domingo, 27 de maio de 2012

QUANDO MEU PAI MORREU



Quando cheguei à casa de meu pai e o vi morto, eu sorri
Porque sei que era exatamente o que ele faria se se visse morto
Ele estava lindo, morto
Como sempre fora
O rosto rígido
A boca entreaberta, como se quisesse desafiar num grande sorriso
As pessoas sofriam, choravam
Ele se ria de tamanha ingenuidade
E se pudesse, diria com voz firme como sempre falara:
“Assim é a vida
Assim é a morte
Não estamos aqui para semente
Caminhamos eu e a vida inteira de braços e mãos dadas
Agora é momento de visitar a morte, o mistério
Passei a vida toda nos desenganos da vida
Quero ver os desacertos da morte
Se a vida me fez feliz ou triste
Se tive amores e traições se traí e amei em vida
Na morte quero, se me for possível, amar, ser alegre e triste
Não fui homem de fugir das agruras que a vida impunha
Serei espírito de temer o que me espera?
Não, e parem de chorar! cantem-me os parabéns
Não é com choro que se enterra um homem
É com aplausos que se vê a ascensão de um espírito!”
Quando o guardaram naquela urna escura
Pensei que fosse desabar
Parecia-me que as lágrimas guardadas fossem desaguar
Mas senti de súbito um alívio
Meu pai não estaria mais ali, nem aqui, nem acolá
Seu Luís iria finalmente descansar
Depois de 86 anos de lida
Desde pequenino
Imagino o filme  de que ele foi personagem
Nossa quanta traquinagem
Nossa quanta brincadeira
Nossa quanta tristeza
Nossa quanta alegria
Quanta noite quantos dias
Finalmente descansou 
Meu pai
Meu espelho
Meu orgulho
E espero que quando chegar a minha vez
Meu filho não chore
Apenas tenha carinho pelo que fiz e pelo que me espera 

(Professor Alves)

Um comentário:

A.Barbosa disse...

Jamais tinha visto alguém escrever sobre a morte de um ente querido de forma tão profunda e ao mesmo tempo serena e sem mesmices e pieguices. Parabéns.