sexta-feira, 21 de março de 2014

O QUE HÁ NUM BEIJO?



 

A letra da música, tema da novela Baila Comigo, indagava  “What’s in a kiss?”. Em tradução, deve-se ler “o que há num beijo?” ou “O que tem de mais num beijo?”.  Realmente, aparentemente não há nada de mais em uma bicota ou selinho, como queria a dinossáurica Hebe Camargo. Entretanto não é bem o que vemos nove meses após o fim do carnaval, regado a muita bebida e a muito “axé music”, com Ivete e Bel exagerando nas receitas de curtição:
“Quando você passa eu sinto seu cheiro
               Aguça meu faro e disparo em sua caça, iaiá
 (...)
Me abraça e me beija
                Me chama de meu amor
                Me abraça e deseja
               Vem mostrar pra mim o seu calor”


               
                Não vim aqui falar de beijos, tampouco de ivetes e bels. Mas é que observando algumas atitudes, aparentemente inofensivas, me lembrei da música de O’Sullivan e me arremeti aos temas carnavalescos e, por que não dizer, animalescos. Recentemente estava numa fila de um desses postos da Caixa espalhados pelo país, nas casas lotéricas, quando vi uma senhora se aproximar de outra que estava bem encaminhada e solicitar-lhe que  lhe pagasse as contas. A outra sem nenhuma cerimônia aceitou a missão. E as pessoas que estavam na fila também não se importaram. Uma moça na minha frente fez, silenciosa, um comentário de desagravo. Ao que eu retruquei que ela, a senhora-fura-fila, não tinha nenhuma noção do que estava fazendo. Ela simplesmente acha normal. Não vê ali nenhuma transgressão à ética social.
E continuei com minhas reflexões, enquanto presenciava  mais uma ocorrência do gênero. Desta feita uma senhora antes de adentrar o supermercado, colado a essa agência,  deixou a mãe, possivelmente octogenária, caquética, na fila preferencial. Quando voltou, assumiu o lugar da velhinha, deixando-a confortavelmente sentada num banco de madeira, do lado de fora. Quando estava na boca do caixa, chamou a mãe para não ser contrária aos bons procedimentos. Ouvi alguns outros comentários contra aquela filha desalmada, mas só quando a mesma se retirou. Desta vez fiquei calado.
Mas a surpresa maior estava por vir. Depois de quarenta minutos de fila, sem nenhum estresse, pois acho a fila a única instituição realmente democrática, pois, mais do que a morte, ela nos nivela, sem nenhuma discriminação, não obstante essa democracia ser constantemente vilipendiada, como a outra, a falsa. Pois bem, após quarenta minutos, estou eu na boca do caixa. E foi aí que me veio a maior decepção que um educador pode ter. Uma colega de profissão, supostamente minha amiga, aparece-me como um fantasma, com as mãos cheias de contas, após um longo suspiro me, entrega a carga, ou melhor, tenta me entregar dizendo “que bom encontrar você aqui”. Dei uma rápida olhada para trás, vi que a fila estava bem maior do que quando cheguei, olhei-a meio atordoado, mas tive coragem e lhe disse “vamos respeitar as pessoas que estão na fila”. A mesma ficou lívida, sua face quase se afoga num esgar de surpresa. Virou o rosto e sem se despedir, foi para o final da fila, sem me deixar externar a única saída para a situação que era oferecer-lhe o meu lugar.
Próximo ao condomínio onde moro há uma padaria a qual frequento esporadicamente. Sempre que lá me encontro, sempre pela manhã, vejo policiais do (quase extinto) Ronda do quarteirão merendando uma merenda nada frugal. Após o lanchinho eles saem sem pagar. Qualquer um infeliz que por ventura esteja lendo esta crônica, com certeza, já deve ter presenciado cenas desse tipo em padarias, lanchonetes, churrascarias, restaurantes. Os donos dos estabelecimentos não reclamam, pois recebem uma “proteçãozinha” extra. Certa vez em um supermercado, vi um cidadão, com o perdão da palavra, tomando calmamente uma cerveja no interior do estabelecimento. Nada de mais, pois muitos o fazem, e os gerentes também não se importam. É uma forma de manter o cliente no interior da loja por mais tempo.  O caso é que o homem se dirigiu ao balcão de frios, pediu uma fatia de presunto para provar. Após saboreá-lo, deixou discretamente o vasilhame de cerveja, vazio, sobre embalagens de salsichas e saiu tranquilamente. Ele deve ter pensado consigo: “como eu sou esperto, bebi e ainda tirei o gosto”, e deve ter ajuntado a esse pensamento o seguinte: “os supermercados são ricos, tiram de nós, mas eu tiro deles”. Santa ignorância, Batman!
Sei que todos sabem, mas eu vou lembrar: todas essas atitudes são atos de corrupção, tão graves quanto desviar 40 milhões de dólares da Previdência Social, como pagar aos deputados para que esses beneficiem o governo.   Então não adianta sairmos por aí falando mal dos políticos, das autoridades corruptas, que nos envergonham com mensalões e mensalinhos, se praticamos os mesmos atos que corrompem a ética de convivência. Que país estamos querendo construir, que cidadãos queremos formar em nossos alunos e em nossos filhos? Acho que essa deveria ser a pergunta que devemos fazer antes de furar uma fila, comer um bombom escondido em um supermercado ou desviarmos a verba da merenda escolar.

(Professor Alves, março de 2014) 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ATÉ BREVE!




Quando o moço do socorro, depois de examinar lhe o homem, virou-se e, atabalhoadamente, perguntou se ela tinha plano funerário, a vista escureceu de tal forma que ela teve de se segurar para não desabar. O moço então lhe repetiu a pergunta. Ela interrogou-me com os olhos “como assim, plano funerário, pra que eu quero um plano funerário?” Respondi ao moço o que ele queria ouvir. Em seguida pus a mão em seu ombro e percebi lhe certa vertigem. Para minha surpresa, depois que o socorro se retirou, ela se dirigiu à cozinha, pegou um pano molhado e pôs-se a esfregar o chão. Não pude ler seus pensamentos, mas entrevi uma preocupação: “ele vai despertar e não vai gostar de ver o chão sujo”. Em seguida estrondou-se em uma gargalhada como lhe era habitual. Deve ter pensado “mas ele nunca exigiu nada, era eu quem mandava nele” e entoou baixinho “sim senhora”. Era esse o bordão que ele sempre usava. Ao que se virou para mim e disse: “ah! meu amigo, não posso acreditar”.
Estávamos só nós dois. Ela me acordara cedo, aos gritos de “meu homem está morrendo”, Saí estonteado, correndo. Ainda o vi com a última respiração em progresso. A última! Liguei para o socorro que constatou o óbvio, o qual  os seres humanos séculos após séculos ainda teimam em não aceitar. Sentei-me entristecido, olhando aquela mulher encanecida, sem filhos, sem ninguém. Agora ela estava sem ninguém. O companheiro de sempre, de todos os dias, de todas as horas, de todos os minutos, de todas as brigas havia desencarnado. Jazia agora o corpo, o qual ela espera de súbito levantar-se e dizer “sim senhora”, mesmo de brincadeira. Eu me postara sem pensar. Olhando o vazio. No fundo eu também esperava vê-lo  se levantar e dizer “sim senhor” e rir-se diante da pilhéria, como era seu costume.
Quando o gato entrou, percebeu, pelo seu instinto, algo errado. Percebi que farejava o ar. Levantou as orelhas, como a escutar o inaudito. Em seguida, embarafustou-se para a cozinha, em busca de algo para comer. Ela riu e foi cuidar do gato. Estava demorando a presença de mais pessoas. Só a minha e a dela não bastavam. Eu tinha dado dois ou três telefonemas. Quando o gato já ia saindo, olhando de través  e lambendo os beiços, é que começaram a chegar as primeiras caras. Familiares, amigos, curiosos, que não acreditam na morte e precisam vê-la para nela crerem. Alguém trouxe café, outros chegavam com bolachas, pães, torradas. Enquanto se conversava na sala, assuntos de mortes, histórias semelhantes, outras nem tanto, observei que ela adentrara o quarto e trancara a porta. Pela fresta da imaginação, pude vê-la num último adeus ao companheiro de todas as noites. A mão tocando-lhe o corpo inerte, acariciando lhe a barba tantas  vezes afagada, outras tantas beijada. Pude sentir sua pressão subir, abraçando o corpo de todos os tempos, de todas as glórias, a boca entreaberta para o último beijo. O homem ainda estava ali. Era preciso possuí-lo rapidamente antes eu alguém pudesse interromper...
No velório estávamos na mesma posição. Era como se nada tivesse mudado, como se não tivesse tomado banho, trocado de roupa. Os olhos fitos no vazio, buscando uma explicação para o que já não precisa ser explicado. Aliás para o que nunca necessitou de explicação. Ela, de negro, acariciava o homem, antes que nada mais houvesse, antes que nada mais sentisse, antes que a vida perdesse o sentido. Até a hora estrema em que os estremos se unem finalmente.  O que é pó finalmente volte ao pó, e o que é espírito se encaminhe para os iguais.
Não houve choros, não houve cenas. Apenas o corpo descendo à terra, cercado de madeira, envolto na escura mortalha, como se não bastasse a escuridão do túmulo. Em determinado momento, não sei por quê, meus olhos buscaram os dela. E li neles uma promessa. Não uma promessa de vida, não uma promessa de carne. Mas uma promessa de almas. “Até breve, meu homem. Não saberei viver o resto de minha velhice sem os nossos dias, sem as nossas brigas, sem as nossas risadas, sem os nossos porquês. Até breve, meu amigo, a única coisa que me enlaçava à dor vivente, não está mais comigo. Não te afastes de mim, não vá muito longe. Em  breve, estaremos juntos novamente... e aí você vai me explicar a história daquele telefonema misterioso”.

(Professor Alves, janeiro de 2014)

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

SE TODAS AS MULHERES FOSSEM RESOLVIDAS COMO A DA HISTORINHA ABAIXO, CHAUVINISTAS COMO O SR. ALAN III NÃO PRATICARIAM ATROCIDADES COMO A DE DOMINGO.


Era uma vez... numa terra muito distante...uma princesa linda, independente e cheia de autoestima.
            Ela se deparou com uma rã, enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...
          Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito. Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.  Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.  A tua mãe poderia vir morar conosco, e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...
          Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:
          - Eu, hein?... nem morta!
Luis Fernando Veríssimo

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PERGUNTAS DE UM TRABALHADOR QUE LÊ


  
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída —
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

BERTOLD BRECHT


BEBIDAS E DÚVIDAS

                 Todos temos motivos pra beber, cerveja, wodka, rum, conhaque e outros tipos de bebidas alcoólicas.
                Mas que motivos mais nos levam a ir ao primeiro gole? Geralmente os momentos alegres, comemorativos, conquistas, tristezas e até mesmo para passar o tempo, ocupar o vazio pessoal.
                 E eu? qual  ou quais são os meus motivos? Ou já não preciso mais de motivos? O ato já faz parte da minha rotina. O que imagino quando pego o copo para tomar umas cervejas? Tenho apenas o impulso e não crio questionamentos se estou certo ou errado; se vai me fazer bem ou vai trazer consequências  que sequer imagino; se ficarei alegre, se irei me tornar uma pessoa mais amável, carinhosa e responsável?  Me acende uma pequena luz de alerta?  E eu, o que faço?  deixo pra lá o aviso, prossigo no me lazer? Beber mais um copo, esquecendo de tudo quanto é importante, trabalho, amigo, casa família...? Ah, família! Eles entendem, afinal estou em casa todos os dias! Sou eu quem trabalha, ganha o sustento. Eu mereço o meu lazer.
                Às vezes tenho dúvidas de com o chego em casa? Lembro de como cheguei? Com  quem falei e como falei? Fui gentil, amável ou tratei-os de forma ríspida? Afinal, como cheguei? O meu comportamento é o mesmo de quando saí? continuo calmo, amoroso, aquele companheiro que todos desejam? A família ficou alegre com a minha chegada e da forma como cheguei?
                É, parece que tenho muitas dúvidas, perguntas a responder honestamente a respeito dos benefícios de umas “cervejinhas”! Um dia quem sabe eu descubro a respeito destes questionamentos... Um dia... mas que esse dia chegue antes que o “fundo do poço” chegue até a mim. Um dia...quando a luz da consciência brilhar mais forte.

(Seu João, irmão que conduz a leitura do Evangelho às quartas e quintas-feiras, Gepe Piedade)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ATÉ ISSO PASSARÁ

            

Hoje a piscina estava vazia. Não que estivesse sem água. Pelo contrário, a água transbordava ao sopro do vento matinal. Não que não houvesse pessoas. Muito pelo contrário, estava repleta de cabeças, troncos e membros. Havia, entretanto, um silêncio, que a tornava vazia, com um  zumzumzum  baixinho, silente. Vez por outra,  ouvia-se um riso, porém tênue, como se houvesse um acordo para que se mantivesse apenas o som do silêncio.
            Não, não fiquem consternados. Ninguém morreu, ninguém com enfermidade grave. Mas é sempre assim quando seu Joaquim não aparece por aqui. Ninguém sabe por quê, de repente ele não compareceu. Possivelmente algum compromisso fortuito, desses que chegam sem aviso e nos tiram dos compromissos rotineiros. Daí o motivo daquela quase entorpecimento na aula de hidroginástica. Do meu canto vislumbrei alguns olhares indecisos, arapongas na direção do portão. O professor quebrou o silêncio, quase sem querer, indagando pelo cliente faltoso. As amigas ficaram órfãs por hoje. Não estavam tristes, apenas não estavam à vontade, como que sentindo que a manhã estaria incompleta, com a ausência do amigo.
            Mas sabemos que daqui a dois dias, logo cedo, Seu Joaquim adentrará o portão, já sorridente, indagador, cumprimentador. E logo a água da piscina sorrirá ao embalo do vento mais solto. O professor Metusalem, com seus trocadilhos à vovó, indagará sobre os netos, sobre a obra, sobre a garrafada alemã, pseudo motivo de toda aquela virilidade. Com respostas rápidas e sem papas, Seu Joaquim irá respondendo e acrescentando tantas outras pilhérias, levando muitos à descontração. Outros clientes, um pouco ingratos, torcerão a face a esse mundo de brincadeiras, tecendo comentários, mas, no fundo, rindo  de todo aquele bom humor. E as amigas perdoarão a ausência passada e voltarão a sorrir, com a plenitude daquela manhã.
            Entretanto haverá uma manhã em que a piscina estará vazia. Não por falta d’água, não porque não tenha gente. Mas porque tudo nessa vida é efêmero, tudo é passageiro, inclusive o trocador e o motorista. E toda essa alegria também um dia passará e ficará apenas na lembrança daqueles que convivem com seu Joaquim.
(Agosto de 2013)

            

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

SEJAMOS FELIZES

“SE FICARMOS OLHANDO PARA O QUE AS OUTRAS PESSOAS PENSAM OU DIZEM, JAMAIS FAREMOS ALGO QUE SATISFAÇA O NOSSO CORAÇÃO.”


          Na verdade, não há nada que façamos ou que digamos que satisfaça a todos. É necessário, urge que aprendamos a viver de acordo com algumas leis:

1ª  Somos o que somos, e se o que somos não atrapalhar a vida dos outros, não prejudicar ninguém, então estamos certos como somos. Porque nossa identidade, assim como a nossa liberdade, termina onde começa a identidade e a liberdade do outro.

2ª Devemos aprender a SER, para termos consciência de que aquilo que fazemos ou dizemos é bom para nós e para o meio no qual estamos inseridos. É impossível, portanto, sermos felizes isoladamente. Queiramos ou não nós precisamos do outro para nos sentirmos inteiros. Caso contrário seremos apenas um lado de uma moeda.

3ª As pessoas não nos aceitam como somos apenas porque somos, ou porque queremos, mas porque convencemos a elas de que o que somos é bom tanto para nós como para elas, para o coletivo. A aceitação de poucos requer a aquiescência de muitos.

4ª Não há nada mais cruel e desumano do que você se impor a alguém pela força, na marra. É preciso que nos imponhamos pela gentileza dos nossos atos e das nossas palavras, que necessariamente devem ser úteis, pois atos e palavras vãs vão-se com o primeiro vento.

5ª Aceitar as pessoas como elas são é um bom caminho para a nossa própria aceitação. Admirá-las e mesmo tolerá-las representa para o mundo o que somos, como vivemos e indica a procedência de nossas idéias e atitudes.

          Portanto, para sermos felizes, é necessário que sejamos nós mesmos, para que as pessoas nos respeitem e nos admirem e, principalmente, aprendam conosco, porque não há realização maior do que o ato de ensinar. Cristo morreu por toda a humanidade, mas os seus ensinamentos jamais morrerão, Por isso sua obra maior foram os ensinamentos, por isso ele se imortalizou. Sejamos o que somos, acreditemos em nossas próprias opiniões, em nossas potencialidades em nossos sonhos. Lembremos as palavras de Renato Russo: “Se queres alguém em quem confiar, confia em ti mesmo”.




SEJAMOS FELIZES

terça-feira, 16 de julho de 2013

O HOMEM QUE SEMEAVA AMIGOS E OUTRAS CRÔNICAS


Publicação do livro "O Homem que Semeava Amigos e Outras Crônicas", de minha autoria, Professor Alves.
Quem quiser adquirir a obra, pode fazê-lo através do depósito/transferência para Francisco Alves de Andrade, Bradesco, Ag 0741 ; CC 17893, Valor R$ 22,00. Em seguida enviar endereço para minha caixa de mensagem e boa leitura.

APRESENTAÇÃO
              
               Quando se é o caçula de uma grande família, não se tem muito o que fazer a não ser observar os adultos em seus inquietantes conflitos. Foi assim que aprendi a olhar o mundo, sentir, ouvir e falar pouco. Desta forma foram nascendo, crescendo e morrendo na mente textos. Alguns eu os escrevia, para depois descartá-los. Com o advento da “internet” e consequentemente dos “blogs”, pude compilá-los e divulgá-los. Surgiu assim o desejo de publicar este livro de crônicas.
               O leitor irá notar que se trata de textos diversos, narrativos ou dissertativos; memoriais ou contemporâneos; uns emotivos outros nem tanto. Mas todos vieram do íntimo deste ser que sou eu. Nada foi escrito por acaso. Tudo é catarse, exposição daquilo que muitas vezes não se diz com palavras. Sei que algumas frases parecerão ininteligíveis. É que a linguagem do inconsciente às vezes se obnubila para não revelar sentimentos inclaros. Confesso que alguns deles me trazem lágrimas todas às vezes que os leio, e não são poucas essas vezes.
               Foram escritos numa linguagem simples, direta. Com frases curtas, aprendidas com o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis, mestre de todos os que se impelem nesta dura lida de escrever. Alguns textos são breves outros muito breves. É que não sei inventar. Quando o prato está pronto está pronto, não adiantar pôr mais tempero. É que o soneto só pode ter quatorze versos, e não adianta tentar emendá-lo. Assim ficou um livrinho com poucas páginas. Dos males o menor, pois livro grosso afasta  leitores incipientes.

               Desejo a todos uma boa leitura, mas peço complacência com este amigo que inventou de ser escritor e poeta.  

segunda-feira, 1 de julho de 2013

VAMOS MUDAR DE ASSUNTO












vamos mudar de assunto

VAMOS MUDAR DE ASUNTO
PARA NÃO CONTER A EUFORIA
PRA NÃO LEMBRARMOS O OUTRO
PARA NÃO ESQUECERMOS DE NÓS

VAMOS FALAR DE FLORES
PARA NÃO DIZEREM
PARA NÃO CLAMAREM
PARA NÃO  SUFOCAREM

VAMOS FALAR DE AMORES
PARA NÃO MORRERMOS SEM
PARA NÃO SENTIRMOS DORES
PARA  NÃO VIVERMOS COM

VAMOS FALAR DA INFÂNCIA
PARA NÃO CRESCERMOS LOGO
PARA NÃO VIVERMOS MUITO
PARA NÃO SERMOS PEQUENOS

VAMOS FALAR DE CRISTO
PARA NÃO SERMOS LÓGICOS
PARA NÃO VIVERMOS SALVOS
PARA NÃO SENTIRMOS MEDO

VAMOS FALAR DE VERÃO
VAMOS FALAR DA CHUVA
VAMOS FALAR DE TI
VAMOS ESQUECER DE NÓS

VAMOS MUDAR DE ASSUNTO!


(Professor Alves, um dia após a vitória da seleção)

terça-feira, 7 de maio de 2013

ESGARÇAMENTO DA POLÍTICA, FREI BETO





Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Esgarçar: afastarem-se, soltarem-se os fios de um tecido(Caldas Aulete).
Quem é direita e esquerda hoje no Brasil? Eis um dilema shakespeariano. A direita, representada pelo DEM, se acerca do PMDB e, na palavra do senador Agripino Maia, propõe "oposição branda” ao governo Dilma Rousseff, que se considera de esquerda.
O PPS do deputado Roberto Freire, versão ao avesso do Partido Comunista, apoia as forças mais retrógradas da República. O PDS de Kassab e o PMDB de Sarney ficam em cima do muro, atentos para o lado em que sopram os ventos do poder.
Como considerar de esquerda quem elege Renan Calheiros presidente do Senado, e Henrique Alves, da Câmara dos Deputados. Você, caro(a) leitor(a), qualifica como de esquerda quem se apoia em Paulo Maluf, Fernando Collor de Melo e Sarney?
Desde muito jovem aprendi que a esquerda se rege por princípios e, a direita, por interesses. E hoje, quem coloca os princípios acima dos interesses? Como você, que é de esquerda, se sente quando se depara com comunistas apoiando o texto do Código Florestal que tanto agrada a senadora Kátia Abreu?
A esquerda entrou em crise desde que Kruschov, líder supremo da União Soviética, denunciou os crimes de Stalin, em 1956. Naquela noite de fevereiro, vários dirigentes comunistas, profundamente decepcionados, puseram fim à própria vida.
Depois que Gorbachev entregou o socialismo na bandeja à Casa Branca, e a China adotou o capitalismo de Estado, a confusão só piorou.
Muitos ex-esquerdistas proclamam que superaram o maniqueísmo esquerda x direita, inadequado a esse mundo globalizado. Mera retórica para justificar o aburguesamentos de quem, em nome da esquerda, alcançou um estilo de vida à imagem e semelhança dos poderosos da direita: muita mordomia e horror, como confessou o general Figueiredo, ao "cheiro de povo” (exceto na hora de angariar votos).
Ser de esquerda, hoje, é defender os direitos dos mais pobres, condenar a prevalência do capital sobre os direitos humanos, advogar uma sociedade onde haja, estruturalmente, partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.O fato de alguém se dizer marxista não faz dele uma pessoa de esquerda, assim como o fato de ter fé e frequentar a igreja não faz de nenhum fiel um discípulo de Jesus. A teoria se conhece pela práxis, diz o marxismo. A árvore, pelos frutos, diz o Evangelho.
Se a prática é o critério da verdade, é muito fácil não confundir um militante de esquerda com um oportunista demagogo: basta conferir como se dá a relação dele com os movimentos populares, o apoio ao MST, a solidariedade à Revolução Cubana e à Revolução Bolivariana, a defesa de bandeiras progressistas, como a preservação ambiental, a união civil de homossexuais, o combate ao sionismo e a toda forma de discriminação.
Quem é de esquerda não vende a alma ao mercado.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

CIDADANIA





















Que palavra é essa
sem efeito
que efeito é esse sem causa
que causa é essa
que não se entende.

Existe um homem pobre
existe um filho sumido
existe um filho vivo
existe só descaso.

Que nome é esse
sem sentido
sentido sem razão
razão sem História
História com eco.

Eco de tristeza
eco de medo
eco de fome
eco sem nome.

(Professor Alves)

quinta-feira, 7 de março de 2013

DIA INTERNACIONAL DA LUTA DA MULHER


          Amanhã, oito de março, é comemorado o dia internacional da LUTA da mulher. Sempre friso a palavra luta por achá-la extremamente útil a esse contexto. Há um monte de dondoquinhas por aí gemendo que querem ganhar chocolate, flores, presentinhos. Esquecendo que mulheres viraram churrasco, foram violentamente queimadas por lutarem por seus direitos. Se as mulheres hoje podem escolher uma profissão, se podem escolher seus governantes e até escolher seus maridos é porque muitas lutaram por isso. E a luta continua. Numa sociedade machista, em que a mulher, iludida pela mídia, agrava dia após dia a sua condição de objeto sexual, é preciso que se tome consciência da libertação feminina. Mas que essa libertação não se dê apenas no campo da sexualidade, mas seja plena. Plena de amor ao próximo, de respeito por si mesma, de amor pelos filhos, por quem são tão responsáveis.
               Gostaria do fundo do meu coração desejar a todas as mulheres, sobretudos as adolescentes daqui e do mundo inteiro, que suas vidas sejam sem nenhum sofrimento, que sejam como as águas mansas de um lago manso, sem perturbações sem agruras, nem escarpas, nem espinhos. Mas que se um dia encontrarem-se diante de situações embaraçadoras, constrangedoras, advindas das contingências do dia a dia ou geradas por pessoas mal intencionada, que saibam erguer  o  coração para o céu, pois erguer as mãos é fácil, para, primeiro de tudo, agradecer a Deus por isso, porque agradecer só pelos bons momentos, pelas bonanças não tem graça nenhuma; depois  para perdoar a essas pessoas do fundo da alma, desejar-lhe toda felicidade do mundo, pois perdoar bobagens e desejar boa sorte só aos  nossos amigos também não tem graça mesmo, pois foi essa o grande ensinamento que o mestre nos deixou. E só então buscar na LUTA a felicidade, temporária, uma vez que é nessa felicidade temporária que encontramos forças para as novas batalhas que se nos avizinham.
               Gostaria ainda de lembrar que LUTA aqui não traz a ideia do conflito interpessoal, mas o conflito que travamos dentro de nós, para vencer os medos, as angústias, a falta de vontade que nos assola sempre que queremos ser pessoas melhores, sem maldade, sem ódio. Desejo então que nessa LUTA as mulheres possam se libertar de tudo, do machismo, da mídia que deturpa suas almas, dos medos, de seus próprios egoísmos.
(Professor Alves, 07/03/2013)

segunda-feira, 4 de março de 2013

A BARBEARIA E A CAIXINHA DE SURPRESA



              
        Ontem fui à barbearia. Costume que tenho desde vidas pregressas. Inclusive, salvo engano, já fui barbeiro numa das estadas por aqui. Pois bem, estava lá nesse espaço mais que democrático, onde as pessoas podem torcer livremente e manter uma saudável discussão futebolística. Estava juntamente com meu filho, que é para ele também criar gosto.
               O assunto não podia ser outro. Ceará e Fortaleza na final da copa Nordeste. Intrometi-me algumas vezes para lembrar que os dois tinham que passar pelos seus adversários desse domingo, Asa e Campinense, respectivamente. Mas o otimismo travava a racionalidade de alguns, torcedores dos dois principais times da capital cearense. Fiz-lhes lembrar do episódio ocorrido ano passado, quando o Fortaleza sucumbiu diante do Oeste de São Paulo, em pleno PV. “Mas isso já está superado” dizia uns. “O mesmo raio não cai sobre a mesma cabeça duas vezes”, retrucava outros. E assim saí da barbearia de cabeça feita, literalmente, e derrotado no debate.  
               Pena que à noite a barbearia estava fechada. O certo é que o raio não caiu sobre a cabeça do Fortaleza pela segunda vez, mas na cabeça do Ceará. Não quero o mal dos dois times. Até queria que os dois fizessem a final dessa copa, para adiar a participação das onzenas principais na segunda fase do campeonato cearense.  Mas quis o deus do futebol que se repetisse pela zilionésima vez o ditado que diz “o futebol é uma caixinha de surpresas”. E que caixinha, hem! No Rio os torcedores do Flamengo também pagaram o pato. A caixinha também se abriu para nós rubro-negros. 

domingo, 27 de janeiro de 2013

FALTA INJUSTIFICADA




               Chamava-se Anacleto e, como seu nome, era uma pessoa simples, conservadora. Dir-se-ia cumpridor dos direitos e deveres. No trabalho era infaltável, inchegável atrasado. Mas não criticava seus companheiros, quando o faziam. Tinha dó. Coitados, sempre que precisavam faltar ao trabalho ou chegavam atrasados, era devido a uma quase tragédia. Era a mãe ou um pai que passava dessa para uma melhor, um acidente com o filho pequeno, um desentendimento sério entre familiares. Quando isso ocorria, Anacleto não deixava de perscrutar discretamente o chefe retirar da gaveta um carimbo, que, depois de passar na almofada, pressionava contra o cartão de ponto: FALTA JUSTIFICADA. O mesmo carimbo servia para os atrasos, nesse caso, o funcionário não batia o ponto na saída.
               E foi num dia desses comuns, que Anacleto não compareceu ao trabalho pela manhã. Os colegas e o chefe já calculavam o tamanho da tragédia. Telefonaram pra sua residência, mas ninguém atendeu. Celular não tinha, pois esta história se passou na época em que esse instrumento ainda não havia sido difundido. Quando Anacleto chegou à tarde com um grande sorriso nos lábios e um ar de felicidade de fazer inveja, o patrão o olhou com certa desconfiança e o chamou-o ao birô, (Ah, nessa época ainda havia birôs. ) como sempre fazia. Inquerido por palavras e expressões faciais, certo de que seria perdoado e sua falta justificada, contou ao chefe o que ocorrera:
               — Pois é chefe. O Sr. Me desculpe pela falta de hoje de manhã, mas é que houve algo muito bom que me fez chegar tão atrasado. Quando vinha para cá, hoje pela manhã no horário de sempre, depois de tomar um cafezinho no bar de seu Ayrton, a pé mesmo já que o médico recomendou caminhada, mas como não tenho tempo, sempre venho caminhando. Pois bem, quando ia passando pela pracinha, deparei-me com Ana Amélia. O senhor precisava ter visto ela, como está linda, mais ainda que quando éramos jovens. Ela me abriu os lábios num sorriso bonito, com seus dentes branquíssimos, que mais pareciam ter saído de uma dessas propagandas enganosas de pasta de dente. Sentamo-nos no banquinho da praça e ficamos fitando um ao outro. Não dissemos nada, nossos olhos estavam observando nossas lembranças, os nossos lábios saboreando ainda o último beijo. Não discutimos o porquê de nossa separação, não nos ensaboamos  na água com que se lavam roupas sujas. O destino é simples, mas engenheiro. Não devemos discuti-lo. Só tempos depois, chefe, é que falamos, lembramos os nossos segredos, sorrimos nossa infância, balançamo-nos no trapézio feliz de nosso namoro. Ah, os versos, que dedicávamos um ao outro! Havia um que era assim, eu adorava dizer para ela e ela amava ouvi-los de mim:
                                            “Quando um dia eu for teu e fores minha,
                                            O nosso amor conceberá o mundo
                                            E de teu ventre nascerão deuses!”
Ah, chefe, o Sr. Não imagina como essa manhã foi maravilhosa, como foi bom rever Ana Amélia. O Senhor deve estar se perguntando por que não ficamos juntos, mas isso não interessa. O que interessa é que nos conhecemos na adolescência e nos encontramos hoje. Ela está casada, há muito tempo, eu também, mas isso também pouco importa...
               Guiados pelo tom das palavras de Anacleto, alguns funcionários  formavam um pequeno grupo de curiosos, sorvendo suas palavras como um bálsamos para seus sofrimentos e até sentiam um pouco de inveja. Chegaram mesmo a suspirar quando perceberam que um uma lágrima atrevida pousava de leve no sorriso do colega. Anacleto findou suas palavras da mesma forma como as tinha iniciado, com um sorriso de felicidade e um olhar perdido no passado.
               O chefe ouviu atentamente a justificativa de Anacleto. Abriu a gaveta retirou dela o carimbo e pressionou contra o cartão de ponto do romântico faltoso:
FALTA INJUSTIFICADA!
(Professor Alves, 01-2013)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

NO TEMPO DOS CORONÉIS




               Era a época em que os coronéis ditavam as ordens no nordeste brasileiro. Eram homens poderosos, que tinham direito sobre a vida e sobre a morte, mandavam prender, mandavam soltar e também mandavam bater. Rodeados de capangas, muitos advindos do cangaço, eram homens de posse e de política. Eram eles que elegiam e eram eleitos. Eleição servia apenas como um faz de contas. Democracia era palavrão, cheirava a comunismo e comunismo era coisa do demônio.
               Mas dentre esses cidadãos de poder, de mando, havia uns poucos de coração generoso, que se condoíam do sofrimento alheio e colocavam muitas vezes seus contos de réis a amenizar o sofrimento daqueles que pouco ou nenhum tinham. Coronel Epitácio Alves D’ângelo era um deles. Homem de terras a perder de vista, casa grande sem senzala, gado e muito dinheiro debaixo do colchão. Sua descendência remonta ao Alferes José de Fontes Pereira de Almeida Alves, fundador da cidade hoje denominada Morada Nova. A seu serviço, muita gente entre homens e mulheres, pretos e brancos. A religiosidade fê-lo construir uma capela, à qual vinha geralmente aos domingos um padre trazer-lhe a bênção, a ele e aos que ali frequentavam e aos que ali trabalhavam, pois filhos e mulheres não tinha, apesar da sua libido exagerada. Mas ninguém ousava duvidar de sua duvidosa masculinidade.
               Estava esse homem sempre cercado por pessoas a bajulá-lo, sempre em busca de um favor, de um auxílio de natureza diversa. Conta-se que por trás de sua cadeira de balanço, havia uma abertura na parede, encoberta por uma lâmina de madeira, em que guardava sempre uma boa quantidade de dinheiro para emprestar a quem tivesse necessidade. Humildemente o homem e aproximava do Coronel e pedia-lhe emprestado algum. Ele simplesmente apontava com o polegar a abertura na parede, e o indivíduo ia pegar  a quantia solicitada. Alguns dias, semanas, meses depois, o homem vinha, sem grande humildade, pagar-lhe o que devia. Coronel Epitácio apenas apontava a abertura e o homem, meio desapontado, lá ia pôr a quantia em dinheiro.
                              Mas entre pessoas honestas, há sempre aqueles que se acham espertos e confundem bondade com ingenuidade. Certo comerciante, de nome Otávio Cesário, desses que não perdem a oportunidade de abusar da bondade alheia, precisando urgentemente de um dinheirinho para repor o estoque de seu armazém, dirigiu-se à fazenda do Coronel Epitácio. E depois de muito bajular o benfeitor, confessou o real motivo de sua estada ali. O Coronel fez o gesto costumeiro, indicando a abertura na parede. O homem retirando a quantia necessária, retirou-se, com uma vênia ao poderoso homem.
               Algumas semanas depois, estava o Coronel fumando seu costumeiro charuto, quando se aproximou o comerciante Otávio para devolver-lhe o empréstimo. O Coronel fez-lhe o gesto costumeiro, o outro se dirigiu para lá, abriu a portinhola de madeira e fechou-a sem nada pôr lá. E saiu, se despedindo com um sorriso cínico, coroando sua esperteza. 

               Não se passou muito tempo desse ocorrido, Nosso amigo comerciante, Otávio Cesário, apareceu na fazenda do Coronel. Após alguns dedos de prosa, revelou-lhe o que queria: um pequeno empréstimo, um pouco maior que o anterior é claro. Epitácio D’ângelo, não interrompeu a conversa com um aliado político, mas o gesto de sempre foi repetido, ao que o comerciante, regozijante, dirigiu-se ao buraco. Seu rosto ficou lívido, quando não encontrou nada lá. Voltou meio contrafeito até à cadeira do Coronel e pedindo-lhe licença disse-lhe, tropeçando nas palavras:
               — O Coronel me desculpe... mas... lá na portinha... não tem nenhum dinheiro!
               O Coronel deu um sorriso breve, bateu com o leque no joelho levantou os olhos para o homem, que já suava de desapontamento, e lhe respondeu:
               — Se não tem nenhum dinheiro lá, é porque da última vez que o senhor veio abastecer, nada lá colocou.
               Dizendo isso, o coronel mandou chamar dois cabras brutos e ordenou-lhes:
               — Acompanhem O Sr. Otávio César até seu comércio e tragam de volta  o que ele levou e não devolveu, que há pessoas honestas precisando. Mas antes não se esqueçam de lhe dar uma bela sova, pro facínoras aprender a não fazer os outros de bobo. E assim se deu!

               Essa é uma das muitas histórias que meu pai, Luís Alves Domingos, me contava. Elas moldaram de forma pedagógica meu caráter. Não me tornei melhor do que devo ser, mas sempre que me encontro em situações que exigem uma conduta ética, me lembro delas e procuro seguir aquilo que elas buscam ensinar.
(Professor Alves)

NA ESCURIDÃO MISERÁVEL

FERNANDO SABINO  “Eram sete horas da noite quando entrei no carro, ali no Jardim Botânico. Senti que alguém me observava, enquanto punha o m...