AGUANAMBI
O corpo franzino estirado no asfalto, no início da noite de ontem, em pleno horário de “rush”, em uma das avenidas mais movimentadas de Fortaleza, contrastava o homem que em vida buscou a discrição, principalmente nos últimos cinco meses, desde que perdeu a esposa por câncer, segundo colegas de trabalho.
Carros luxuosos trafegavam em marcha lenta e até ousavam revelar os rostos de seus condutores, quando vidros escuros abaixavam para uma melhor visão do ser inanimado.
Pessoas se arriscavam entre veículos de buzinas estridentes, para descobrir a identidade do homem que praticamente parou um dos sentidos da avenida Aguanambi e retardou o trânsito do outro trajeto.
Era João Valdeci de Oliveira Matos, 46, que há 10 trabalhava como soldador de uma oficina de lanternagem nas proximidades. Ele foi arremessado alguns metros por um ônibus da linha Expresso BR-Nova, quando tentava atravessar a pista.
No asfalto, mais do que o filete vermelho: o futuro incerto de oito crianças e adolescentes (a primogênita com 16 anos), agora completamente órfãos, em um intervalo de cinco meses.
Foi o que lamentou o patrão do soldador, após cobrar de policiais militares o que lhe parecia devido. “O ‘passcard’ na carteira dele é meu”, reclamou, sem interesse pela velha identidade, a única outra coisa na carteira.
(Jornal O Povo, 01/08/2009)
Li essa notícia casualmente, agora em 2012. Mas fui arremessado ao dia em que ocorreu o acidente, a fatalidade. E refleti como a sociedade é interesseira, curiosa, sem pudor diante da desgraça alheia. Mas o que me chamou a atenção foi a sensibilidade do repórter ao captar todos esses sentimentos, numa áurea de confusão em que se encontrava, no registro da ocorrência. Infelizmente o pedaço de jornal em que vi a notícia era apenas um pedaço de jornal e não havia o nome do jornalista responsável pelo texto. Mas gostaria parabenizá-lo pela eficiência na leitura que ele fizera da situação.
(Professor Alves, janeiro de 2012)
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