sábado, 11 de setembro de 2010

CONTO DE NATAL



Sabe lá
o que é não ter
e ter que ter
pra dar”
(Djavan)

I
Mais uma vez dou tino à minha lira
pra tecer feitos de gente comum
pois como aqueles havidos na Grécia
não conheço neste mundo nenhum.
Infelizmente esse que vou contar
são verdadeiros e tristes de narrar.

II
Era dezembro de 1987,
corria o período natalino,
época em que os seres ficam melhores,
mais honestos, e o mundo mais hialino,
mas que infelizmente foi transformada
em troca: compra e venda celerada.

Eram nove horas e trinta da manhã
eu ia no ônibus pra trabalhar
quando escutei pelo rádio a notícia
de que o Banfort estavam a assaltar.
A notícia não era muito completa
informava de forma pouco reta.

Logo nas outras seguintes chamadas
diziam serem os assaltantes paulistas
já que em determinado momento
pediram lanche, refeição elitista,
que eram de alta periculosidade
mas não comprovavam aquela verdade.

Por onde se passava o assunto ouvido
nas esquinas, praças e elevadores
era aquele sinistro que infligia
aos reféns e bancários muitas dores.
Enquanto isso salvo no último andar
Sanches cigarrava calmo a cismar.

Na praça do Ferreira, alvorotados,
os curiosos punham-se a apostar
sobre o desfecho daquela atitude:
se a polícia o recinto ia adentrar
se os assaltantes iriam vencer
se algum refém iria perecer.

Como já foi informado logo acima
era bastante grande a confusão,
até o padre da igreja do Rosário
uma missa às pressas pois-se a rezar.
Temia pela vida dos bancários
que como refém estavam ali presos
pedindo a Deus que eles saíssem ilesos.

No escritório no qual eu labutava
não se comentava ali de outro assunto:
meio dia disse o noticiário
que os bandidos exigiram presunto
pra comer e uma coca pra beber,
pediram cigarro e um livro pra ler.

Assaz ousadia desses bandidos
queriam fazer o povo de besta,
beber também comer a sua custa!
E do assalto já estava na hora sexta.
Devia ser a quadrilha de Itu
pois no banco todo mundo era nu!
Mas tudo cheirava à especulação
algo estaria muito mal contado:
como assaltar às barbas da polícia
num local facilmente mapeado,
reclama-se comida a todo instante,
só sendo faminto ou muito ignorante.

A polícia, que cercara o local
desde cedo, só esperava o momento
de invadir incontinenti o ambiente
e acabar logo com aquele tormento.
Era o COE, que, então, amedrontava
e bandido ou cidadão exterminava.

Contavam cinco horas quando se deu
o desfecho já esperado por todos:
a famigerada equipe invadiu
o prédio e como brutos visigodos
dizimou a o bando ardiloso, pois,
uma quadrilha formada por elementos dois.

A cidade estava, portanto, livre
daqueles facínoras destemidos
que a ela um dia de cão lhe infligiu,
encarnaram Lampião, esses bandidos,
assaltantes, vilões e criminosos
homens sem lei e passados duvidosos.

III
Nas horas seguintes, a verdadeira
história entretanto subiu à tona
quando os bandidos enfim foram abertos
a versão oficial foi à lona
podem imaginar que é mentira minha
mas nos corpos só encontraram farinha.

Portanto em minha cabeça eu fiquei
tentando compor aquela história
só justificada por uma triste
sina, produto de uma vida inglória
efeito do consumismo feroz
fruto desse capitalismo atroz.

Corria dezembro de oitenta e sete,
como bem acima já fora escrito.
Ano do plano Cruzado e daqueles
os quais combatiam o maior delito
o aumento desordenado de preços,
roubando de muitos os endereços.

O controle de preços e da inflação
gerou um falso nacionalismo
uma falsa noção de estabilidade
e estimulou em muito o consumismo
levando à grande corrida ao comércio
tornando o povo totalmente néscio.

Nessas épocas todo apelo é pouco
as lojas inventam tudo pra vender:
brinquedo, roupa a eletrodoméstico.
A gente fica louca pra poder
pior, tudo não passa de ilusão
ninguém paga a conta em televisão.

Naquele mês daquele ano fatídico,
os dois facínoras, desempregados,
viam os apelos da mídia e dos filhos:
quero um brinquedo bonito, animado
não esqueça, papai, a minha Calói.
Quero sanduíche, a barriga dói.

Foram tantas propagandas e pedidos
que eles, coitadamente, fraquejaram
e durante um bom tempo armaram o plano
e naquele dia o banco assaltaram,
e o resultado já sabemos nós:
fuzilaram-nos qual bicho feroz.

IV
Entanto o que eu realmente queria
que esse povo tivesse Educação
pois não existe nada mais insano
que viver sem ter os dois pés no chão,
adotando tudo que a mídia diz
como recurso pra se ser feliz.

Julho de 2003
FIM

domingo, 5 de setembro de 2010

BOICOTE ÀS ELEIÇÕES: POR QUE NÃO?

Em 1989 o Brasil quase inteiro, com exceção da Rede Globos, os empresários e os idiotas, estava na expectativa da eleição de um senhor, ex_trabalhador, chamado Luís Inácio da Silva. Era o sonho da renovação, esperado desde 31 de março de 1964, quando as tropas Militares marcharam sobre o país, iniciando a fatídica ditadura, que se espraiaria até 1985. Aguardava-se, então, em 89 a eleição direta para presidente, um democrata que governaria o país para o povo, como o termo indica: demo = povo, cracia = governo: governo do povo (ou seria governo do demônio?) Pois bem, naquele ano, havia grande movimento para a eleição  do Senhor Lula. Numa passeata realizada no Jardim Iracema, um açougueiro correu atrás de mim com uma faca daquelas. Para mim, foi grande aventura, da qual escapei com orgulho de falações durante as reuniões da militância. Enquanto isso, os intelectuais mais destacados no país, como Caetano Veloso, iam ao horário gratuito da tv e rádio para pedir votos para Lula, justificando de forma convincente sua escolha. Lula não venceu as eleições, mas a luta pela democracia de fato continuou.
Vieram Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, dos quais não vamos falar aqui por não ser esse o objetivo deste artigo. Finalmente veio Lula em 2002. Com verdadeira comoção nacional. Lembro-me das minhas lágrimas incontinentes, ante o discurso de Lula ao lado de Dona Mariza e o Vice Zé Alencar, após a apuração dos votos, e... a decepção ante as ações. A partir daí, caiu a ficha, o que esperar da política? 
Nesses 8 anos de governo Lula, o que mudou? O país continua o mesmo: terras nas mãos de quem as herdou; favelas se multiplicando dia-a-dia; Educação e Saúde ineficientes. E para completar, presídios sendo construídos numa proporção de 5 para cada escola. O contraste neste período aumentou significativamente. Carros importados brotam nas vias, causando grande congestionamento; enquanto o contingente de crianças rotas e prostitutas amantes do crack  aumenta pelas esquinas dos subúrbios.

Desisti, compreendi. Eleição democrática, não existe. Até porque as disparidades entre os candidatos são enormes, e só ganha eleição quem está no poder. Deputados que custam ao bolso do contribuinte nada mais nada menos do 166.000,00 para não fazer nada (provem-me o contrário), a não ser defender interesses próprios., não valem nada. E eu pergunto: Se um cidadão comum paga para defender seus interesses, por quer um deputado recebe para mentir e legislar em causa própria? 

Mas não é só isso. Ouvindo (sem querer) um programa da Sra. Marina Silva, ouvi-a reclamando do tempo que tem na TV. De repente me veio à mente a campanha de 89, quando o Sr. Lula reclamava do mesmo. Ouvi também Caetano Veloso, pedindo votos para Marina Silva e dando a mesma justificativa de 89, quando pedia votos para Lula. Ouvi uma música de Ivan Lins em que ele diz "coração da gente é igual país: não deu certo na mudança, a gente muda de esperança" Só que o coração é 
inconsequente, ama sem ser amado e adora o choro quando precisa sorrir.

Não precisamos de uma nova falsa esperança, nem precisamos de Lula, nem de Dilma, nem de Serra. Não precisamos de ninguém. Precisamos dizer NÃO, como Caetano disse na Tropicália. Dizer não à eleição. Precisamos boicotar, não aparecer nas urnas, não eleger ninguém. Pois assim podemos fazer uma revolução pelo NÃO-VOTO. É aí que haverá a revolução, pois a polêmica revolta do povo motivará  uma reforma política. Findada ela, deputados e senadores legislarão sem remuneração... 
                                                  (Professor alves, autor de O Verdadeiro Analfabeto Político)

   

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

REENCARNAR É UMA LEI NATURAL

Reencarnar é uma lei natural

Maurício Roriz
"Antes de nascer, a criança já viveu, e a morte não é o fim, A vida é um evento que passa como o dia solar que renasce". (de um papiro egípcio de 5000 anos)
Reencarnação é o retorno sucessivo de um mesmo Espírito à vida em diferentes corpos. Reencarnar é uma lei tão natural quanto nascer, viver ou morrer.
"Se é assim - poderão perguntar - por quê, então, a ciência a desconhece?" O motivo é simples: como tudo o que é humano, o conhecimento científico também é progressivo. A verdade das academias é sempre provisória. Qualquer colegial de hoje considera normais inúmeros fatos que ontem eram totalmente ignorados pelos cientistas: o movimento da Terra, as partículas menores que o átomo, a composição química da água, etc. Diariamente a ciência revê suas teses da véspera. Mas o conhecimento humano só avança através de pesquisa e, em geral, os que negam a teoria da reencarnação jamais a estudaram seriamente. Entretanto, alguns cientistas de renome que a pesquisaram concluíram tratar-se de fato inegável: Thomas Edson (inventor da lâmpada elétrica), William Crookes (famoso físico e químico falecido em 1919), Charles Richet (Prêmio Nobel de Medicina de 1913), e tantos outros.
Atualmente, muitas universidades já possuem grupos de pesquisa sobre este importante tema. Certamente chegará o dia em que a reencarnação também constará daquela lista progressiva de assuntos "corriqueiros".
"De onde se origina a certeza dos Espíritas sobre esta questão? Em que se baseiam para a afirmarem com tanta convicção?"
Estas são perguntas frequentes e cabíveis. Merecem resposta.
Cumpre esclarecer, que a reencarnação não foi inventada pelos Espíritas: é uma das ideias mais antigas da Humanidade. Um papiro egípcio de 3000 A.C. já a menciona. Outro, mais recente, denominado "Papiro Anana" (1320 A.C.), diz: "O homem retorna à vida várias vezes, mas não se recorda de suas pretéritas existências, exceto algumas vezes em sonho. No fim, todas essas vidas ser-lhe-ão reveladas."
Na Grécia clássica, Pitágoras (580 a 496 A.C.); já divulgava o reencarnacionismo. No diálogo Phedon, Platão cita Sócrates (469 a 399 A.C):
"É certo que há um retorno à vida, que os vivos nascem dos mortos". Esta mesma certeza consta da maioria das religiões antigas, como o Hinduísmo, Budhismo, Druidismo, etc. "Mas estas são religiões primitivas, não merecem crédito!" - dirão alguns.
A reencarnação está também na Bíblia. Jeremias (1:4-5): "Foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: Antes que eu te formasse no ventre de tua mãe, te conheci; e, antes que tu saísses do seu seio, te santifiquei e te estabeleci profeta entre as nações." Ou, no Novo Testamento: "Digo-vos, porém, que Elias já veio e não o reconheceram." (...) "Então os discípulos compreenderam que (Cristo) lhes tinha falado de João Batista." (Mateus, XVII, 12-13). E ainda: "Não pode ver o Reino de Deus, senão aquele que nascer de novo." (Jesus, em João, III, 3).
A convicção dos Espíritas, entretanto, decorre de outras razões: Se entendemos que não existe acaso - pois todo efeito possui uma causa - e se cremos que Deus é Justo, somente a reencarnação explicará as diferenças econômicas, sociais, físicas e morais entre os homens. Somente ela é compatível com o conceito de evolução, também evidente em toda a natureza. É ela que confere sentido à existência humana. E, também, a única explicação racional para o "deja vu", esta sensação comum de já conhecermos pessoas ou lugares que nunca vimos. Além disso, a reencarnação é confirmada universalmente por todos os Espíritos Superiores, assim chamados pela coerência e pela elevação moral e intelectual que demonstram no conjunto de suas mensagens mediúnicas.
Por outro lado, a hipótese de que tenhamos uma única vida é inteiramente incompatível com a admirável perfeição existente em todo o universo conhecido. A ideia de que, após a morte do corpo, nossas individualidades se percam em um "grande nada" é, esta sim, insustentável, pois a própria ciência já descobriu que "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Assim, se temos tantas evidências à favor da reencarnação, o que nos oferecem contra a mesma? Apenas a simples opinião dos materialistas e de algumas igrejas. Quais os seus argumentos? Ainda não os apresentaram.
Revista Espírita Allan Kardec, nº 37.


Do site: www.espirito.org.br

domingo, 29 de agosto de 2010

PEQUENA CRÔNICA

  Depois de ver o vídeo do último gol de Pelé, promovido por uma empresa de telefonia celular, fiquei tão comovido que resolvi fazer uma crônica da altura dessas imagens. Pensei comigo mesmo que era minha obrigação realizar algo tão magnífico quanto aquele gol e/ou quanto aquele filme. Não sou jogador, nem cineasta. Tampouco tenho dinheiro para custear algo silmilar. Precisaria então fazer algo que estou acostumado a fazer: textos. Pelo menos um. Uma crônica.
Foi por isso que saí de casa em busca de algo. Caderno debaixo do braço e olho ativo. Vislumbrei então um vendedor de colchões. Interessante! Uma porção deles amontoados, feito pilhas, uma senhora examinando-os. Pensei em sono, mulheres, mendigos. Depois avistei um homem dormindo no chão. Um homem não, um bêbado. Roncava, e suas mãos crispadas me deram certo medo. Mas ele estava vivo, pois seu ventre baixava e subia impelidos pela respiração ou pelo ronco. Uma árvore frondosa era seu domicílio. Mas não era ainda assunto para uma crônica. Era?
Já estava desitindo, quando chegou-me um amigo, sentou-se e vendo o caderno em branco nas minhas mãos, exclamou:
¬ Vejo que vais fazer uma bela crônica desse contraste. ¬ e reafirmou ¬ Um homem dormindo no chão e uma porção de colchões ao seu redor!
Estava ao meu alcance uma cena perfeita para uma crônica, mas eu não vira. O contraste era muito claro para eu vislumbrar, ou a minha vista é tão curta para eu enxergar. Alguém que vê tão pouco não merece a grandeza que se lhe avizinha. Se Pelé fez tantos gols, inclusive o que ele não fez, é porque via além dos próprios olhos. Chico Buarque, que fez tantas maravilhas em forma de poesia e canção, disse que “O poeta como os cegos podem ver na escuridão”. Meu amigo Marley não é cego, portanto é poeta, pois enxergou na minha escuridão.
Fiz então essa crônica, que lhes dou agora, mas sem nenhma pretensão, pois sei que é uma crônica pequena, bem menor que os gols de Pelé, ínfima ante a poesia de Chico e menor ainda que a visão de meu amigo Marley.
(Professor Alves, 29/08/2010)

sábado, 28 de agosto de 2010

SONETO DO BEIJO


(Porque beijar é bom demais)

Por que fechamos os olhos ao beijar?
Grande mistério para os que não amam
Mas está claro aos que se apaixonam:
Quem ama só o ente amado quer mirar.

Quando os lábios começam a se tocar
As pálpebras lentamente se apagam
Os corações rapidamente acalmam
É a magia do amor a se manifestar.

O resto são flores, sonhos, delírios!
Logo a respiração fica ofegante,
O balé das mãos que se tocam no ar.

Os sinos tocam, do alto caem lírios
Inicia-se a revolução pujante
Inicia-se por fim o ato de amar.

  (Professor Alves)

domingo, 8 de agosto de 2010

LIÇÃO DE HAMSTER

Quando os levei para casa, não imaginava que fossem capaz de me ensinar algo. Muito embora sempre tenha achado que não dá para vivermos desapercebido das pequenas coisas. Até uma folha seca que cai de uma árvore com sua forma inaudível não o faz por acaso. Creio em que nada ocorre fortuitamente. É preciso que saibamos ler as entrelinhas das pequenas ocorrências, pois as grandes são como textos infantis, não precisam de interpretação. O choque de dois aviões contra as torres gêmeas, por exemplo, não necessita de comentários, pois seus significados foram e são muito claros.
Deixemos os americanos e seus problemas para lá, para tratarmos de algo mais puro. Pois bem. Quando levei aquele casal de hamster sírio para casa, fi-lo com o intuito de obedecer a mais um capricho do meu filho, como no caso da lagarta, cuja experiência também rendeu uma croniqueta igual a esta. Mas logo seu jeito meigo e fofo de se mexerem me cativou e fui me aproximando, pegando-os, fazendo-lhes carinho. Me encantei.
Na primeira barrigada, fiquei consternado com o espírito materno. Ela não abandonava a toquinha, que ficava num canto da gaiola e onde fizera o ninho, para nada, a naõ ser para comer, tomar água. Nem à noite, quando suas atividades se manifestavam, ela abandonava os filhotes, oito ao todo. Até que numa segunda feira, fui dar uma olhada nos filhotes e desscobri que só havia cinco. Onde foram parar os outros? Será que me enganei na contagem? Será que fugiram? Procurei em vários lugares para onde pederiam ter ido, em vão. Foi através da internet que descobri o que havia acontecido. Ela os devorara. Fazia parte de sua sabedoria. Os animais são mais espertos do que os seres humanos. Já havia assistido através de um programa de televisão que aranhas devoram o maior número de ovos quanto forem necessários para dar vida a outros tantos possíveis. Ela, a fêmea de hamster, Tinha feito isso. Fiquei chateado, resolvi não mais criá-los.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Mas depois entendi tratar-se de sua natureza. A necessidade de sobrevivência está arraigada no atavismo biológico, e apesar de não viverem na mata em que essas atitudes seriam extremamente necessárias, o tal atavismo falava mais alto.
Mas não foi essa a principal lição que tive deles. Quanto aos filhotes, iam nascendo aos montes, depois de sumirem alguns, os que desmamavam eram imediatamente dados a parentes e amigos. A fêmea, por ser bem mais velha que o macho, adoeceu bem mais cedo. Consultei um veterinário que me disse o óbvio. Que ela já havia atingido o limite de idade, já havia cumprido sua missão de hamster cá na terra e precisava deixar o outro só e triste, até que se arranjasee outra fêmea, da mesma forma que acontece com nós, seres humanos. Ela precisava desencarnar. E me alertou que era preciso separá-la do companheiro, para que ele não contraísse a mesma doença e se fosse também, antes da hora. Separei-os. Coloquei-a num espaço improvisado ao lado da gaiola em que ficou o companheiro. Coloquei ração, água e lhe dava, sempre que possível, um pouco de carinho para que, mesmo que não sarasse, soubesse do afeto que lhe tinha.
Foi então que me veio a maior lição de todas. O macho não dormia mais, comia menos ainda. Trepado na parte superior da gaiola, onde eu havia improvisado um mirante, fitava a companheira ao lado. Se durante o dia quando dormem os roedores ele ficava acordado na sua individual contemplação, à noite, quando os roedores entram em atividade, não se movia. A comida deixava-se quedada no cocho, intocada, a água evaporava aos poucos, como sua vida que se acabava ao lado. Compreendi que, se os seres humanos amam e matam e morrem por esse amor, os hamsters não são diferentes. A vida dele se ia juntamente com a dela, paulatinamente, inexoravelmente. Ele não ia se permitir ficar só. Consultei o vetrinário que deu o diagnóstico: tristeza de amor. E acrescentou que apesar da pouca idade ele não resistiria, pois a dor que ele sentia era a dor da falta, incomparável. Velei-os por toda a noite até que ao acordar, encontrei-o inerte. Ela se mexia de cá pra lá, no seu espaço improvisado. À tardinha também encontrei-a desencarnada. Consternado com a lição de amor que vivenciara naqueles dias, coloquei-os na toquinha azul, onde ela paria suas crias, enchia-a de pétalas de rosa e os enterrei num cantinho do condomínio onde há uma pequena estátua de Iracema, símbolo do amor de uma guerreira índia e de um guerreiro branco.


quarta-feira, 28 de julho de 2010

CRÔNICA DA DESCONFIANÇA OU DA VERDADE INAUDITA


O lugar era um desses sítios pequenos que há pelo sertão, cujo dono não deu asas aos hectares devido ao escaldante sol que assola essas regiões. É sempre ideia comprar um sítio, para depois plantar, irrigar, construir um balneário às margens do açude. Enfim transformar a Natureza. Mas a natureza do sertão é áspera, incontrolável, arisca. Desafia a qualquer um que pretenda transformá-la num paraíso. E logo desistem. Até porque os proprietários desses sítios não entendem nada de sertão. Entendem muito mais de cidade. São comerciantes da capital, juízes, desembargadores, médicos, que nasceram no sertão e tiveram de deixá-lo para melhorar seus dias. E quando conseguem um padrão de vida invejável, retornam a ele, adquirem um pedaço de terra com os intuitos já mencionados. Muitas vezes, em suas viagens, veem pedaços de chão verdes, plantações de dar águas nos olhos e seus donos de risos fartos. Imaginam logo ser fácil conseguir um terreno igual. Fazem planos, mas não têm tempo, suas ocupações citadinas e mundanas não lhes permitem a realização de seus ideais bucólicos. Com o tempo se resignam, e a casa se torna num simples lugar para se passar o tempo quando vem visitar os seus, para dar uma festinha de aniversário ou passar a Semana Santa. Então a natureza ao redor agradece para poder, livre, realizar sua autêntica vocação.
Era num sítio desses em que me encontrava e admirava a natureza agreste ao redor do casarão. Um barulho infernal, misto de gritos de crianças, vozes de mulheres e homens, além de uma música quase inaudível pela colisão de notas e acordes eram a trilha sonora daquele momento. Poucos eram os meus conhecidos ali, os que aasim eram estavam ocupados em suas mesas com seus amigos, copos de bebidas e garfadas de carne. Logo me vi só, observando a natureza. Quando chegou um casal que me pareceu simpático. Os dois traziam a tiracolo uma criança de aproximadamente nove anos. Estava formada a tríade familiar: pai, mãe e filha. Veio-me a ideia da imagem que o cronista Fernando Sabino tivera ao ver o casal de pretos acompanhado da filha negrinha. Passou-me pela memória rápido a história da última cônica. Bem que eu poderia aproveitar a solidão do momento para escrever algo. Não sou cronista nem contista, mesmo assim seria estranho, numa festa com barulho intenso, alguém sacar de um papel e uma caneta, ou mesmo de um "notebook" e escrever diante dos olhos pasmados de algum espectador desafortunado. Foi a inexperiência como trabalho de escritor que me levou a esse desatino. O casal acenou para os amigos, e os três ocuparam uma mesa espremida entre tantas outras. Ele tinha um ar agradável, sorridente, amigo; ela, não ficava atrás, entretanto sua simpatia era um pouco inibida pelos cuidados com a garotinha, cujos olhos furtivos buscavam alguém que tivesse sua idade, com quem pudesse brincar.
Olhei em volta, vi e ouvi as mesmas cenas de antes, com execção de algumas frases pronunciadas já com um pouco mais de intonação e veemência, efeitos do álcool provavelmente. Meus olhos então voltaram para a família, quase sem querer. Mas algo me chamou deveras a atenção. O homem antes tão simpático e sorridente adquirira de súbito um ar empalecido, seus olhos estavam espantados como se tivessem visto fantasmas, seu rosto adquiriu uma palidez quase móbida, desses que só adquire quem vê alguém que não quer ver, ou alguém que quer desesperadamente encontrar, mas não espera dar de cara de modo tão inesperado. Em minha mente vieram histórias dos mais diversos matizes. Estava deveras ensimesmado, por isso cheguei a imaginar coisas. Será que ele vira a lâmina de um amor traído; será que vira alguém que lhe roubara ou tentara lhe roubar a felicidade; será que foram os olhos da mulher de sua vida que lhe cruzaram naquele momento!? Procurei ser o mais discreto que pude, girei a cabeça em torno, e não percebi ninguém, naquele espaço onde estávamos, digno de tamanho desconforto, pelo menos não que eu tenha visto. De volta ao rapaz, notei que o susto havia passado, mas o desconcerto não. Vi que tentava aparentar calma, mas não lhe era possível, respirava fundo, como quem busca o ar necessário para se manter de pé. Nesse momento a companheira saiu para procurar a pequena que lhe sumira das vistas. Ele levantou-se, com o pretexto de cumprimentar um amigo, acenou para outros. Nesse moemnto vi sua mão esquerda procurar e encontrar discreta e propositadamente uma outra, que apertou-a com a mesma discrição. Tomei um susto, olhei em volta, tive, porém, a impressão de que ninguém notara o gesto. Só eu, que estava desapercebido de tudo, vi, ou pensei ver, o que vi. Qundo ele passou daquele ponto, notei um par de olhos tão surpresos quanto os dele segui-lo, com o rosto tão lívido como os dele. Meio desconcertado fiquei diante do insólito. Daí a pouco ele retornou e tentando demonstrar tranquilidade, debruçou-se sobre uma mesa, riu amarelo, até tomou um pouco da cerveja que um amigo lhe serviu e voltou para a sua. Ao passar pelo alguém que lhe causara tanto rebuliço na alma, estacou mais uma vez e tocou-lhe a mão, desta feita num cumprimento, como os amigos que se dizem “há quanto tempo, por onde tens andado”, em volta ninguém os olhava, pelo menos de propósito, só eu, que não tinha com quem conversar. Ele bateu no ombro do outro como a pedir licença para se retirar, e voltou a sentar-se. A mulher falava algo com a filha e ele fitava o outro, e o outro não conseguia tirar os olhos de cima dele.
Naquele momentro fui subitamente arrebatado com a chegada de um parente o qual há tempo não via. Efusivamente me abraçou, disse o que se diz quando se encontra alguém que não esperava encontrar, apontou-me a mulher, pediu permissão e sentou. Falou da música, da cerveja que estava quente e da carne meio crua. Perguntei-lhe pelo trabalho, indaguei-lhe sobre os familiares e ri de alguma piada de improviso.
Meu canto de olho porém não deixava de mexericar o que estava acontecendo naquela mesa. O outro se aproximou, sentou-se e os dois ficaram sentados, lado a lado, estando ele entre a mulher e o outro. Não havia mais traços de desconcerto. A esposa, familiarizada com o amigo recém chegado, riu de algo que ele dissera, enquanto o marido colocou de leve a mão sobre a coxa do mesmo. Aos poucos a situação foi adquirindo um tom de normalidade. Os gestos tornaram-se meros, simples, fortuitos. Mesmo quando a esposa pediu licença e lenvantou para buscar a pequena, não vi nada demais. Eu comecei a me indagar se havia visto o que me pareceu uma intimidade exacerbada entre os dois, ou se eram meus sentidos aguçados pela ociosidade que me mostraram a cena com as lentes de aumento da desconfiança e da maledicência. Voltei-me, pois, para a minha, e quase perdia o fim da piada que meu primo acabava de contar, quase perdia o riso, o que me fez lembrar de uma outra, que contei para seu deleite e da esposa, a qual ele trouxera para junto de nós.
Passado algum tempo, com o fim da cerveja e a chegada da noite, resolvi me ir. Despedi-me. Saí. Antes porém de descer os degraus do batente, olhei uma última vez e vi, por baixo da mesa, dez dedos que se tocavam com certo nervosismo.
(Professor Alves, 28/07/2010)