Era
a época em que os coronéis ditavam as ordens no nordeste brasileiro. Eram
homens poderosos, que tinham direito sobre a vida e sobre a morte, mandavam
prender, mandavam soltar e também mandavam bater. Rodeados de capangas, muitos advindos
do cangaço, eram homens de posse e de política. Eram eles que elegiam e eram
eleitos. Eleição servia apenas como um faz de contas. Democracia era palavrão,
cheirava a comunismo e comunismo era coisa do demônio.
Mas
dentre esses cidadãos de poder, de mando, havia uns poucos de coração generoso,
que se condoíam do sofrimento alheio e colocavam muitas vezes seus contos de
réis a amenizar o sofrimento daqueles que pouco ou nenhum tinham. Coronel
Epitácio Alves D’ângelo era um deles. Homem de terras a perder de vista, casa
grande sem senzala, gado e muito dinheiro debaixo do colchão. Sua descendência
remonta ao Alferes José de Fontes Pereira de Almeida Alves, fundador da cidade
hoje denominada Morada Nova. A seu serviço, muita gente entre homens e
mulheres, pretos e brancos. A religiosidade fê-lo construir uma capela, à qual
vinha geralmente aos domingos um padre trazer-lhe a bênção, a ele e aos que ali
frequentavam e aos que ali trabalhavam, pois filhos e mulheres não tinha,
apesar da sua libido exagerada. Mas ninguém ousava duvidar de sua duvidosa
masculinidade.
Estava
esse homem sempre cercado por pessoas a bajulá-lo, sempre em busca de um favor,
de um auxílio de natureza diversa. Conta-se que por trás de sua cadeira de
balanço, havia uma abertura na parede, encoberta por uma lâmina de madeira, em
que guardava sempre uma boa quantidade de dinheiro para emprestar a quem
tivesse necessidade. Humildemente o homem e aproximava do Coronel e pedia-lhe
emprestado algum. Ele simplesmente apontava com o polegar a abertura na parede,
e o indivíduo ia pegar a quantia
solicitada. Alguns dias, semanas, meses depois, o homem vinha, sem grande
humildade, pagar-lhe o que devia. Coronel Epitácio apenas apontava a abertura e
o homem, meio desapontado, lá ia pôr a quantia em dinheiro.
Mas
entre pessoas honestas, há sempre aqueles que se acham espertos e confundem
bondade com ingenuidade. Certo comerciante, de nome Otávio Cesário, desses que
não perdem a oportunidade de abusar da bondade alheia, precisando urgentemente
de um dinheirinho para repor o estoque de seu armazém, dirigiu-se à fazenda do
Coronel Epitácio. E depois de muito bajular o benfeitor, confessou o real
motivo de sua estada ali. O Coronel fez o gesto costumeiro, indicando a
abertura na parede. O homem retirando a quantia necessária, retirou-se, com uma
vênia ao poderoso homem.
Algumas
semanas depois, estava o Coronel fumando seu costumeiro charuto, quando se
aproximou o comerciante Otávio para devolver-lhe o empréstimo. O Coronel
fez-lhe o gesto costumeiro, o outro se dirigiu para lá, abriu a portinhola de
madeira e fechou-a sem nada pôr lá. E saiu, se despedindo com um sorriso
cínico, coroando sua esperteza.
Não
se passou muito tempo desse ocorrido, Nosso amigo comerciante, Otávio Cesário,
apareceu na fazenda do Coronel. Após alguns dedos de prosa, revelou-lhe o que
queria: um pequeno empréstimo, um pouco maior que o anterior é claro. Epitácio
D’ângelo, não interrompeu a conversa com um aliado político, mas o gesto de
sempre foi repetido, ao que o comerciante, regozijante, dirigiu-se ao buraco.
Seu rosto ficou lívido, quando não encontrou nada lá. Voltou meio contrafeito
até à cadeira do Coronel e pedindo-lhe licença disse-lhe, tropeçando nas
palavras:
—
O Coronel me desculpe... mas... lá na portinha... não tem nenhum dinheiro!
O
Coronel deu um sorriso breve, bateu com o leque no joelho levantou os olhos
para o homem, que já suava de desapontamento, e lhe respondeu:
—
Se não tem nenhum dinheiro lá, é porque da última vez que o senhor veio
abastecer, nada lá colocou.
Dizendo
isso, o coronel mandou chamar dois cabras brutos e ordenou-lhes:
—
Acompanhem O Sr. Otávio César até seu comércio e tragam de volta o que ele levou e não devolveu, que há
pessoas honestas precisando. Mas antes não se esqueçam de lhe dar uma bela
sova, pro facínoras aprender a não fazer os outros de bobo. E assim se deu!
Essa
é uma das muitas histórias que meu pai, Luís Alves Domingos, me contava. Elas
moldaram de forma pedagógica meu caráter. Não me tornei melhor do que devo ser,
mas sempre que me encontro em situações que exigem uma conduta ética, me lembro
delas e procuro seguir aquilo que elas buscam ensinar.
(Professor Alves)