão bastante difícil. Ele deve cavalgar, nadar, pular, (como um super-homem) para destruir os colossus numa região inóspita, Região Proibida, com o único objetivo de ressuscitar Mono, uma princesa (?) desacordada, pois só com a morte dos dezesseis colossus ela terá sua alma de volta.

       Num cenário maravilhoso, com uma trilha sonora invejável, Wander, esporeando violentamente sua montaria, segue pelo vale deserto eliminando um a um seus “inimigos”. Mas o que me incomoda é saber o que os colossus, que sequer percebem a chegada de seu algoz, fizeram para merecer tanta violência. Vá lá que seja apenas um jogo. Vá lá até que eu seja admirador desse tipo de “games”. Não me importo que meu filho brinque neste tipo de entretenimento. Acho até interessante. Acho até que é na infância, com jogos assim, que se faz a catarse da violência que quiçá poderia eclodir na juventude ou na idade adulta.
      Mas não deixo de pensar nos pobres colossus toda vez que vejo um deles ser destruído sem dó e sem piedade, por espadadas cruéis desferidas pelo “bom” Wander apenas para que seja resgatada a alma de uma donzela. Esse texto já deveria ser feito há muito tempo, mas toda vez que citava a ideia de redigi-lo, meu filho dizia: “mas será que eles não deveriam morrer, pai”! Creio em que essa ideia do que deve viver ou morrer é muito subjetiva. Por que a moça não deveria continuar morta? Porque ela é linda, como disse meu filho! Entra aí a ideia de que os colossus devem morrer porque são grande e feios!

      Espero que essa violência gratuita fique só no “game”, que as pessoas, crianças, adolescentes e adultas, saibam estabelecer a diferença entre a Região Proibida e a vida real, que saibam distinguir entre os colossus imaginários e os desafios que a sociedade nos impõem dia a dia. Mas meu filho está aqui, buzinando que ele acha que se trata de um dos melhores jogos com que já brincou e o recomenda a quem ainda não o conhece!
(Por Professor Alves e Victor Hugo)

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...