CAPÍTULO XXII
“Nascemos um para o outro dessa argila
de que foram feitas as criaturas raras”
(Raul de Leôni)
Desde então tornamos-nos inseparáveis, aliel e eu. Não havia lugar que eu fosse que ela não estivesse ao meu lado. Passeávamos juntos, íamos às compras um ao lado do outro, levávamos os filhos para o mesmo passeio. Até que, a despeito do que as pessoas poderiam vir a comentar, Aliel mudou-se para nossa casa, como se dela tivesse saído para fazer um passeio. O nosso amor finalmente desabrochou como as pétalas de uma rosa ansiosas por verem a luz do sol. Nadiel e Leila ganharam uma mãe e um pai, e os quatro formamos uma família feliz. As lembranças do passado foram guardadas no fundo do nosso consciente e tacitamente sem palavras fizemos um acordo de nele não tocar. Aliel continuou a fazer seu curso de Turismo e sempre que podia aparecia no hospital para me ajudar apesar das reclamações dos colegas. Eu ria do modo como ela invadia as enfermarias cantarolando algo para animar os pacientes, tomando-lhes a pressão, acariciando um e outro sem nenhum receio de contaminação. Quando um médico perguntava por que ela não fazia um curso de enfermagem, ela respondia que não, “basta um em casa ter a obrigação de não viver lá”, fazia um muxoxo e saía para olhar outro doente.
Em outros momentos, ficava em casa cuidando de nossos filhos. Dava a eles toda a atenção possível. Era esfuziante quando brincava com eles, inventando-lhes desenhos, contando-lhes histórias ou fazendo-os rir com mungangos. Quando estávamos juntos, eu não conseguia fazer outra coisa senão mirar sua beleza e, como as crianças, rir dos suas brincadeiras pueris. Por outro lado nunca reclamava de minhas ausências, quando eu virava plantão após plantão sem descanso. Quando eu voltava para casa, dessa muitas vezes inúteis batalhas contra a morte, ela estava me esperando e passava horas velando meu sono.
E assim o tempo passou como uma flecha. Nunca mais fui atormentado por sonhos de outras vidas. Vez por outra reconhecia alguém de uma outra existência ou tinha um leve transe em que revia uma cena de encarnações anteriores, mas nada que me molestasse ou que fosse de grande relevância. Uma noite sonhei com Ernani. No sonho ele era uma criança e estava vestido com um uniforme escolar. Aproximou-se de mim, abraçou-me e me chamou de pai. No dia seguinte, ao chegar do hospital, Aliel me deu a feliz notícia de que estávamos esperando um bebê. Eu chorei, pois agora entendia o significado daquele sonho: Ernani viveria na pele de nosso filho.
“Nascemos um para o outro dessa argila
de que foram feitas as criaturas raras”
(Raul de Leôni)
Desde então tornamos-nos inseparáveis, aliel e eu. Não havia lugar que eu fosse que ela não estivesse ao meu lado. Passeávamos juntos, íamos às compras um ao lado do outro, levávamos os filhos para o mesmo passeio. Até que, a despeito do que as pessoas poderiam vir a comentar, Aliel mudou-se para nossa casa, como se dela tivesse saído para fazer um passeio. O nosso amor finalmente desabrochou como as pétalas de uma rosa ansiosas por verem a luz do sol. Nadiel e Leila ganharam uma mãe e um pai, e os quatro formamos uma família feliz. As lembranças do passado foram guardadas no fundo do nosso consciente e tacitamente sem palavras fizemos um acordo de nele não tocar. Aliel continuou a fazer seu curso de Turismo e sempre que podia aparecia no hospital para me ajudar apesar das reclamações dos colegas. Eu ria do modo como ela invadia as enfermarias cantarolando algo para animar os pacientes, tomando-lhes a pressão, acariciando um e outro sem nenhum receio de contaminação. Quando um médico perguntava por que ela não fazia um curso de enfermagem, ela respondia que não, “basta um em casa ter a obrigação de não viver lá”, fazia um muxoxo e saía para olhar outro doente.
Em outros momentos, ficava em casa cuidando de nossos filhos. Dava a eles toda a atenção possível. Era esfuziante quando brincava com eles, inventando-lhes desenhos, contando-lhes histórias ou fazendo-os rir com mungangos. Quando estávamos juntos, eu não conseguia fazer outra coisa senão mirar sua beleza e, como as crianças, rir dos suas brincadeiras pueris. Por outro lado nunca reclamava de minhas ausências, quando eu virava plantão após plantão sem descanso. Quando eu voltava para casa, dessa muitas vezes inúteis batalhas contra a morte, ela estava me esperando e passava horas velando meu sono.
E assim o tempo passou como uma flecha. Nunca mais fui atormentado por sonhos de outras vidas. Vez por outra reconhecia alguém de uma outra existência ou tinha um leve transe em que revia uma cena de encarnações anteriores, mas nada que me molestasse ou que fosse de grande relevância. Uma noite sonhei com Ernani. No sonho ele era uma criança e estava vestido com um uniforme escolar. Aproximou-se de mim, abraçou-me e me chamou de pai. No dia seguinte, ao chegar do hospital, Aliel me deu a feliz notícia de que estávamos esperando um bebê. Eu chorei, pois agora entendia o significado daquele sonho: Ernani viveria na pele de nosso filho.
EPÍLOGO
“Se este mundo é um demônio
nós somos dele uma parte
e se a vida é só um sonho
que seja um sonho de arte.”
(Fagner/Brandão)
No meu aniversário de cinquenta anos, pedi um presente a Aliel: que ela casasse comigo. É que nos faltara tempo para ter uma lua-de-mel. Ela riu muito antes concordar. A cerimônia foi simples, com poucos amigos e familiares. No dia seguinte partimos para Veneza, um sonho de criança. Depois vim a saber que Aliel também sempre sonhara conhecer a cidade mais romântica do mundo.
No décimo dia nessa maravilhosa cidade, estávamos num restaurante à noite, enquanto eu me embriagava com as brincadeiras de minha amada esposa, vislumbrei a fisionomia de um brasileiro. Seu ar impaciente diante do reflexo das luzes no canal me chamou a atenção. Ele me era familiar, de onde eu o conhecia? Não, não era de onde, mas de que vida! Como sempre, fiquei apenas com a certeza de que era alguém conhecido. Quando Aliel saiu para ir ao toalete, dirigi-me até ele e mantivemos um rápido diálogo, para logo nos familiarizarmos. Ele também era de Fortaleza e isso foi motivo para longa conversa. Quando soube que o Sr. Rodrigo, era esse seu nome, era escritor tive a idéia de lhe contar nossa história para que ele a romanceasse. Algumas vezes eu mesmo tentara fazê-lo, mas meu talento para a literatura era o de leitor, por isso desisti. Nosso novo amigo, encantado por Aliel (impossível, Sr. Rodrigo, alguém não ficar encantado por ela), durante uma semana ouviu de mim essa história de sonhos e de encontros.
FIM
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